Eu e a senhora Leandro Dupré estivemos amuados
um com o outro até bem pouco tempo. A minha resenha de Gina deverá tê-la feito retorcer-se no túmulo. Já estava
esmorecendo da proposta de ler a obra completa da autora de Éramos Seis quando finalmente surge uma
luz.
Os
Rodriguez (1946) é um dos melhores romances de Maria José Dupré. Nele
encontramos uma prosadora mais hábil e contida, além de visivelmente mais
preocupada com a estética literária de sua obra. Aqui temos a fluidez já conhecida
de seus romances anteriores aliada à construção de um texto melhor delineado e
verossímil.
Trata-se de um romance de formação onde
acompanhamos a trajetória de Dora, desde a infância até a velhice. Dora
pertence a uma família de fazendeiros que está em decadência. O livro abre com
a fatídica cena dos gafanhotos que devastam as plantações da Fazenda Boa Vista.
Empobrecidos, os pais de Dora decidem tentar a vida na cidade mais próxima e
posteriormente em São Paulo, onde residiam os tios Rodriguez.
Dora era uma menina franzina e de poucos
atrativos físicos, mas inteligente e bastante orgulhosa. Quando levada numa
visita à casa de tia Elisinha Rodriguez, sente-se incomodada pela notável
diferença de classe. Julgando-se discriminada pela tia e pelas primas, Dora
concentra-se em concluir a Escola Normal para ser professora no interior, longe
dos parentes ricos. Mas Alexandre, o filho mais moço de tia Elisinha, regressa
da Inglaterra e encanta-se pela prima que, com o passar dos anos, torna-se mais
bela.
O casamento de Dora e Alexandre se realiza mesmo
contra a vontade da mãe do moço. O orgulho de Dora, ante sua nova posição,
acentua-se consideravelmente e a mesma persiste em desprezar a família do
esposo, salvo tio Paulo, que sempre mostrara-se mais amável. Dora Rodriguez é
pois outra mulher: alguém que ignora o passado pobre (incluindo a família) e
dá-se por completo às frivolidades da vida social.
Deslumbrada com os prazeres do luxo, Dora
torna-se sobretudo egoísta, negligenciando as relações afetivas com o marido e
os filhos. Lilian e Alexandre vivem cercados de mimos, mas carecem da atenção
dos pais. Dorita, que nascera depois, acaba sendo a mais desprezada,
principalmente por ter uma aparência que remete à Dora do passado, a menina
esquálida da fazenda Boa Vista. Paulo, o caçula, curiosamente torna-se o filho
mais querido, ganhando atenções da mãe que seus demais irmãos jamais tiveram.
Os anos passam e as crianças crescem. Cada um
deles, porém, segue por um destino que a orgulhosa Dora jamais poderia prever.
Os
Rodriguez constitui um drama familiar onde acompanhamos com interesse
o desenrolar de vários episódios de forte carga emocional. Em determinado
ponto, a história sofre uma reviravolta e nos deparamos finalmente com as
muitas vezes previsíveis consequências dos atos de cada personagem. Nessa
emaranhada teia dramática, sobressai a figura da matriarca, com quem o leitor cria
uma complexa relação de empatia.
Os capítulos finais são os mais impactantes e
algumas cenas são incrivelmente perturbadoras e incômodas. Chamam atenção
principalmente pela humanidade que concentram, uma humanidade que transcende o
bem e o mal, que nos define enquanto pessoas.
Sem os excessos de obras anteriores, aqui, por
exemplo, há apenas menções de viagens para o exterior, poupando-nos daquele
exotismo anacrônico tão maçante ao leitor contemporâneo. Certa inconstância no
ritmo também pode causar desconforto em alguns momentos. Mas esses e outros
defeitos não desmerecem a leitura deste romance onde prevalecem as qualidades.
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
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Amei sua resenha! Eu li Éramos Seis duas vezes na infância, tinha uns 10 anos. Agora aos 55 anos estou tentando ler novamente, quero saber como a obra vai ressoar para mim. De cara já achei um tanto tedioso, mais parecendo um texto descritivo do que uma narrativa. Vou prosseguir e colher minhas imressões.
ResponderExcluirOi, Eleize! Talvez que a leitura de "Os Rodriguez" te agrade mais neste momento do que "Éramos Seis". Outro livro da autora de que gostei bastante é "Vila Soledade", para o qual fiz resenha recentemente. Abraço!
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