A ojeriza que dedico à literatura contemporânea
felizmente não me impede de reconhecer um grande talento quando o tenho à
vista. Há algum tempo aplaudi com entusiasmo as crônicas de Bruno Paulino em A Menina da Chuva; desta vez, apresento –
a quem porventura ainda desconheça – um dos melhores contistas vivos que tenho
lido nos últimos tempos, o senhor Marco Severo.
O amigo e poeta Léo Prudêncio – outro talento de
nossos dias, de quem aguardo ansiosamente uma terceira coletânea de haicais –
foi quem teve a gentileza de me apresentar o trabalho de Marco através do livro
Cada Forma de Ausência É o Retrato de uma
Solidão (2017). O título, assim longo, já não me agradou muito, sugerindo
talvez uma proposta similar à daqueles poetas que, quando se aventuram pela
prosa se ficção, acabam se embananando. A coletânea de Marco, felizmente, é
outra praia.
Dono de um estilo que envolve e cativa às
primeiras linhas, o contista nos oferta histórias marcadas pela oralidade e por
um admirável poder de fabulação. Não poucas vezes eu me sentia roubado e
interrompia a leitura para comentar interiormente “Eu queria ter escrito isso”.
Longe de querer ser pretensioso, vi alguma semelhança entre o estilo de Marco e
o meu próprio, embora não seja muito difícil determinar qual de nós tece sobre
assuntos mais amenos.
Há quem possa desgostar do trabalho em questão
justamente pela persistência dos temas funestos, mas, para mim, o tratamento
dado a cada uma das histórias punha os aspectos lutuosos em segundo plano.
Ficava tão fascinado com a técnica narrativa, com a evolução dos enredos, com a
correção da escrita (sim, eu disso isso mesmo!), que difícil será passar a esta
resenha todas as impressões que tive das histórias de que mais gostei, que não
foram poucas.
Do conjunto de vinte e duas histórias, pois,
destacarei sem prolongar-me muito (prometo!) os oito contos que mais rutilaram
aos meus olhos.
“O lado de cá da prisão” talvez seja o conto que
mais dialoga com o título do livro. Alonso precisa deixar a cidade para
comparecer ao enterro da avó. Sua frieza em relação à ocorrência, como também
seu tratamento com a família, revelam um distanciamento perturbador, um
sentimento que só poderá ser expelido diante de uma perda notadamente mais
significativa para ele.
Em “Mudança”, o pequeno Daniel, não obstante os
problemas de sua própria casa, acaba deparando-se com dilemas de natureza mais
grave a partir da figura do solitário Charles, o menino em corpo de homem, tão
carente de atenção. “Omnia mutantur” nos apresenta Lourenço, que acaba
assumindo para a vida real a personalidade feminina que criara para assinar
seus livros. É surpreendente o processo de libertação por que passa o
personagem, especialmente a partir do momento em que deixa de escrever,
afirmando assim a consistência da identidade de Vivian Ferraz.
“A âncora encoberta pelo mar” põe em cena a
maravilhosa tia Lucrécia, que, com sua formidável trajetória, protagoniza sem
dúvida um dos três melhores contos do livro. “Grande e duro” e “Na contramão”
exploram aspectos mais introspectivos de seus personagens e das situações
vividas por eles, trazendo à tona para o leitor, a partir de um estilo poético
e reflexivo, uma autoanálise sobre quem somos, com quem vivemos e onde
habitamos.
“Curral” mostra a que consequências pode chegar
um caso de Bullying. Ronaldo, molestado por colegas na infância, sofrerá na
vida adulta o resultado daquela violência, que finalmente lhe renderá um triste
destino. “Fofura” possui um título autodescritivo. Conquanto não seja menos
triste que outras histórias do conjunto, há uma aura de esperança nele na figura
de um simpático cachorrinho e de seu possível continuador.
O livro de Marco Severo, de forma geral, está
excelente, salvo por um ou outro detalhe no que se refere a escolhas
questionáveis em histórias como “O relógio do coelho de Alice” e “Uma infinita
solidão”. No mais, o livro revela-se de uma grandiosidade literária que há
tempos não encontrava dentre os meus contemporâneos. É, gente, nem tudo está
perdido rs!
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
P.S.: Por
último, mas não menos importante, esquecia-me mencionar um dos pontos mais
elevados da coletânea de Marco. Sônia Abrão, que já havia dado mostras de seu
maravilhoso talento de atuação no clipe de Pepê & Neném, aparece
brilhantemente no conto “Caminho aberto a facão”, em participação mais que
especial.
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Olá, eu terminei a leitura desse livro muito emocionada, achei as histórias bem cruéis, reveladores e muito triste. Infelizmente, não consegui sentir muita esperança na humanidade quando terminei a leitura do último conto mas, amei a escrita do autor e os meus contos favoritos são: "O importante é ter Deus no coração", "Glorinha, de olhos abertos", "Curral" e "Noticias populares"
ResponderExcluirViviane Almeida
Resenhas da Viviane
Oi, Viviane! Este livro do Marco (único que li do autor) está mesmo muito bom! Apesar dele acabar com o emocional da gente hehe, a escrita e os temas são muito bem trabalhados. Grande abraço!
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