sexta-feira, 26 de junho de 2020

O Foragido, de Pedro Américo - RESENHA #135

Pedro Américo (1843-1905) foi um importante pintor paraibano, conhecido internacionalmente por obras como Batalha do Avaí e Independência ou Morte. Mas pouca gente lembra que ele também teve lá suas contribuições literárias, chegando a publicar quatro romances.

O Foragido (1899), terceira de suas produções ficcionais, é um romance anacrônico, fugindo, portanto, às tendências da época em que foi publicado. De um romantismo já superado por um Alencar e até por românticos menores como Macedo e Bernardo Guimarães, o livro de Pedro Américo é obra que em nada se destaca, fazendo-nos pensar que o tempo despendido com ele teria sido melhor aproveitado na composição de novas telas.

O poeta Angelo Galvani acaba sendo vítima de um falso amigo, o advogado Ramis della Lega, que, incitando-o a participar de uma insurreição na Itália, acaba provocando a condenação daquele. Foragido, Angelo precisa deixar sua esposa Erminia e o filho Vittorio, indo parar no Brasil, onde assume a identidade de um companheiro de exílio que vem a falecer.

Divulgada a notícia da suposta morte de Angelo Galvani, Erminia acaba cedendo às insistentes solicitações de casamento de Della Lega, que a separa de Vittorio, mandando o garoto para uma casa no campo, e trazendo, para substituí-lo, o pequeno Gaspero, seu filho natural.

Angelo tenta manter correspondência com sua esposa, valendo-se de um pseudônimo, mas suas cartas são interceptadas por Della Lega, que as atribui a um antigo amante de Erminia. Mas, depois de juntar algum dinheiro em solo brasileiro, o foragido regressa à terra natal sob o nome de Antonio Carlos, pretendendo vingar-se de seu inimigo e recuperar sua família.

Se isolarmos o enredo dessa maneira, temos uma história razoavelmente boa, embora fundamentada em clichês bastante gastos. A escrita de Pedro Américo também não é descartável. O que faltava ao célebre pintor eram técnica e estilo para conduzir o texto em prosa, atributos que ele tinha de sobra no que se refere às artes plásticas.

Os personagens de Pedro Américo são meros títeres encenando uma tragédia sanguinolenta. O ritmo da narrativa também é bastante irregular, sendo principalmente prejudicado por várias digressões e episódios irrelevantes para a trama central. Há ainda personagens descartáveis, como a mulata Esmeraldina e a curandeira Caricé.

Finalmente, os exageros deparados ao longo do livro, sobretudo no que tange à ideia do suicídio, causam péssima impressão a todo e qualquer leitor com uma mínima bagagem de leitura. Tenho os outros romances de Pedro Américo aqui comigo, mas, embora tenha curiosidade de lê-los, sobretudo O Holocausto, que ganhou uma nova edição recentemente, sinto-me mais estimulado a esmiuçar os detalhes pictóricos da Carioca.

Avaliação:

Daniel Coutinho

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sexta-feira, 19 de junho de 2020

Razão e Sensibilidade (Sense and Sensibility), de Jane Austen - RESENHA #134 (contém alguns spoilers)

Jane Austen era daquelas autoras sobre as quais eu dizia algo do tipo: “Nunca li, sempre te amei”. Sempre que ouvia comentários a respeito do estilo de suas obras, imaginava fortemente que seria impossível que eu não gostasse, mas, agora que finalmente li Razão e Sensibilidade (1811), já não estou tão seguro assim de meu amor às cegas pela romancista inglesa.

O estilo Jane Austen de ser não fugiu muito à ideia que eu fazia de suas obras. Quem tiver lido dois ou três romances ingleses do século XIX já estará familiarizado com aquela galeria de lordes e ladies tão comum aos escritores daquela época. O que me desagradou, porém, nesta primeira experiência com a autora foi a caracterização, como também a condução, dos personagens centrais.

Avaliando separadamente as três partes em que se divide a história, considero a primeira muito boa, a segunda mediana e a terceira bastante questionável. Tive mesmo a impressão de que o livro despencava em interesse à medida que eu avançava na leitura.

O enredo é focado principalmente nas irmãs Dashwood: Elinor e Marianne. Há uma terceira irmã, Margaret, a caçula, cuja participação não reflete desdobramentos relevantes para a trama. Após o falecimento do pai, elas vão viver com a mãe num chalé de um primo da família, pois a parte mais significativa da herança acaba sendo destinada a John Dashwood, o irmão mais velho, filho único do primeiro casamento de seu pai.

Elinor e Marianne diferem muito uma da outra. A primeira, na condição de irmã mais velha, é muito ponderada e uma autêntica pensadora analítica. Marianne, por sua vez, é mais ardente em seus sentimentos, expressando-se e agindo conforme suas sensações imediatas, o que reflete diretamente em sua impulsividade.

Conforme ia conhecendo melhor as duas irmãs, sentia-me mais inclinado pela vivacidade de Marianne, embora não deixasse de apreciar a moderação nas atitudes de Elinor. Mas esta é tão exigente consigo mesma, que sua mania de perfeição acaba soando um tanto irritante. Por outro lado, Marianne acaba sofrendo mais por ser mais sensível aos impasses do coração.

Quando Edward Ferrars demonstra interesse por Elinor, esta vislumbra uma possibilidade de casamento, mas seus planos são frustrados quando Lucy Steele, “por casualidade”, revela-se noiva de Edward há quatro anos. Aqui começa minha birra com Jane Austen, pois a razão de Elinor, mesmo que justificada pelo sexismo da época, causou-me alguma irritação.

Ao invés de censurar a atitude de Edward que, mesmo comprometido, dedicou-lhe sugestivas atenções, Elinor condena Lucy, levando em conta sua disparidade de instrução e posição social em relação ao noivo. Elinor chega a lamentar a posição de Edward, acreditando que ele certamente desejaria livrar-se daquele compromisso com uma mulher tão inferior em qualidades. A Dashwood mais moderada acaba decepcionando por seu preconceito e presunção.

Marianne, de sua parte, é cortejada por Willoughby, um jovem de vida extravagante que acaba optando por um casamento mais vantajoso para livrar-se de suas dívidas. Diferente de Elinor, a Dashwood do meio franqueia seu sofrimento e todos testemunham sua dor. Por mais triste que pareça sua situação, a postura que assume a partir daí ao menos é livre de julgamentos e dissimulações.

Além das desilusões das irmãs Dashwood, a romancista diverte o leitor com sua galeria de tipos: a mexeriqueira senhora Jennings, o ensimesmado coronel Brandon, o expansivo John Middleton e sua esposa apática, o curioso casal Palmer, dentre outras figuras que acabam ressignificando a leitura de Razão e Sensibilidade.

Foi válido, sem dúvida, conhecer o universo Jane Austen de que tanto ouvia falar. A crítica social da autora, amparada por um estilo irônico e bem-humorado, comprova que sua obra está longe de ser um romance de banca que termina em casamento. Mas muitas escolhas (sobretudo para o desfecho) deste primeiro trabalho publicado impediram-me de integrar o fã-clube da autora. Mas apelaremos para Orgulho e Preconceito numa próxima oportunidade rs.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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sexta-feira, 5 de junho de 2020

O Banco de Três Lugares, de Maria de Lourdes Teixeira - RESENHA #133

Figura notável de seu tempo, Maria de Lourdes Teixeira foi uma premiada escritora paulista que se dedicou ao jornalismo e à literatura. Embora esquecida atualmente, sua obra teve considerável êxito no século passado; dois de seus romances ganharam o Jabuti, sendo um deles, O Pátio das Donzelas (1969), adaptado para a TV em 1982.

O Banco de Três Lugares é o romance de estreia da ficcionista, que o publicou em 1951 através da lendária Coleção Saraiva, que já havia divulgado um ano antes A Ladeira da Memória, de José Geraldo Viera, com quem Maria de Lourdes contraiu segundas núpcias.

Escrito numa linguagem sobejamente poética, O Banco de Três Lugares vale mais pela beleza de sua escrita que por seu enredo praticamente inexistente. Essa percepção me trouxe o seguinte questionamento: O que vale mais num romance, o enredo ou a escrita?

Já li romances pessimamente escritos, mas que prenderam minha atenção pelo atrativo do enredo. O contrário também já ocorreu, como no caso desta última leitura. A qualidade da escrita de Maria de Lourdes é inquestionável. A autora ainda tem o mérito de alcançar o requinte e o refinamento sem cair na obscuridade e no preciosismo de certos prosadores. Mas o que dizer do enredo deste livro? Fraquíssimo.

Cheguei pois à conclusão pessoal de que enredo e escrita não estão num mesmo nível de importância. Tal como o som é fundamental à poesia, o enredo é a alma do romance, sobrepondo-se portanto à escrita que, embora importante, fica entretanto abaixo daquele. Em suma, isoladamente, enredo e escrita pouco valem, mas o primeiro sempre valerá algo mais.

Não bastasse a falta de enredo n’O Banco de Três Lugares, a narrativa em primeira pessoa revela-se incoerente por atribuir uma linguagem altamente reflexiva e sofisticada para uma menina de dez anos. No capítulo IX, por exemplo, Milena reflete: “Se os pais as mais das vezes pela vida em fora pouco sabem da alma e do coração dos filhos apesar da convivência, por sua vez e com maior facilidade escondem destes uma realidade interior que, mesmo quando certas circunstâncias tornam aparentes, nunca assumem seu verdadeiro caráter. As consequências então, o que disso pode decorrer para a existência doméstica e individual, não há intuição infantil que consiga apreender.” (Pág. 119). É o discurso de uma menina de dez anos? Não. É o discurso de uma escritora de quarenta.

Milena pertence a uma família rica que reside num casarão com vários empregados ao seu dispor. Seu pai é um grande industrial e sua mãe uma talentosa pianista. A harmonia familiar se altera, no entanto, quando o feliz casal começa a ter um comportamento estranho e uma série de discussões. Pouco depois, Milena é mandada para a fazenda de uma amiga de seus pais e, posteriormente, para um internato de freiras.

A garota não consegue entender o porquê daquela atitude intempestiva dos pais, como também o motivo destes partirem para a Europa sem se despedirem. No isolamento do colégio interno, recebendo espaçadas visitas do motorista da família, Milena sente-se solitária, principalmente no período de férias. Nessas circunstâncias, ela rememora os últimos acontecimentos, na tentativa de solucionar o perturbador mistério que a distanciou de todos.

Acompanhar o sofrimento de Milena em seu isolamento é tão entediante quanto estar sozinho num internato de freiras. Mesmo suas lembranças são repetitivas e quase sempre desinteressantes. Há beleza sem dúvida no fraseado de Maria de Lourdes, mas o efeito da leitura valeria por uma longa sessão de ASMR. O problema é que a gente não pode dormir rs.

Eu realmente não recomendaria a leitura deste livro, a não ser àqueles que estejam com dificuldades de conciliar o sono. Mas não desisti da autora e pretendo ler ainda O Pátio das Donzelas. Será uma boa ideia?

Avaliação: ★★

Daniel Coutinho

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