quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Croma, Caminho de Vida, de Regis Castro - RESENHA #149

Conheci a literatura de Regis Castro por volta dos meus quinze anos, através do romance Raïssa, leitura da qual, hoje tenho certeza, deixei escapar muita coisa. Regis é mais conhecido por seus diversos livros católicos, alguns deles escritos em parceria com Maïsa Castro, sua esposa. No que se refere à prosa de ficção, além de Raïssa, publicou outros três romances: Croma, Caminho de Vida (1967), Barby e Pique.

Regis, a meu ver, pertence ao rol daqueles escritores injustiçados, já que suas qualidades literárias são inquestionáveis. Sua escrita cuidadosa e delicada merecia mais atenção do público e da crítica, e, talvez por esse descaso para com sua ficção, o escritor tenha engavetado sua pena de romancista.

Croma, Caminho de Vida (posteriormente publicado como Croma, um Caminho para a Vida) é seu romance mais conhecido, tendo ganhado várias reedições. Conta a história de Fernando Torres, um seminarista prestes a realizar seus votos sacerdotais. Para este fim ele embarca no navio Croma, rumo a Itália, mas seu companheiro de cabine, o psicanalista Álvaro Ruiz, convence-o a encarar uma experiência que põe à prova a vocação de Torres.

A experiência consiste em omitir as intenções religiosas do seminarista, fazendo-o passar por um rapaz comum no navio. Em pouco tempo, ele trava diálogo com Odete, uma jovem interessante, órfã de pai, que dedica-se à poesia a fim de escapar da relação conflituosa com a mãe, mulher exigente que discrimina todos os pretendentes da filha.

Ruiz, ao tomar conhecimento da nova amizade de Torres, alerta-o para a necessidade de que o mesmo não se prenda exclusivamente aos encantos de Odete, incentivando-lhe outras relações. Seguindo o conselho do médico, o moço acaba conhecendo Rosely, uma jovem em tudo diferente de Odete, a despeito de seus muitos atributos físicos.

Enquanto mantém contato com as duas moças, Torres, durante as refeições, conta a Ruiz a história de sua vida, tentando esclarecer os motivos que determinaram seu desejo de querer tornar-se padre. A experiência proposta pelo médico, no entanto, deixa-o numa difícil encruzilhada: escolher entre suas inclinações sentimentais e religiosas.

A narrativa de Croma é muito bem conduzida quase que em sua totalidade. O autor constrói um ritmo interessante ao intercalar a experiência de Torres com a história de sua vida, mostrando as decepções do passado, seus amores frustrados, seu instinto filantrópico e suas dúvidas em relação ao futuro, a qual caminho seguir.

Senti, contudo, o final um tanto apressado que, mesmo não sendo incoerente, poderia ter sido melhor desenvolvido. A rapidez com que Torres muda de ideia nos momentos finais do romance é sem dúvida o ponto mais questionável do livro. Mas, não obstante este ou aquele senão, a obra de Regis Castro revela o grande talento de um prosador que merecia ser mais lido.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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sábado, 14 de novembro de 2020

Contos e Fantasias, de José Vicente Sobrinho - RESENHA #148

José Vicente Sobrinho (1875-1924) foi um dos fundadores da Academia Paulista de Letras. Tendo vivido menos de cinquenta anos, além de seus trabalhos como jornalista, cronista e biógrafo, deixou-nos a coletânea Contos e Fantasias (1898), seu livro mais conhecido.

Influenciado pela escola simbolista, José Vicente Sobrinho brinda-nos com uma prosa poética admirável. Nesta resenha, tratarei apenas da primeira parte da coletânea já citada, ou seja, a que compreende os “contos”. A segunda parte do livro, “Cartas à minha irmã”, a despeito de sua roupagem literária, funciona mais como um conjunto de reminiscências e elucubrações pessoais.

Os nove contos da primeira parte são verdadeiras joias poéticas, dessas que fazem saltar das páginas verdadeiros quadros enternecedores, ainda que pungentes. Quando lidos em voz alta, estes contos exprimem musicalidade e ritmo impressionantes, qualidades que se destacam em relação aos enredos, que aqui são simples e de fácil construção.

“Palhaços”, que abre o conjunto, já nos apresenta um tema recorrente na obra do contista: histórias circenses. Nele, o palhaço Delfino, abandonado pela esposa, que fugira com outro artista da companhia, assiste a morte lenta de seu pequeno Julito. Narrador e leitor são espectadores diretos da cena, graças aos artifícios empregados pelo autor.

Não pude ler as duas primeiras páginas de “Soldados”, pois havia algumas perdas no texto da digitalização a que tive acesso. Contudo, a maestria do prosador simbolista mais uma vez comoveu-me com a história de Miguel que, após ficar inválido na guerra, é desprezado pela mulher amada, que se casa com outro.

“Pescadores” tem ares de lenda trágica, dessas que se leem com empolgação e lamento. A demora de Nicolau desperta cruéis suspeitas na esposa e nos filhos do pescador, mas essa aflitiva expectação é assistida pelo velho Ruy de Deus, que acompanha todo aquele drama com um olhar providencial. O desfecho místico e poético faz deste um dos pontos altos da coletânea.

Em “A morte de Alfredinho”, acompanhamos outro quadro lutuoso, desta vez como se o autor pretendesse nos convidar para um enterro, sem deixar de nos alertar para o contraste que se percebe durante o percurso, já que a cidade celebra contente a festa do Divino Espírito Santo. Já em “Nostalgia”, ele nos sensibiliza ao ser empático com um pequeno imigrante italiano que contempla extasiado o cartaz de uma companhia de vapores para a Itália.

“Conto de S. João” é palco para mais um artifício interessante do contista. Aqui ele brinca com o poder que detém o ficcionista para controlar o destino de seus personagens, mostrando duas possibilidades para a mesma história, mas sem abrir mão de suas constantes imagens poéticas.

“Recordações” possui um título autoexplicativo, além de ser quase uma música para quem o ouve. “Velhos marujos” também se destaca na coletânea por sua forte carga dramática. A descoberta de uma traição somada a uma noite de tempestade dão ao conto uma atmosfera incômoda e angustiante, mas a prosa poética do autor mais uma vez amaina os conflitos em cena.

Os temas fúnebres aparecem finalmente no último conto: “Pobres pequenos”. Rosália, em seu leito de morte, repassa os erros e acertos de sua vida de artista circense, assistida pelo marido e pelos filhos, que sonham em vê-la representar a grande pantomima da “Gata Borralheira”.

Se o livro de José Vicente Sobrinho estivesse limitado a estas nove histórias, eu certamente lhe concederia uma avaliação mais meritória; contudo, as “Cartas à minha irmã”, que compreendem metade do volume, não me empolgaram da mesma forma. Ainda assim, a descoberta deste contista, para mim, foi um dos momentos mais marcantes das leituras deste ano.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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