sexta-feira, 13 de agosto de 2021

Favos e Travos, de Rozendo Moniz Barreto - RESENHA #166

Rozendo Moniz Barreto (1845-1897) foi um escritor baiano. Era filho do poeta Moniz Barreto, considerado o maior repentista do Brasil imperial. Eles eram aparentados com Tobias Barreto, o poeta de Dias e Noites. Além de escritor, Rozendo exerceu diversas outras funções, principalmente a medicina e o magistério.

Segundo o jornalismo da época, Rozendo era de gênio belicoso (vale lembrar que ele serviu o exército durante a Guerra do Paraguai) e irritava-se facilmente perante o menor ato de indisciplina por parte de seus alunos, que o chamavam, na surdina, de “Horrendo Nariz”, ao invés de Rozendo Moniz; isto devido ao tamanho descomunal daquela parte do corpo no mestre.

Rozendo, no que tange à literatura, tal como seus familiares, era mais propenso à poesia, tendo obtido algum aplauso com seus livros de poemas. Era um grande apreciador de Victor Hugo, e em sua obra encontramos não poucas referências ao célebre autor d’Os Miseráveis. Mas lia os mais diversos autores e gêneros, como se deduz da leitura de Favos e Travos (1872), seu único romance.

A erudição e o conhecimento literário de Rozendo Moniz são inquestionáveis, mas não se pode afirmar que ele tinha talento para romancista. Além de partir de um enredo fraquíssimo, Favos e Travos contempla dezenas de páginas de intermináveis digressões. O curioso é que, apesar de ser o romance ruim, o livro não o é. Percebe-se talento e estilo na escrita de Rozendo, mas a prosa de ficção não foi um terreno fértil para ele.

O fraquíssimo enredo de que falei é o seguinte. Alfredo Gomes é um jovem bacharel de Direito que se julga isento das paixões românticas, mas isso muda quando conhece a inocente e adorável Virgínia, que não parece ser indiferente às atenções do moço.

Roque de Souza, o pai de Virgínia, é um velho mesquinho e pilantra que deseja um casamento rico para a filha, através do qual possa saldar suas dívidas. Julgando ser Alfredo integrante de uma família abastada, Roque de Souza consente no consórcio dos dois jovens, mas quando descobre ser o patrimônio daquela família insuficiente para contentar seus credores, decide dispensar o moço.

Devido às digressões já mencionadas, a narrativa segue num ritmo lento e pouco dinâmico. Há um personagem secundário que torna tudo menos pior. Trata-se de Ricardo Garcia, um filósofo solteirão bastante avesso ao casamento e às convenções sociais. De fato, sempre que Ricardo entra em cena, a narrativa ganha um colorido em razão das pilhérias e comentários ácidos do amigo de Alfredo.

Faltava imaginação a Rozendo Moniz para dar um desenvolvimento mais satisfatório a personagens interessantes como Ricardo Garcia, além dos peculiares senhor Pantaleão e sua esposa Dorotéia. O namoro de Virgínia e Alfredo pareceu-me insuficiente para garantir o interesse contínuo pela leitura.

Destaco, finalmente, o capítulo XII do romance, onde se denuncia a violência contra os escravos, além de se evidenciar a postura abolicionista do autor, como se percebe na seguinte passagem: “Felizmente não tardará muito o dia em que se extinga completamente, para descanso do século e por honra d’América, esse bárbaro e vil desconhecimento do mais sagrado direito perante a natureza e Deus.” (pág. 101).

Quando afirmei que Favos e Travos é ruim como romance, mas não enquanto livro, referia-me justamente às qualidades intelectuais de seu autor, que não compôs um trabalho desprezível. Se o livro falha pela sensaboria do enredo, ao menos ganha pela clareza e lucidez das ideias, que não se perdem em peripécias inverossímeis.

Avaliação: ★★

P.S.: Dentre outras obras publicadas pelo autor de Favos e Travos, destaca-se a biografia de seu pai, Moniz Barreto, o Repentista (1887), que recebeu elogios de Sílvio Romero.

 

Daniel Coutinho

***

Instagram: @autordanielcoutinho
SKOOB: http://www.skoob.com.br/usuario/1348798
Escreva para o blog: autordanielcoutinho@gmail.com

sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Anne de Ingleside (Anne of Ingleside), de Lucy Maud Montgomery - RESENHA #165

Não resta dúvida que os títulos que dão sequência a Anne de Green Gables não têm o mesmo espírito animador que dá vida ao primeiro livro. Anne de Avonlea talvez seja o que mais se aproxima daquele sucesso. Anne da Ilha, para mim, foi decepcionante. Anne de Windy Poplars e Anne e a Casa dos Sonhos são razoáveis. Mas o que dizer deste Anne de Ingleside? Mais do mesmo? Um livro desnecessário? Uma obra sem claros propósitos?

Anne de Ingleside (1939), embora seja o sexto livro da série, foi na verdade o último publicado em vida de Montgomery. A autora havia lançado inicialmente meia dúzia de livros sobre Anne e seus filhos (desconsiderando-se os dois volumes das Crônicas de Avonlea) entre 1908 e 1921. O sucesso da série, no entanto, fez com que a autora retornasse àquele universo adorável de Anne quinze anos depois. Daí surgiram mais dois livros: Anne de Windy Poplars e Anne de Ingleside.

Já me deparei com reclamações de vários leitores sobre Anne de Windy Poplars, justamente por ele não seguir a mesma linha dos três romances anteriores, já que, pela cronologia do enredo, Windy Polars é o quarto livro. O fato é que a maioria desses leitores ignora as circunstâncias de publicação da série. Contudo, a meu ver, Anne de Ingleside é muito mais problemático.

Trata-se de mais um romance episódico, que mais se assemelha a um livro de contos infantis. Não há, como nos livros anteriores, episódios de destaque que se desenvolvam ao longo dos capítulos. As histórias e os novos personagens soam repetitivos. Quem já leu os cinco livros anteriores deve lembrar de uma ou outra “velha chata que enche o saco”, como também dos dotes casamenteiros de Anne perante “jovens cujos pais obstam por sua felicidade conjugal”.

A “velha chata” da vez é Mary Maria, uma tia de Gilbert que decide passar algumas semanas com o sobrinho, mas que parece estar disposta a ficar a vida toda. A presença dela no livro é tão insuportável para os personagens quanto para o leitor. Mas o mais lamentável é que sua inserção no enredo não acrescenta em nada que seja relavante para o livro.

Como já disse, Anne de Ingleside se assemelha a um compilado de histórias para crianças. Aqui, como já era de se supor, essas histórias são protagonizadas pelos seis filhos de Anne. Porque sim, Anne teve seis filhos: Jem, Walter, as gêmeas Nan e Di, Shirley e Rilla. De todos, Shirley é o único que não ganha uma história própria, sendo citado poucas vezes, até menos do que Rilla, a caçula, que protagoniza apenas um dos contos do conjunto.

Os filhos de Anne protagonizam situações bastante embaraçosas e improváveis para qualquer criança comum, mas essas aventuras nem de longe se assemelham com as trapalhadas divertidas da pequena Anne Shirley. As histórias não são de todo ruins, mas quando se chega a essa altura da série, a expectativa acaba sendo outra. Ao menos foi o que me ocorreu.

Nos capítulos finais, quando talvez a própria autora já estivesse enfastiada de suas criançadas, o livro se concentra no casal principal, com direito a uma Anne bem ciumenta perante o reaparecimento de Christine Stuart. Lembram-se dela? Tudo bem, eu também não lembrava. Mas acreditem: era aí que o livro devia ter começado e, sendo possível, se mantido no mesmo nível até o fim. A última das histórias de Anne de Ingleside é maravilhosa; não só por ser muito boa, mas por felizmente ser a última.

Avaliação: ★★

Daniel Coutinho

 

***

Instagram: @autordanielcoutinho
SKOOB: http://www.skoob.com.br/usuario/1348798
Escreva para o blog: autordanielcoutinho@gmail.com