sábado, 27 de abril de 2019

As Tardes de um Pintor, de Teixeira e Sousa - RESENHA #94

Foi uma grata surpresa a leitura d’O Filho do Pescador, realizada ano passado. Sinceramente esperava por algo bem pior. Mas, como quem espera sempre alcança, Teixeira e Sousa maçou-me um bocado com seu prolixo As Tardes de um Pintor ou As Intrigas de um Jesuíta (1847).

Segundo romance do autor, nele infelizmente não vislumbrei crescimento em relação à obra de estreia. Aqui temos uma prosa que peca por excessos que, quando muito, serviram para dar volume ao livro. De fato, a extensão das Tardes fez com que sua edição princeps saísse originalmente em três tomos. Tivesse o autor enxugado o texto, acomodando-o num volume mais modesto, teríamos, senão um belo livro, pelo menos um passatempo razoável.

Arrisco dizer que o primeiro capítulo é o mais interessante, o que talvez tenha colaborado à má recepção que fiz da obra. O artifício de unir ficção e realidade foi bem executado, exceto por sugerir uma promessa que não pôde ser cumprida: o relato de uma história deveras atraente. Mesmo a um leitor da primeira metade do século XIX, o enredo passaria por antiquado, levando-se em conta os modelos ultrapassados de um autor que era aficionado confesso dos tempos coloniais.

Foi pois com entusiasmo que dei confiança à tentativa (tão comum entre os românticos) de se conferir veracidade à trama principal. Imaginei aquele projeto de escritor, na flor de sua adolescência, ouvindo todas as tardes a história da bela senhora do retrato, contada pelo misterioso pintor que o fizera prometer publicá-la um dia. Digam se não é um artifício promissor!?

Pois a tal senhora do retrato é uma dessas personagens desenxabidas que tudo o que sabem fazer é serem belas e desmaiarem por qualquer desgosto. Clara, nossa heroína, é pintada com todas as cores da escola romântica, para ser digna do mocinho probo que lhe é dado de parelha, o poético Juliano. Esse galante casal obviamente não poderia viver só de poesia e silêncios misteriosos, sem causar inveja a algum vilão. Para tal papel temos o lascivo padre Roberto, o jesuíta das intrigas referidas no título alternativo.

Roberto é um falso sacerdote que, fiado em seu ateísmo, defende a felicidade própria a qualquer custo, mesmo a vida de outrem. Apaixonado de Clara, vive cercando a jovem, valendo-se da amizade que tem com o pai dela, o senhor Paulo. Quando, porém, é anunciado o casamento de sua amada com Juliano, padre Roberto vê-se obrigado a tirar o bom moço do caminho. Se eliminado este empecilho, pretendia o vilão persuadir Paulo para que casasse a filha com o licenciado Leôncio. O caso é que os dois (Roberto e Leôncio) têm um trato: após o casamento, o licenciado partiria com o dinheiro da moça, ficando esta à mercê do terrível jesuíta.

A dificuldade está em dar cabo de Juliano que, como todo herói romântico, é protegido por uma boa estrela que o salva de mil atentados. O livro segue portanto nessa corrida de gato e rato, entremeada por descrições, digressões e diálogos infindáveis. Alguns parágrafos eram tão longos e pormenorizados, que não poucas vezes meus olhos percorriam o texto enquanto minha mente repassava as tarefas do dia rs.

Também era inevitável a sensação de estar andando em círculos, dadas as circunstâncias repetitivas: eram tantos atentados, tantos rebuçados, tantos vultos, tantos disfarces... Mas talvez o mais decepcionante tenha sido a culminância de toda essa lenga-lenga num desfecho previsível e lacrimoso.

Mas, colocando panos quentes na resenha, vale salientar o contexto histórico empregado pelo autor (a partir das batalhas envolvendo os Sete Povos das Missões), o que lhe rendeu o pioneirismo na utilização da figura do índio em prosa de ficção nacional. Também é digno de nota o simpático Ligeiro que, fazendo jus ao nome, com suas ligeirezas, salvou o livro por diversas ocasiões, sobretudo na passagem do leigo rs.

As Tardes de um Pintor dificilmente agradará o leitor contemporâneo. Possivelmente só terá algum valor e interesse para quem, como eu, for curioso e entusiasta da literatura brasileira dos oitocentos. Se não vos animei a encararem tal experiência, talvez sirva de consolo revelar que o livro não me desmotivou a prosseguir com os demais títulos do nosso primeiro romancista. Para o ano que vem, devo ler A Providência ou As Fatalidades de Dous Jovens? Talvez acabe preferindo Maria ou A Menina Roubada rs.

Avaliação: ★★

Daniel Coutinho

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