sexta-feira, 19 de maio de 2023

Maurício, de Bernardo Guimarães - RESENHA #197

Todo leitor que se preze ampara-se numa rede de autores infalíveis, cujos livros jamais podem decepcionar. Bernardo Guimarães, para mim, encaixa-se perfeitamente nesse perfil. Mesmo num livro menos inspirado, como é este Maurício, o autor dá conta de nos deixar sob o efeito fascinante de seus sortilégios literários.

Maurício ou Os Paulistas em S. João del-Rei (1877) é o romance mais extenso do autor mineiro. Sente-se nele, de fato, uma pena mais arrastada e sem a mínima pressa no relato de seus episódios. Mas Bernardo Guimarães nem se quisesse poderia ser desinteressante, para suplício eterno de homens como Alcântara Machado, que o subestimava.

O livro pretendia ser o primeiro de uma série de romances históricos ambientados em Minas Gerais, mas o bom autor d’A Escrava Isaura, que não chegaria aos sessenta, não pôde ir além do segundo título, este mesmo ficando inacabado e concluído anos mais tarde por sua viúva.

Maurício é um jovem paulista que fora criado por Diogo Mendes, ilustre português que se tornaria capitão-mor no povoado que viria a ser, anos mais tarde, S. João del-Rei. Tendo recebido educação distinta, o moço torna-se o homem de confiança de seu amo, ficando responsável pela edificação da nova moradia em território mineiro, como também por mediar a relação entre os emboabas (portugueses) e os paulistas.

A intimidade com a família do capitão-mor propicia a inevitável paixão entre Maurício e Leonor, a filha de Diogo Mendes. Os dois jovens idealizam um sonho de amor, mas veem dificuldades na diferença social e, posteriormente, na chegada de Fernando, primo de Leonor que deseja casar-se com ela.

Fernando é aqui o vilão inescrupuloso, tipo indispensável aos romances de Bernardo Guimarães. Com seu poder de persuasão, ilude o tio e assume o controle do povoado, incentivando a discórdia entre paulistas e emboabas. Maurício acaba sendo seu alvo principal, pois Fernando não demora a perceber as preferências da prima sobre o irmão de criação.

A partir desse esboço geral, o autor divide sua obra em duas partes. A primeira (A Mina Misteriosa) concentra-se na descoberta de um novo Eldorado pelo índio Irabussú, o que desperta a cobiça dos portugueses, embora o velho selvagem mantenha seu tesouro no mais inviolável segredo. A segunda parte (A Insurreição), menos interessante que a primeira, trata de como os ânimos entre paulistas e emboabas se exaltaram ao ponto de se formar uma conflagração.

A proposta de Maurício é excelente e, a meu ver, o mesmo seria tão bom quanto O Ermitão do Muquém, se tivesse a extensão deste. O romance lembrou-me aquelas novelas esticadas da TV, cheias de capítulos que reforçam acontecimentos passados. Principalmente na segunda metade, a narrativa avança muito lentamente, o que pode impacientar um pouco o leitor.

Outro aspecto negativo é a qualidade da escrita, e talvez Maurício seja o romance mais desleixado do autor nesse sentido. Embora a prosa seja excelente, é muito perceptível que Bernardo Guimarães negligenciou a revisão do texto final.

Por outro lado, o dilema de consciência criado pelo autor para seu protagonista é digno dos grandes romances, e é impossível não nos compadecermos de Maurício, dividido entre o amor e o dever. Confesso que os desdobramentos desse dilema me surpreenderam bastante e quase me fizeram partir imediatamente para o segundo livro, que seguramente será lido ainda este ano.

No mais, entendam que Maurício é puro entretenimento, e dos bons! Mesmo com altos e baixos, pude aproveitar e me divertir do primeiro ao último capítulo, e a experiência foi maravilhosa, funcionando perfeitamente em dias tão atarefados como têm sido os últimos rs.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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