segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

TOP 10 - MELHORES LEITURAS DE 2019!!!

Em 2019, como em todos os anos, não me faltaram bons livros. Embora tenha lido relativamente menos que em 2018, as escolhas deste ano foram mais acertadas, de maneira que nenhum livro avaliado com “3 estrelas” entrou para este ranking. Dos autores que figuraram ano passado, apenas D. Júlia se manteve, o que tem confirmado minha estima pela autora. A literatura brasileira predominou como nunca antes na história deste blog: 7 títulos nacionais. Além deles, figuram aqui um romance inglês, um francês e um espanhol, este último ocupando a ambicionada primeira posição. Vamos conferir?

# 10º lugar OS RODRIGUEZ, de Maria José Dupré (4 estrelas)
Após uma sequência de decepções, fiz as pazes com a autora de Éramos Seis. Os Rodriguez, talvez por ser um romance mais conciso, agradou-me do início ao fim. Com uma ou outra passagem mais exagerada, o livro conseguiu me prender com seu ritmo acelerado, deixando-me sempre curioso pelo destino de Dora e seus filhos. Mas foi o forte teor dramático da obra, como na cena da saraivada de joias, que garantiu sua inclusão neste ranking.

# 9º lugar O GALO DE OURO, de Rachel de Queiroz (4 estrelas)
O último romance que me faltava ler da Rachelzinha proporcionou-me uma despedida deveras feliz. Foi no aconchegante colo desta saudosa vovó que conheci finalmente a história de Mariano, um homem comum como qualquer outro, com suas ditas e desditas, mas sobretudo com muita esperança de realizar o seu sonho dourado.

# 8º lugar O PRIMO DA CALIFÓRNIA, de Joaquim Manuel de Macedo (4 estrelas)
Este ano travei conhecimento com o Macedo dramaturgo e li duas de suas peças. É uma grande alegria ver que uma delas já entrou para meu Top10 de melhores do ano. Adriano é aquele pobre coitado que o leitor deseja ardentemente poder ajudar. A estratégia que o faz ascender socialmente é divertidíssima, como tudo o mais nessa brilhante ópera: tipos caricatos, tiradas humorísticas, canções jocosas, etc. Mesmo o argumento não sendo original, Macedo realizou um excelente trabalho de adaptação.

# 7º lugar O CASO DOS DEZ NEGRINHOS, de Agatha Christie (4 estrelas)
Mesmo não tendo ficado plenamente satisfeito com a solução mirabolante apresentada ao final do livro, preciso admitir que o percurso desta leitura foi simplesmente eletrizante, do tipo que faz a gente avançar muitas páginas em pouco tempo. Esta minha primeira experiência com Agatha Christie fez-me entender todo o culto prestado à grande dama do romance policial.

# 6º lugar CADA FORMA DE AUSÊNCIA É O RETRATO DE UMA SOLIDÃO, de Marco Severo (4 estrelas)
Os contos de Marco Severo deixaram-me impactado por diversos momentos, não exatamente pelo estilo pungente de suas tramas, mas pela capacidade do autor de emoldurar causos tenebrosos em pequenas joias literárias. Uma escrita cuidada, bem executada e sem grandes pretensões: um modelo ao qual os contemporâneos deveriam atentar-se mais.


# 5º lugar A FALÊNCIA, de Júlia Lopes de Almeida (4 estrelas)
Depois de ter me impressionado com A Intrusa ano passado, D. Júlia mantém-se entre os melhores do ano, desta vez com um romance de deixar qualquer um ressacado. A Falência, além de constituir excelente leitura, tem o mérito de reverberar. Depois de um tempo, o livro cresceu tanto para mim que, às vezes, penso não ter feito uma avaliação muito justa para ele. Quem sabe numa releitura?

# 4º lugar A MENINA DA CHUVA, de Bruno Paulino (5 estrelas)
As crônicas de Bruno Paulino ganharam meu coração. Enquanto lia alguns de seus textos, pensava: “vendo assim, parece tão fácil”. Mas a verdade é que nem todo mundo consegue transmitir sentimentos de forma tão franca e honesta como Bruno. Seu narrador parece um menino traquinas, desses que dizem o que pensam, desses que só falam a verdade.

# 3º lugar O RIO DO QUARTO, de Joaquim Manuel de Macedo (5 estrelas)
Às vezes penso que Macedo não pode me impressionar mais do que já fez até agora. Mas este ano ele não só me impressionou, como teve dois de seus livros neste ranking, além de um terceiro, O Forasteiro, ao qual eu faço uma menção honrosa. O romance de Luisinha e Milo é uma das coisas mais fofas para se ler na vida. Não entendo como possa estar tão esquecido do grande público. O Rio do Quarto é, como já disse em resenha, uma pérola.

# 2º lugar O MENINO DO DEDO VERDE, de Maurice Druon (5 estrelas)
Todo mundo já tinha lido, menos eu, admito! Mas enfim conheci Tistu, esse menininho que com um toque mágico muda tudo ao seu redor. Como não amar Tistu? Zezé, Marcelino, o Principezinho... Essas crianças têm me ensinado tanto... E a verdade é que muita gente carece bastante de aprender com elas!

# 1º lugar MARCELINO PÃO E VINHO, de José María Sánchez-Silva (5 estrelas)
Fazer a resenha deste livro foi uma tarefa dificílima para mim porque, conforme mencionei no próprio texto, seu valor transcende qualidades literárias. Marcelino Pão e Vinho é muito mais que uma obra de arte: é uma lição de amor e humanidade. É um livro que nos faz pensar no quanto estamos corrompidos pelas misérias deste mundo e, principalmente, esquecidos do real sentido da palavra “amor”.

Daniel Coutinho

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sábado, 21 de dezembro de 2019

Nina, de Joaquim Manuel de Macedo - RESENHA #117

Na carreira de Alencar há um livro que, penso, destoa bastante do conjunto fabuloso de sua produção romanesca. Trata-se de Diva (1864), que integra a trilogia “Perfil de mulher”. Na história, temos Emília, ou simplesmente Mila, garota caprichosa que faz o inferno na vida de Augusto, um modesto médico.

Fora impossível não associar este romance de Alencar à minha última leitura. Em Nina (1869), de Joaquim Manuel de Macedo, Nicolina, ou simplesmente Nina, é uma garota caprichosa que faz o inferno na vida de Firmiano, um modesto provinciano.

Criado por sua irmã Escolástica após a morte dos pais, Firmiano, tendo concluído seus estudos, decide tentar a vida no Rio de Janeiro. Munido de boas cartas de recomendação, ele vislumbra um emprego público modesto, mas satisfatório. Sua dedicada irmã, contudo, ambiciona para Firmiano uma carreira literária e incumbe-lhe da composição de um romance.

O amigo Félix fá-lo crer que o caminho mais seguro para inspirar-se é a paixão de uma mulher. Numa visita ao Passeio Público, Firmiano acaba encontrando sua musa inspiradora: Nicolina. Este primeiro encontro é marcado por um episódio bem humorado em que o jovem provinciano é feito de bobo pela terrível moça.

Nina, como é chamada desde criança, é a filha única de André de Sousa e Gervásia, que a conceberam em idade já avançada. A criança fora criada cercada de mimos e atenções, daí seu temperamento voluntarioso e índole caprichosa. Mas, apesar destes senões, Nina é de natureza boa e amorosa, sendo capaz de sacrificar-se para reparar alguma falta praticada.

Conhecendo que Firmiano era filho de um antigo amigo de seu pai, ela desculpa-se sinceramente, convidando-o a frequentar sua casa. O moço acaba cedendo aos encantos da tentadora menina, mas sabendo-se pouco belo e sem fortuna, julga-se incapaz de ganhar o coração de Nina, estando esta noiva do doutor Vidal, um cavalheiro formoso e rico.

Firmiano passa a ignorar as atenções de Nina, na tentativa de curar-se de sua nascente paixão, mas a indiferença dele excita o orgulho da caprichosa garota que, para vingar-se, decide antecipar seu casamento com Vidal, que nega-se ao desejo da noiva em respeito ao luto por seu finado pai. Ferida novamente em seu orgulho, Nina descompromete-se com Vidal e, para afrontá-lo com mais denodo, sugere preferir a Firmiano, um candidato em tudo inferior.

O romance segue nesse joguinho de namorados que muito me lembrou outro romance de Macedo: Rosa, que acaba saindo-se melhor por sua jocosidade. Em certo ponto também nos lembra Vicentina, quando, numa digressão, Macedo põe em julgamento a má-criação recebida por Nicolina, cujos pais eram excessivamente indulgentes.

Obra menor (tanto em qualidade como em extensão), o romance é econômico em personagens. Além dos já citados, apenas Erícia também participa ativamente da trama. É a melhor amiga de Nina, mas que, em razão dos caprichos desta, acompanhará Firmiano em sua desdita.

Se Diva é o romance de Alencar que menos simpatizo, Nina é, por seu turno, dentre os romances que já li do doutor Macedinho, o menos interessante. A escrita elegante e o estilo agradável de sempre do autor, contudo, não inutilizam a experiência de leitura. O desfecho da trama pode até parecer injusto, mas fica justificado quando percebemos que Macedo é um pai tão indulgente quanto André de Sousa.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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domingo, 15 de dezembro de 2019

Os Rodriguez, de Maria José Dupré - RESENHA #116

Eu e a senhora Leandro Dupré estivemos amuados um com o outro até bem pouco tempo. A minha resenha de Gina deverá tê-la feito retorcer-se no túmulo. Já estava esmorecendo da proposta de ler a obra completa da autora de Éramos Seis quando finalmente surge uma luz.

Os Rodriguez (1946) é um dos melhores romances de Maria José Dupré. Nele encontramos uma prosadora mais hábil e contida, além de visivelmente mais preocupada com a estética literária de sua obra. Aqui temos a fluidez já conhecida de seus romances anteriores aliada à construção de um texto melhor delineado e verossímil.

Trata-se de um romance de formação onde acompanhamos a trajetória de Dora, desde a infância até a velhice. Dora pertence a uma família de fazendeiros que está em decadência. O livro abre com a fatídica cena dos gafanhotos que devastam as plantações da Fazenda Boa Vista. Empobrecidos, os pais de Dora decidem tentar a vida na cidade mais próxima e posteriormente em São Paulo, onde residiam os tios Rodriguez.

Dora era uma menina franzina e de poucos atrativos físicos, mas inteligente e bastante orgulhosa. Quando levada numa visita à casa de tia Elisinha Rodriguez, sente-se incomodada pela notável diferença de classe. Julgando-se discriminada pela tia e pelas primas, Dora concentra-se em concluir a Escola Normal para ser professora no interior, longe dos parentes ricos. Mas Alexandre, o filho mais moço de tia Elisinha, regressa da Inglaterra e encanta-se pela prima que, com o passar dos anos, torna-se mais bela.

O casamento de Dora e Alexandre se realiza mesmo contra a vontade da mãe do moço. O orgulho de Dora, ante sua nova posição, acentua-se consideravelmente e a mesma persiste em desprezar a família do esposo, salvo tio Paulo, que sempre mostrara-se mais amável. Dora Rodriguez é pois outra mulher: alguém que ignora o passado pobre (incluindo a família) e dá-se por completo às frivolidades da vida social.

Deslumbrada com os prazeres do luxo, Dora torna-se sobretudo egoísta, negligenciando as relações afetivas com o marido e os filhos. Lilian e Alexandre vivem cercados de mimos, mas carecem da atenção dos pais. Dorita, que nascera depois, acaba sendo a mais desprezada, principalmente por ter uma aparência que remete à Dora do passado, a menina esquálida da fazenda Boa Vista. Paulo, o caçula, curiosamente torna-se o filho mais querido, ganhando atenções da mãe que seus demais irmãos jamais tiveram.

Os anos passam e as crianças crescem. Cada um deles, porém, segue por um destino que a orgulhosa Dora jamais poderia prever.

Os Rodriguez constitui um drama familiar onde acompanhamos com interesse o desenrolar de vários episódios de forte carga emocional. Em determinado ponto, a história sofre uma reviravolta e nos deparamos finalmente com as muitas vezes previsíveis consequências dos atos de cada personagem. Nessa emaranhada teia dramática, sobressai a figura da matriarca, com quem o leitor cria uma complexa relação de empatia.

Os capítulos finais são os mais impactantes e algumas cenas são incrivelmente perturbadoras e incômodas. Chamam atenção principalmente pela humanidade que concentram, uma humanidade que transcende o bem e o mal, que nos define enquanto pessoas.

Sem os excessos de obras anteriores, aqui, por exemplo, há apenas menções de viagens para o exterior, poupando-nos daquele exotismo anacrônico tão maçante ao leitor contemporâneo. Certa inconstância no ritmo também pode causar desconforto em alguns momentos. Mas esses e outros defeitos não desmerecem a leitura deste romance onde prevalecem as qualidades.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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domingo, 1 de dezembro de 2019

Maricota e o Padre Chico, de João Salomé Queiroga - RESENHA #115

João Salomé Queiroga (1810?-1878) foi um escritor mineiro que, juntamente com seu irmão Antônio Augusto de Queiroga, atuou no período do pré-romantismo, ainda que suas obras tenham sido publicadas tardiamente. Os irmãos Queiroga, como eram conhecidos, participaram da fundação da Sociedade Filomática em 1833, agremiação literária que defendia a realização de uma literatura de cor local.

Salomé Queiroga, de fato, prezou, tanto na poesia quanto na prosa, pela divulgação dos costumes e tipos populares, especialmente os de sua região. Maricota e o Padre Chico (1871), seu único romance, como já alerta o subtítulo, propõe-se a relatar uma lenda do Rio S. Francisco.

Esboçado sob os moldes românticos, o livrinho de Salomé Queiroga, apesar de ter uma escrita razoável, peca pelo mau desenvolvimento dos episódios narrados. Talvez na intenção de ser o mais fiel possível à narrativa popular, o autor acabou prescindindo de recursos que tornassem o objeto de sua trama mais interessante.

Aos primeiros capítulos o autor já nos conta como teve conhecimento da referida lenda. Fora durante uma viagem de barco, exatamente no local onde se desenrolara o causo, que ouvira a narração de um sertanejo, tendo este ouvido de seus antepassados.

Maricota era uma linda menina que, ficando órfã muito cedo, vivia sob os cuidados de dona Dulce, sua tia. É uma típica heroína romântica, com todos os encantos e simpatias do costume. Quando completara sete anos, idade da razão segundo a Igreja, encontrara de forma muito misteriosa um gato preto, a quem denominara de Diabinho, uma vez que as pessoas, sobretudo sua tia, acreditavam que o belo animal tinha procedência maligna.

Quanto ao padre Chico, trata-se de um sacerdote de má índole, avaro e libidinoso, que acaba manifestando interesses carnais pela ingênua Maricota, que estremece e chega a adoecer ante o olhar concupiscente do vigário. Num episódio curioso, o padre Chico acaba sofrendo uma mordida do Diabinho, afastando-se a partir daí de todas as suas atividades religiosas. Alguns chegam a afirmar que o espírito ruim que habitava o corpo do gato fora transmitido ao padre, ficando este endemoninhado.

Outro personagem relevante é o Quincas da Conceição, o mocinho da história. Órfão como Maricota, Quincas estudara um tempo no Rio de Janeiro, mas regressara à fazenda que herdara, assumindo o controle de tudo com maestria. É também pintado sob o molde do herói romântico, o que pode ser confirmado já no episódio de sua adolescência, quando pusera a própria vida em risco para salvar o índio Pugichá de um afogamento.

Durante uma visita de Quincas e sua irmã Chiquinha à casa de Maricota, outro episódio curioso acontece: após repreender o Diabinho com uma relíquia sagrada dada por certo missionário chamado Frei Clemente, Maricota percebe que involuntariamente matara o animal, cometendo assim um “gaticídio” segundo o Quincas. Este, acreditando nas propriedades milagrosas da relíquia e conhecendo as más intenções do padre Chico, apodera-se de um pedaço da relíquia para oportuno uso.

De fato, aparecendo o padre Chico na mesma residência, Quincas, que já declarara seu amor por Maricota com quem esperava casar-se, revolta-se contra a exploração demonstrada pelo sacerdote para com os bens de sua futura noiva. No entanto, após tentar provar que o padre valia-se de sua posição sacerdotal para obter vantagens pessoais, Quincas é excomungado pelo religioso. A relíquia sagrada de frei Clemente, contudo, poderá ser a salvação do valoroso noivo de Maricota.

Apesar de seus inúmeros defeitos, o livro de Salomé Queiroga revela o nobre interesse da já citada Sociedade Filomática, dando espaço aos costumes e usos regionais, além de apresentar diversas notas de rodapé que os esclarecem. Seu valor, contudo, não chega nem perto de uma obra regionalista anterior, O Ermitão do Muquém, pioneira no gênero, escrita por outro mineiro, o fabuloso Bernardo Guimarães.

Algumas considerações também são dignas de interesse, como a indignação do autor perante a condição do escravo naquela época. Surpreendeu-me bastante a franqueza com que ele nos mostra o racismo por parte da própria heroína, talvez na tentativa de provar que as más convenções pervertem até os seres mais angelicais.

João Salomé Queiroga foi inegavelmente um simpatizante das letras, um entusiasta como costumo dizer. É compreensível seu obscurantismo e conhecer sua obra representa mais um interesse de natureza pessoal. Mas certamente que a cena do “gaticídio” já fez valer a leitura deste livrinho rs.

Avaliação: ★★

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quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A Falência, de Júlia Lopes de Almeida - RESENHA #114

Júlia Lopes de Almeida tem crescido em meu conceito a cada nova leitura que faço de sua produção ficcional. Cruel Amor e A Intrusa me causaram excelente impressão; com A Falência (1901), a experiência não foi menos interessante. Mas curioso mesmo é serem estas três obras tão distintas entre si, ao ponto de não parecerem saídas da mesma pena.

A Falência é o romance mais festejado de D. Júlia, tanto pela crítica como pelo público. Nele a autora dispõe de tantos elementos interessantes, que dali poderia ter saído obra de maior vulto, seja em qualidade, seja em extensão. É um panorama delicioso o que a autora nos entrega nas páginas de seu romance, tão habilmente conduzido, que, uma vez imersos na trama, somos incapazes de abandoná-la.

Francisco Teodoro é um negociante português que fez fortuna no Rio de Janeiro através do comércio do café. Casou-se com Camila, uma moça humilde e formosa com a qual teve cinco filhos, tendo sobrevivido quatro: Mário, Ruth e as gêmeas Lia e Raquel. Além da criadagem, também vive no palacete da família a jovem Nina, órfã de mãe e filha do Joca, irmão de Camila que reside em Sergipe.

Teodoro, orgulhoso de sua fortuna, ocupa-se inteiramente de seus negócios, demonstrando ciúmes pela preferência que vem ganhando o Gamas Torres, seu concorrente. Camila, insatisfeita no casamento, mantém um caso extraconjugal com o Dr. Gervásio, médico da família. Mário esperdiça o dinheiro do pai com amantes interesseiras, ignorando a paixão de sua prima Nina; Ruth possui inclinações artísticas e dedica-se principalmente à música; as pequenas Lia e Raquel alegram o ambiente com suas correrias e travessuras infantis.

Dentre os muitos frequentadores da casa, destaca-se o capitão Rino, moço aventureiro que nutre um amor platônico por Camila, que não o corresponde. Possui uma única irmã, Catarina, que vive na companhia da madrasta, permanecendo solteira por opção. Outro núcleo explorado pela autora compreende as tias de Camila: Joana e Itelvina; a primeira é uma carola incurável, a outra uma mulher avara e ríspida; vive com elas a pobre Sancha, sempre vítima de maus tratos e agressões.

É simplesmente magistral a condução que D. Júlia dá a esse fascinante panorama, explorando acertadamente todos os personagens sob calculada medida. Mas todos parecem tão interessantes, que passam aquela sensação de insuficiência. Afora o núcleo dos comerciantes de café, todos os demais me deixavam bastante envolvido com as situações vivenciadas.

A autora, já amparada por este formidável elenco, desenha cenas e situações de esmerado gosto, não abrindo mão de fazê-las diversificadas ao ponto de agradar os mais exigentes leitores. Há tanta matéria n’A Falência, que é impossível não se agradar de pelo menos uma das múltiplas camadas da trama.

Alguns pontos, contudo, não me pareceram bem executados. É curioso, por exemplo, que a infidelidade de Camila, sabida por todos, fosse ignorada por Teodoro. A maneira por que Mário se comporta após o casamento (incluindo a decisão de casar-se) também destoa de como nos é apresentado seu caráter ao longo do livro. A postura resignada de Nina e sua reação ao casamento do primo também me pareceram pouco convincentes.

A impressão final deixada por A Falência é mesmo de insaciedade. Quando então finalmente se dá “a falência” aludida pelo título, o livro subitamente acaba, deixando o leitor curioso pelo destino de personagens tão queridos. A última cena então, embora de excelente escolha, chega a irritar simplesmente por ser a última. No mais, se o livro de D. Júlia não é uma obra-prima, esteve bem perto de sê-lo.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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sábado, 26 de outubro de 2019

Simplesmente Rosa - Meu novo romance! - Lançamento 2019


Olá, queridos leitores!

É com grande satisfação que vos apresento Simplesmente Rosa, meu terceiro livro e segundo romance. Trata-se de uma obra começada pouco depois de O Senhor Irineu, quando estava no princípio da faculdade, mas que ficou anos e anos engavetada, esperando um momento oportuno para sua conclusão.
Somente ano passado pude dar continuidade à trama, vindo a terminar no começo deste ano; e agora, finalmente, o livro está prontinho para todos vocês apreciarem.

A edição está lindíssima: 382 páginas em papel pólen, diagramação confortável, contém orelhas e um posfácio onde conto de forma bem humorada o processo de criação do livro. O texto da orelha é do meu editor Silas Falcão (Luazul Edições) e o desenho da capa é assinado por Kelly Rodrigues, uma promissora artista da minha cidade.


Eis a sinopse do romance:

Rosângela Maria, ou simplesmente Rosa, é uma garota de vinte anos que coleciona muitos ressentimentos, principalmente pelo abandono do pai e a traição do ex-namorado.
Após a morte da mãe, Rosa assume a responsabilidade de cuidar de seus irmãos menores: Eunice e Danilo, esforçando-se ao máximo para que estes não precisem recorrer à ajuda do pai, que constituiu outra família.
Decidida a afastar-se de todos que merecem seu desprezo, Rosa percebe, contudo, que as circunstâncias convergem para uma aproximação inevitável, como querendo a todo custo convencê-la de que a verdade sobre nossos erros nem sempre é a que pensamos.
Simplesmente Rosa apresenta uma protagonista franca e desnuda, expondo sem pudores o difícil – mas necessário – processo de amadurecimento.



Adquira seu exemplar físico diretamente comigo, através do e-mail: autordanielcoutinho@gmail.com

E, claro, após a leitura, não deixem de compartilhar comigo o que acharam! Vou adorar saber!

Um grande abraço do autor

Daniel Coutinho



quarta-feira, 23 de outubro de 2019

Carrie, de Stephen King - RESENHA #113

Não é sempre que me atento à popularidade de autores contemporâneos, mas, a falar a verdade, o sucesso do senhor Stephen King já vem de longas datas e, por conta disso, acabei me interessando por conhecer o talento deste norte-americano que tem colecionado inúmeros sucessos há mais de quarenta anos.

O livro escolhido, Carrie (1974), é sua obra de estreia. A escolha deve-se à minha admiração anterior pelo filme clássico de 1976, mas confesso que também gosto do remake de 2002, produzido para a TV. Desejava muito conhecer a história no original e daí resultou a oportuna ocasião para ler um dos mais renomados mestres do terror moderno.

Conquanto tenha sido publicado nos anos 70, Carrie versa sobre um tema bastante atual, hoje denominado de “bullying”. Carietta White, ou simplesmente Carrie, é uma garota de dezesseis anos com dificuldades de socialização. Seu comportamento tímido e introvertido resulta da pressão religiosa que a mãe exerce sobre ela. Com uma rotina cheia de restrições e um estilo de vida regido pelo fanatismo da mãe, Carrie causa aversão aos colegas e acaba sendo vítima da incompreensão deles.

Durante um banho no vestiário feminino, Carrie tem sua primeira menstruação e, por sua justificável ignorância, provoca risos nas colegas, que a insultam maldosamente enquanto lhe atiram absorventes e toalhas higiênicas. O episódio é interrompido pela professora de educação física, que impõe um castigo às meninas. Um destas, porém – Chris Hargensen –, demonstra resistência ao castigo e, por conta disso, é impedida de participar do Baile da Primavera.

Sue Snell, que fizera parte do grupo insultuoso do vestiário, numa tentativa de redimir-se consigo mesma, convence seu namorado, Tommy Ross, a levar Carrie em seu lugar no Baile da Primavera. A novidade do caso acaba sugerindo a Chris a oportunidade de uma vingança tenebrosa, inusitada e sangrenta. Mas Chris e seus cúmplices não contavam com a habilidade paranormal de Carrie: a telecinesia (capacidade de mover objetos com o poder da mente).

A narrativa de Carrie é intercalada com fragmentos de outros livros que tratam justamente das consequências finais da trama, como também depoimentos de pessoas que testemunharam o incidente do baile. Surpreendeu-me a habilidade demonstrada pelo autor na construção da veracidade de sua obra: é visível a preocupação dedicada a este quesito.

A trama teria sido incrivelmente impressionante se eu já não soubesse praticamente tudo o que decorreria nela, graças aos filmes assistidos. Embora nenhum deles seja rigorosamente fiel ao original, mesmo assim entregam bastante do que se lê nas páginas do livro. A experiência de leitura, felizmente, não é perdida, pois King revela-se um escritor de talento e bom gosto, prezando por tornar sua história convincente e aceitável, a despeito de seu caráter fantástico.

Penso contudo que, tivesse o autor dado menos espaço aos artifícios com que intercala a narrativa linear, o romance teria fluído melhor, uma vez que as interrupções persistem ao longo de todo o livro. Algumas escolhas da trama também me pareceram exageradas e excessivamente dramáticas. Mas, para uma obra de estreia, Carrie é sem dúvida mais que razoável.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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domingo, 13 de outubro de 2019

O Galo de Ouro, de Rachel de Queiroz - RESENHA #112

Em 2013, quando li Til, do meu amado Alencar, experimentei uma estranha sensação de perda. Afinal, era o último romance que me restava ler do meu autor favorito. Caso parecido se deu agora há pouco quando li O Galo de Ouro, da também amada Rachelzinha. Embora não a aprecie tanto quanto ao cantor de Iracema, não pude deixar de lamentar o ter esgotado sua obra romanesca.

A primeira vez que li Rachel de Queiroz foi em 2004, através de O Quinze, seu romance mais conhecido, que muito me impressionou. Mas minha relação afetiva com a autora só seria consolidada em 2015, após a leitura de Dôra, Doralina. Daí em diante, sempre que pegava um novo romance dela para ler, era como se uma vovozinha simpática me pegasse no colo para contar uma boa história. Foi nesse colinho quente de vovó que conheci Maria Moura, João Miguel, Noemi, Maria Augusta e, mais recentemente, Mariano. É desse colinho de vovó que já estou sentindo falta, embora ainda tenha por aqui títulos em que Rachel se aventurou por outros gêneros, inclusive as histórias infantis.

O Galo de Ouro é o único romance de Rachel que não é ambientado no Ceará. A história se passa na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro, onde a escritora morou por um tempo. Escrito especialmente para o folhetim da revista O Cruzeiro, os quarenta capítulos da trama saíram entre setembro de 1950 e junho de 1951. Sucesso imediato, despertou logo o desejo dos editores para publicação em livro, mas Rachel, que julgava o texto pouco trabalhado e escrito ligeiramente, preferiu engavetar os originais aos quais retornaria mais de trinta anos depois. A 1ª edição em volume foi lançada em 1985.

No enredo, acompanhamos a trajetória de Mariano: suas experiências profissionais e lances amorosos. Logo no começo do livro, quando Mariano era garçom, ele perde sua companheira Percília num acidente de carro, além de ficar semialeijado do braço direito. Sua filha Gina passa a viver sob os cuidados da comadre Loura e Mariano vai trabalhar como bicheiro (banqueiro de jogo do bicho), passando a residir na Ilha do Governador, onde levantara a casa na qual pretendia viver com Percília.

Por esse tempo, nosso protagonista conhece Nazaré, uma mocinha namoradeira que suspirava por gozar os divertimentos da cidade. Mariano se interessa por ela, mas a pequena mantém um namoro secreto com Zezé, um malandro de péssima reputação. Nazaré, embora bastante atraída por Zezé, reconhece em Mariano uma possibilidade mais consistente para mudar de vida e, por isso, aceita sair com ele. Este, sabendo da existência de Zezé, aproveita-se da circunstância de Nazaré ter recebido do namorado um anel roubado para denunciá-lo às autoridades. Mas algo inesperado acontece...

O Galo de Ouro, não obstante sua ambientação carioca, segue o estilo simples e fluente dos melhores romances de Rachel. A história é contada de forma bastante convincente e os tipos são tão realistas, que se torna incontestável dizer que todos foram tirados do meio em que Rachel viveu nos anos 40.

Apesar da já citada sensação de perda, tive com este último romance uma despedida muito feliz, tanto que o prolonguei o mais que pude, o que me rendeu duas semanas no colo aconchegante da vovó. Mas pressinto que ainda me depararei com muitos outros colos acolhedores. Quem sabe algum me faça recordar o balançar da cadeira de Rachel, sua vozinha melodiosa, o frescor de seu alpendre...

Ó, minha querida, Não Me Deixes!

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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quarta-feira, 25 de setembro de 2019

O Primo da Califórnia, de Joaquim Manuel de Macedo - RESENHA #111

A segunda peça que li de Macedo, O Primo da Califórnia (1855), causou-me bem melhor impressão. Trata-se de uma ópera em dois atos, inspirada livremente na comédia L'Oncle d'Amérique, do dramaturgo francês Eugène Scribe.

Diferente de Luxo e Vaidade, o enredo interessou-me mais, graças às novidades e atrativos da trama. Percebi a mesma leveza da peça anterior, mas com um toque de humor acentuado, como também o caráter artificial da obra, que traz personagens mais caricatos e notadamente teatrais. As músicas insertas na dramatização, associadas ao comportamento afetado dos tipos, confere à ópera certo tom infantil.

Adriano é um pobre músico que está passando por grandes dificuldades financeiras. Além disso, à exceção de sua amada Celestina, todos lhe dão as costas e lhe negam uma oportunidade. Excitado pela bebida, ele acaba inventando a história de que tem um primo rico na Califórnia, de quem será herdeiro universal. Os amigos de Adriano, desejando desforrarem-se da mentira, decidem publicar em vários jornais uma falsa nota sobre o falecimento do suposto primo da Califórnia. A notícia se espalha e a sorte de Adriano muda do dia para a noite, pois todos aqueles que lhe deram as costas tentarão uma reaproximação, interessados na fortuna do novo milionário.

O Primo da Califórnia tem um ritmo bastante agradável que, possivelmente, deve-se realçar em cena. Os diálogos são inteligentes, divertidos e sem as pretensões moralizadoras de Luxo e Vaidade. Adriano ganha facilmente a simpatia do leitor, que nem quando pede à sua altiva criada Beatriz que vá ver se ele está escondido num canto qualquer da casa rs.

No mais, O Primo da Califórnia, não obstante seus exageros, reúne tudo aquilo que o público espera encontrar no teatro: boa história, bom humor e excelente diversão.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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