sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

O Homem, de Aluísio Azevedo - RESENHA #89

Encerro as leituras do ano com aquele domínio que Aluísio sempre exerceu sobre mim. É incrível como sou sensível à sua escrita que, sob meu olhar, sugere um encanto todo especial e particular. É bem verdade que nossa relação sofreu considerável abalo depois que li Livro de uma Sogra, mas O Homem (1887) veio dobrar-me novamente à sua irresistível influência.

Aluísio sabe perturbar como ninguém. Poucos escritores sabem, como ele, construir personagens detestáveis que não ganham a total antipatia do leitor. Lembremos de Ana Rosa, Amâncio, Rita Baiana e (por que não?) da própria dona Olímpia. Desta vez ele nos brinda com a histérica Magdá, que ganha tanto nosso desprezo como nossa comiseração. Trata-se de uma personagem formidavelmente irritante.

Magdá era uma garota normal, mas que acaba acometida de uma histeria incurável após um trauma de sua primeira juventude: descobre que Fernando, seu companheiro de infância e primeiro amor, é na verdade seu irmão bastardo. A revelação faz-se necessária quando o Conselheiro Pinto Marques, pai da moça, percebe o interesse amoroso entre os dois jovens. Fernando, que pretendia a mão de Magdá, acaba partindo para a Europa depois de sua formatura. A filha do Conselheiro, resignada, pretende casar-se com outro, mas nenhum de seus pretendentes sequer se aproxima das qualidades de Fernando.

Desiludida com o amor, Magdá começa a definhar pouco a pouco. A pena naturalista de Aluísio faz um minucioso acompanhamento da evolução de sua patologia, inutilmente combatida pelo experiente Dr. Lobão, que atribui a moléstia à interrupção das funções naturais de Magdá enquanto mulher, recomendando o pronto casamento da moça.

Desprezando todas as propostas de matrimônio, Magdá entrega-se à vida religiosa, tornando-se reclusa e arredia. Geniosa e caprichosa, ela encerra-se no quarto o dia inteiro com seu crucifixo, cumprindo uma rotina repetitiva e tediosa, até o momento em que avista, da janela do seu quarto, um trabalhador de uma pedreira que muito lhe chama atenção. Com a ideia fixa de aproximar-se dele, convida o pai a um passeio pela escabrosa pedreira, mas passa mal durante o percurso, sendo logo acudida por Luiz, o objeto de seu interesse.

Após recuperar a consciência e perceber a situação à qual se submetera, Magdá enche-se de pudores diante daquele homem seminu que a tivera entre os braços. Se por um lado, porém, ela o repele conscientemente, por outro, não pode evitar sonhar com ele todas as noites. A partir daí, a narrativa se bifurca: de um lado, o enredo convencional; do outro, uma história fantástica, protagonizada por uma Magdá bem diferente da que conhecíamos e por Luiz, igualmente diverso do moço da pedreira.

As muitas passagens da fantasia de Magdá, devo confessar, impacientaram-me um pouco. Aluísio pesou a mão nesse tempero fantástico, salgando o caldo que já estava bom. No entanto, o que mais me incomodava era o método com que se dava essa trama paralela. Era inconcebível para mim que uma doença pudesse elaborar todo o contexto da “Ilha do Segredo”, com todas as marcas de linearidade e sequência lógica apresentadas. Há um momento em que o mundo real e o sobrenatural parecem confundidos aos olhos da protagonista, que já não pode distingui-los com precisão. É o último estágio da doença que avança e certamente o ponto mais chocante do livro.

A leitura d’O Homem chega a ser embriagante, daquelas que deixam qualquer um de ressaca. Vou tirar umas férias da literatura por um tempo, para ver se me recupero das fortes impressões ainda tão recentes. Isto não representa exatamente uma queixa. Afinal, Aluísio “sabe” perturbar.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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domingo, 16 de dezembro de 2018

O Grilo da Lareira (The Cricket on the Hearth), de Charles Dickens - RESENHA #88

Desejava fazer este mês alguma leitura natalina e lembrei-me de que tinha aqui, na minha “Coleção Saraiva”, um pequeno romance de Dickens, daqueles que ele escrevia especialmente para o período do Natal. O Grilo da Lareira (1845), contudo, não possui uma narrativa natalina; mesmo assim, é bastante recomendável para essa época do ano, por sua mensagem de amor e esperança.

Esta minha segunda experiência com Dickens acabou estreitando meus laços com o autor e, suspeito, quando passar aos romances maiores, nossa relação causará ciúmes a certos autores brasileiros rs. Dickens é maravilhoso em todo o sentido da palavra, especialmente no uso de elementos fantásticos que, neste livro, estão na medida que não me desagrada.

Seus personagens são tão cheios de vida, que não é preciso muito esforço para imaginá-los. Talvez alguém aponte aspectos improváveis no comportamento deles, mas sejamos coerentes: há livros e livros; e O Grilo da Lareira foi pensado para agradar um numeroso público infantil que inevitavelmente teria. Quando uma mudança drástica se dá, portanto, no caráter de algum de seus personagens, é seguramente na intenção de não ser ingrato a este querido público, cuja gratidão seria, mais tarde, constatada por um Monteiro Lobato.

A infantilidade da trama não a prescinde de recursos estilísticos tão bem executados por Dickens. A forma poética como a história começa é exemplo incontestável disso. Os sons produzidos pela chaleira e posteriormente pelo grilo serão devidamente aproveitados até o desfecho da obra de forma harmônica. Talvez Dickens pensasse que o canto do grilo, acessível aos lares mais pobres, poderia ser transformado em motivo de alegria.

João é um brutamontes que encerra um coração puro e honesto. Maria, ou Tiquinho (como ele a chama), é sua esposa quarenta anos mais jovem. Os dois têm uma vida bastante sossegada, até o dia em que aparece um velho surdo que, tendo sido esquecido por alguém que prometera lhe buscar, apela para a bondade do casal. O que deixa, porém, João intrigado é a prontidão com que Tiquinho assente ao pedido do estranho.

É então anunciado o próximo casamento de May, amiga de Tiquinho, com Tackleton, o velho fabricante de brinquedos bizarros, que eram propositalmente medonhos, a fim de assustar as crianças. Trabalhava para Tackleton o esforçado Caleb, que vivia sozinho com sua filha Berta, que era cega. O dedicado pai, não obstante a pobreza em que viviam, pintava para Berta um mundo bem diferente, fazendo-a crer que moravam numa bela casa e que todos, inclusive o desprezível Tackleton, eram bons e gentis.

Em visita a João, Tackleton sugere um encontro entre sua futura esposa e Tiquinho, supondo ser a influência desta bastante conveniente para aquela que também seria mulher de um homem consideravelmente mais velho. Tackleton aprecia Tiquinho em sua submissão e honradez, deixando subentendido que “nada mais” se fazia necessário numa boa esposa. Embora João tenha se esquivado do convite, o fabricante de brinquedos planeja encontrar o casal (acompanhado de May e sua mãe) na casa de Caleb, pois Tiquinho realizava um piquenique quinzenalmente naquela residência.

Após o piquenique, já noite, quando todos estão à sua vontade, Tackleton leva João (que jogava cartas com a mãe de May) a um lugar afastado da casa onde, sozinhos, conversavam amavelmente Tiquinho e o estranho velho. Por isto e por outros detalhes que julgo conveniente não revelar, João acredita na infidelidade da esposa. De volta para casa, evitando Tiquinho, ele fica cismando a noite toda diante da lareira. É aí que o grilo começa a cantar... e a mágica começa!

Tal como em Um Conto de Natal, Dickens parece se compadecer do sofrimento de seus personagens, demonstrando empatia para com eles. Parece, inclusive, interessado em despertar a atenção do leitor para as pessoas com deficiência. Consciente do incômodo provocado pelas injustiças, faz-nos meditar em como Tiquinho poderia ser falsa, e em como Tackleton poderia ser amado, já que Berta, acreditando nas mentiras do pai, acaba apaixonada por ele, lamentando seu próximo casamento.

A leitura deste livro é revestida por aquela aura mágica que têm os contos de fadas. O Grilo da Lareira é um canto de otimismo e boa vontade, persistente na ideia de que as pessoas são capazes de mudar. Dickens demonstra com ele o quanto acreditava no amor. Vamos acreditar também!

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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Fantasias, de Alfredo Bastos - RESENHA #87

Alfredo Bastos (1854-?) foi um escritor paraense, hoje injustamente esquecido, que se dedicou à literatura e ao jornalismo. Deixou uma obra consideravelmente vasta, entre contos, romances e peças teatrais, sendo toda ela de difícil acesso ao leitor contemporâneo. Não me é possível fazer um julgamento mais exato de sua produção ficcional. Tudo o que pude obter de sua lavra foram o romance O Matricida (1881) e a coletânea Fantasias (1879), objeto desta resenha.

Fantasias reúne crônicas e contos publicados anteriormente no “Jornal do Commercio”. A edição trazia capa ilustrada pelo célebre artista português Rafael Bordalo Pinheiro (durante sua estada no Brasil), que a compôs um dia antes de seu regresso a Portugal. Os textos, não obstante seu caráter circunstancial, têm um estilo bastante apurado e digno de apreciação.

A escrita de Alfredo Bastos chega mesmo a ser mais requintada do que exigiam os folhetins (não confundir com romance de folhetim) dos jornais para os quais escrevia. Com um texto impregnado de referências circunstanciais e tiradas humorísticas, ele requeria dos seus leitores, mais que um passar de olhos por suas colunas, uma devida atenção. É provável que a consistência de suas historietas (que não deve ter passado despercebida) tenha animado o prosador a, com justiça, reuni-las em volume.

A coletânea começa pelas quatro crônicas: “Fantasias a quatro mãos”, “Os confidentes”, “Usos e modas” e “Na roda elegante”, que fazem uma fina observação dos costumes da sociedade fluminense da segunda metade do século XIX. O cronista, com seu humor ácido e exemplos curiosos, revela-nos as “fantasias” e artimanhas daqueles que demonstram acentuada preocupação com as aparências, seja no intuito de justificar uma posição social ou mesmo granjear uma conquista amorosa. Infelizmente não consegui atinar com certas referências circunstanciais que, acredito, teriam apontado maior interesse aos textos.

Passando aos contos, que mais me interessavam no livro, temos “Mais vale um toma”, onde o autor aborda o casamento por interesse. Amélia está interessada em Eduardo, jovem promissor, mas acaba preferindo o pai dele, o viúvo comendador Carmo, já que “o filho ainda há de herdar, e o pai já herdou” (pág. 56). Mas a sutileza do conto está mesmo nas reações do desiludido Eduardo, como também nas observações do narrador sobre o estouvado comportamento do rapaz.

“Cenas de minha infância” possui um título intencionalmente enganoso. De fato, a narrativa não se concentra numa criança, mas naqueles que estavam à sua volta. É um conto delicadamente sofrido, onde Evarista, servindo de ama de leite a um menino pouco saudável, a fim de compensar as estroinices do marido alcoólatra, acaba se deparando com uma página de seu passado, à qual era ainda sensível.

“Primeiros passos de um rapaz”, de caráter epistolar, relata as extravagâncias de um estudante, autor de teorias bastante particulares sobre circunstâncias amorosas e políticas. Nesse conto, o autor, com muita graça, dá um tratamento especial a objetos inanimados, recurso este melhor desenvolvido em “História de um alfinete”, do qual falarei adiante.

Em “Antes e depois”, a temática do adultério é apresentada com uns toques de fantasia. Reconheço que não pude absorvê-lo muito satisfatoriamente e que alguns detalhes (sobretudo os fantásticos) me pareceram obscuros. “Move-se a terra?” é o mais irônico do conjunto. Trata de uma discussão acalorada entre dois amigos (dos tempos de escola) sobre o movimento do planeta. Se por um lado temos a ignorância do que desacredita da Ciência, por outro, temos uma argumentação bastante questionável por parte daquele que busca convencer o companheiro.

O livro se encerra maravilhosamente bem com “História de um alfinete”, o meu preferido da coleção, que, como sugere o título, apresenta as venturas e desventuras do objeto sob seu próprio ponto de vista. É com muita graça que o autor nos faz acompanhar a trajetória desse alfinete inglês, que embora fabricado (tal como seus 249 irmãos) para fins bélicos, acaba sendo transportado para a janela de uma costureira francesa. Uma série de circunstâncias o leva para diferentes donos, o que proporciona curiosas experiências ao nosso protagonista, até finalmente chegar à mais terrível e assustadora de todas.

Eis um livro que merecia nova chance do leitor contemporâneo, pois mesmo possuindo um texto em parte obscurecido por referências circunstanciais, reúne qualidades de um ficcionista fino e delicado que certamente não será esgotado na primeira leitura.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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sábado, 8 de dezembro de 2018

Gina, de Maria José Dupré - RESENHA #86 (contém alguns spoilers)

Os últimos livros que tenho lido de Maria José Dupré têm me deixado bastante insatisfeito. Contava que Gina (1945), último que li, marcaria um feliz reencontro com a prosadora de Éramos Seis, mas o livro quase consegue ser pior que o péssimo O Romance de Teresa Bernard.

Em Gina, mais do que em qualquer livro da autora (dos que li), fica bastante claro a falta de método, se é que não podemos considerar como propósito escrever um romance livremente, repleto de episódios isolados que tanto engrandecem a obra (em número de páginas). Gina é um romance problemático, sem dúvida, mas tem lá seus bons momentos. Estes, porém, quando associados aos defeitos da narrativa, acabam em prejuízo.

Já comentei os detalhes exagerados e corriqueiros, tão recorrentes na escrita da autora, na resenha de Luz e Sombra. Em Gina esses pormenores estão ainda mais acentuados. Temos inúmeros personagens descartáveis na trama, que aparecem e desaparecem o tempo todo em episódios isolados e desnecessários. Sabe aquela tia que começa falando do preço do feijão e termina explicando a doença do marido? Maria José Dupré é essa tia. Assim, mal Gina encontra com um personagem que não tem nada a ver com a trama principal, cria-se um intervalo na história. Eu diria que Gina tem mais intervalos que história.

Se por um lado a autora dedica-se na feitura de relatos e episódios inúteis, por outro ela negligencia em pontos de grande importância para o romance, o que consequentemente acarreta inverossimilhança à obra, sobretudo na figura da protagonista.

Gina é um tipo pessimamente desenvolvido e pouco convincente. Até o final da primeira parte, compreendemos perfeitamente sua situação. Não é difícil compor a imagem da menina pobre, órfã de pai, detestada pela irmã, negligenciada pela mãe, que apela à prostituição para escapar da miséria. Os problemas do livro, a meu ver, começam na segunda parte, quando Gina, subitamente, decide dar um tempo na sua carreira de mulher alegre para dedicar-se ao grande sonho de sua vida: a música. É digno de nota que este sonho, sem precedentes no livro, surge mesmo do nada.

Para realizar o grande sonho de “toda a sua vida”, embora nunca mencionado antes, Gina decide acompanhar um maestro italiano que se prontifica a ajudá-la em sua carreira como cantora. Qualquer um atribuiria a atitude do maestro a interesses sexuais, mas a autora parece querer nos obrigar a crer que não havia entre ele e Gina outra relação que não a de amizade. Daí, esses dois grandes amigos partem para a Itália e o romance se torna livro de viagens, como acontecera em Teresa Bernard e Luz e Sombra. O exotismo, que era moda no século passado, é novamente explorado pela autora; em tempos de Google, porém, tal recurso se torna antiquado e desinteressante.

Logo em seguida, Gina perde o interesse pelo “grande sonho de toda sua vida” quando conhece Frederico, por quem se apaixona imediatamente. A autora, podendo empregar seu inquestionável poder descritivo na aproximação destes dois amantes, prefere uni-los sem rodeios, arrebatadamente, para depois levá-los ao Egito (pois as viagens continuam... rs). Quanto ao amigo maestro... Quem se importa com ele, não é mesmo?

De volta ao Brasil, a paixão delirante de Gina esfria ao primeiro obstáculo: a família de Fred, que não aceita o passado da pretendente do filho. Como n’A Dama das Camélias (que é convenientemente citado pela autora), o pai do moço intercederá, em benefício da paz doméstica, que Gina deixe Frederico. Ela, que era tão apaixonada, decide esquecê-lo. Tenta viver longe dos vícios por algum tempo, movida por seu instinto de dignidade, mas, quando a fome aperta, recorre outra vez à prostituição.

Na terceira e última parte da obra, subitamente (para não perder o costume), Gina apaixona-se pelo Dr. Fernando, o Armand Duval que a resgatará da perdição. A regeneração de Gina (preciso dizer?) não merece a mesma atenção dada a tantos outros episódios mais relevantes do livro, como a grávida que cai do trapézio ou a morte do Ribas, que morreu como um passarinho.

Depois que Gina se torna a mais decente das mulheres e a mais dedicada das mães, a autora, que pretendia que seu romance tivesse no mínimo trezentas páginas, concentra-se em Zelinda, a irmã invejosa de Gina. Zelinda, que é mesmo insuportável, não poderia render muito na história, mas seu desfecho é certamente sua melhor participação na trama. Na falta dela, temos ainda os filhos de Gina para render bons capítulos: Helena com seu romance na praia, Fernandinho com sua adorada Juju (já quero um livro só da Juju!) e Ana Luísa com o velho clichê: eu te odeio porque te amo. Um casamento encerra a história. Bem novela das seis, não? (A Globo adaptou Gina em 1978).

Gina é um romance que, apesar de seus bons momentos, acaba se perdendo. O estilo adotado pela autora renderia-lhe um livro de três mil páginas, que ela sem dúvida faria se a Saraiva o tivesse encomendado; mas é provável que eles tenham ficado sem recursos após imprimirem as Memórias de um Médico do Alexandre Dumas. Estou mesmo desanimado para continuar com meu projeto de ler as obras da autora (uma por ano) em ordem cronológica. Então, devo continuar? Os Rodriguez já me aguardam para 2019. Bah!... Pelo menos é um livro menor rs.

Avaliação: ★★

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sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Em Algum Lugar... (2ª edição mais correta) - Adquira já o seu!


Acaba de chegar a 2ª edição mais correta do meu "Em Algum Lugar..." e está lindíssima!!!

Trata-se de minha primeira incursão pelo gênero "conto", gênero este que tanto aprecio.

Os leitores mais antigos devem estar lembrados que publiquei esta obra ano passado na XII Bienal Internacional do Livro do Ceará, graças a uma seleção acadêmico-literária voltada para os professores da rede pública estadual.


A pequena tiragem, que logo se esgotou, acabou sendo insuficiente, mas o livro finalmente está de volta: com um novo projeto gráfico, uma diagramação mais decente, além de ter passado por uma acurada revisão que não pude fazer na edição anterior.


Na época em que tinha canal no Youtube, gravei dois vídeos especiais comentando a experiência de escrita e lançamento da obra. Para quem porventura ainda não tenha visto, aí estão eles.





SINOPSE

"Em Algum Lugar..." é uma coletânea que enfeixa vinte contos de variado estilo. O volume abre-se com o fantasioso "Entrada franca", que narra uma perseguição psicológica: uma desconhecida que, perdida numa floresta, tenta escapar de algo que nem mesmo ela pode definir. Encontrando refúgio num misterioso jardim, ela procura libertar-se de toda e qualquer opressão, e acaba adormecendo. Os dezoito contos que se seguem seriam os supostos “sonhos” da perseguida. Nada têm eles em relação um com o outro. Os contos se apresentam como histórias independentes e manifestam diferentes temáticas. A coletânea se encerra com "Sem saída", que faz um retorno ao primeiro conto, na tentativa de descobrir o grande segredo do livro, que é desvendar o tal lugar de que fala o título, além de mostrar quem é a perseguida e do que ela foge.
 
ADQUIRA SEU EXEMPLAR!!!

Quem tiver interesse em adquirir uma cópia desta nova edição (que está mesmo linda!), solicite através do e-mail: autordanielcoutinho@gmail.com

Para quem preferir o livro digital, compre pela Amazon:

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Quem finalizar a leitura, por favor, não deixe de comentar comigo o que achou. Pode até fazer resenha, mesmo que seja que nem uma daquelas que ocasionalmente aparecem por aqui rs!

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Quem com Ferro Fere, com Ferro Será Ferido, de Juvenal Galeno - RESENHA #85

Decidi empreender a nobre tarefa de ler a obra completa de Juvenal Galeno em ordem cronológica. Há pouco tempo, li Prelúdios Poéticos (1856), marco inaugural do Romantismo no Ceará. A obra seguinte foi também de grande importância para nossas letras, em razão de ter sido a primeira produção teatral escrita em solo cearense. Trata-se de Quem com Ferro Fere, com Ferro Será Ferido, provérbio em um ato, escrito em 1859, encenado pela primeira vez em 1861, mas publicado em livro somente em 2010.

Única realização de Galeno enquanto dramaturgo, Quem com Ferro Fere... teve relativo sucesso nos palcos, dada a quantidade de representações executadas. Mesmo possuindo um enredo muito simples e personagens estereotipados, a obra é carregada de denúncia social, além de retratar com bastante fidelidade os tipos e costumes da Terra da Luz no período monárquico.

No pequeno drama, Luís é um humilde agricultor que padece, além da doença da esposa, o despotismo do tenente Amorim, que deseja ultrajar a honra de sua filha Maria. Esta, noiva de Francisco, precisará ter suas núpcias adiantadas, para que se ponha termo à maledicência popular. O tenente Amorim, no entanto, planeja criar uma situação que resulte na prisão de Luís e no recrutamento de Francisco, para que Maria fique inteiramente sob seu domínio.

É com muita graça e uma surpreendente perícia que o autor desenvolve a peça com sequências rápidas e movimentadas. Os personagens estão sempre entrando e saindo de cena, cumprindo cada um deles com seu papel, segundo as intenções do autor. Há uma preocupação de Galeno em tornar os tipos realistas, seja por aquilo que fazem em cena (Maria cosendo, Luís debulhando milho, Amâncio fazendo fogueira) ou pelas situações referidas (Maria na missa, Luís no roçado).

A crítica central concentra-se na situação do pobre perante o despotismo das autoridades locais que, segundo seus interesses particulares, prendiam e recrutavam pessoas deliberadamente, além de não atenderem às próprias leis regidas pela Constituição do Império. Se por um lado, a peça mostra a resistência de uma família que zela pelos seus valores, por outro, temos personagens desiludidos e desesperançados como o bêbado Tomaz, que busca esquecer as misérias da pobreza no álcool, acompanhado de sua viola alegre e brejeira.

Ainda que o desfecho seja excessivamente artificial e improvável, não perde aquele tom teatral que entretém o público, além de manter-se fiel à proposta sugerida no provérbio-título. Com ser a primeira mostra de dramaturgia escrita no Ceará, temos um texto e uma história excelentes e dignos do autor das Lendas e Canções Populares (que será lido ano que vem rs!).

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Amor que Mata, de Visconti Coaracy - RESENHA #84

Visconti Coaracy (1837-1892) é geralmente lembrado pela polêmica que teve com José de Alencar em 1874, graças à adaptação teatral que fez do romance O Guarani, da qual Alencar não recebeu sua parte em direitos autorais. Ninguém contudo se lembra de sua produção ficcional, que se perdeu nas colunas dos vários periódicos para os quais Coaracy colaborou em mais de quarenta anos de vida jornalística.

Em 1873, porém, submeteu uma novelinha sua para publicação num clube de assinatura, Bibliotheca Brazileira, que então estreava. Amor que Mata parece não ter interessado o público, sofrendo a condenação de tornar-se uma referência obsoleta. Cabia a mim desencavar essa história do esquecimento rs.

O romancete de Coaracy, tal como A Corveta Diana, é visivelmente influenciado pela pena do Dr. Macedinho, mas sem os atributos imaginativos de Hoonholtz. Trata-se de uma historinha inevitavelmente fadada ao esquecimento instantâneo. Talvez funcione como passatempo, mas daqueles que não se podem levar a sério mesmo, e que se leem pela falta de coisa melhor, ou por pura obstinação, o que é o meu caso rs.

No enredo, temos Luiz, um protagonista desiludido com o amor. Após pôr em dúvida as qualidades físicas e morais de Isabel, jovem viúva, esta decide vingar-se alimentando uma paixão ardente no jovem mancebo. Isabel, que também ignorava o amor, acaba apaixonada pelo insolente moço que, convencido dos belos atributos da viúva, está disposto a conquistá-la, mas o orgulho de ambos poderá levá-los a um destino infeliz e fatal.

A experiência jornalística do autor é o que acaba lhe valendo em sua narrativa sensaborona. Sua escrita é inegavelmente fluente e bem delineada, faltando-lhe no entanto verve suficiente para desenvolver uma boa trama. Até mesmo a estrutura do livro, cujos capítulos compreendem uma sequência de episódios ligeiros, é interessante, até o momento em que se depara com um enredo deficiente e problemático.

O narrador, que não soube se haver com os protagonistas, embananou-se de verdade com os personagens secundários, precipitando a relação amorosa entre Pedro e Eulália, além de sugerir um destino fatal a um personagem tão pouco lutuoso como o Sr. Dolby.

Desconfio que Coaracy tenha pago um favor ou mesmo uma dívida com seu Amor que Mata, já que não lhe pude reconhecer qualquer intenção artística. Talvez só quisesse entregar uma historinha de oitenta páginas (sabe-se lá com que fim) a um desses editores desleais que mal sabem o que publicam. Uma pena! O delineado de sua frase poderia ter lhe rendido mais... ou não rs?

Avaliação: ★★

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sábado, 3 de novembro de 2018

A Corveta Diana, de Antônio Luís von Hoonholtz - RESENHA #83

Antônio Luís von Hoonholtz (1837-1931) foi um importante almirante brasileiro, herói da Guerra do Paraguai, que se dedicou a diversas atividades de relevância nacional, o que lhe rendeu, por exemplo, o título de “barão de Tefé”. É também lembrado por ter sido pai da caricaturista Nair de Tefé, a segunda esposa do presidente Hermes da Fonseca.

Hoonholtz, afora suas mil atividades de fôlego, era ainda um amante das letras, tendo sido um grande leitor de poetas e prosadores nacionais e estrangeiros. Seus entusiasmos literários levaram-no à ousadia de escrever seu próprio romance que, segundo ele, era na verdade uma “memória” de acontecimentos reais. Consciente do pouco valor de sua obra, mantivera-a guardada por dez anos, até que seu irmão José Paulino, o Juca, depois de ler o manuscrito, decidira mandar imprimir o livro sem comunicar nada a Antônio. Ao que parece, o romance intitulado de A Corveta Diana (1873) não chegou a ser comercializado, pois a pequena tiragem que dele se fez foi toda destinada aos amigos mais próximos do autor.

Adepto da escola romântica, servindo-se dos modelos bebidos em Teixeira e Sousa e Joaquim Manuel de Macedo, Hoonholtz nos apresenta uma narrativa sentimental e previsível, mas divertida e agradável. Sua escrita é até bastante cuidada para um homem que não era do meio, o que para mim foi uma grata surpresa. A Corveta Diana é pois o que chamo de passatempo literário, mas que preza por uma linguagem e estilo cativantes. Os únicos entraves que tive durante a leitura foram o jargão náutico utilizado nas cenas marítimas e a reprodução do sotaque português do personagem Jorge.

O romance nos apresenta Amélia, uma bela órfãzinha de dezessete anos, que vive na companhia das irmãs Chiquinha, Quinota e Mariquinhas, esta última casada e mãe de três filhos. As meninas decidiram evitar passeios e divertimentos até que a morte da mãe completasse um ano, sujeitando-se a uma vida monótona e desinteressante. A chegada da corveta Diana naquela sossegada praia catarinense viria tirá-las do tédio.

O comandante Otávio, moço muito simpático, logo dá-se a conhecer e faz a apresentação de seus amigos oficiais: o velho comissário Ricardo, o piloto Gustavo, o escrivão Adriano, o guarda-marinha Fernando, o Dr. Alberto e o segundo-tenente Alfredo, que preferira isolar-se de todos, separando-se das senhoras com um breve aceno. Tal atitude chamara a atenção de Amélia, que imediatamente considerou o moço um orgulhoso.

Nossa protagonista é na verdade uma romântica sonhadora que espera pela chegada de um homem ideal. Desapontada com os oficiais que conhecera, ela sofre uma amarga desilusão que lhe tira o sono. Recostada na janela do quarto, Amélia tem seus pensamentos interrompidos pelo som de uma voz que canta a ária do Ernani. Era Alfredo quem passava e que ganhava, a partir daquele momento, o interesse da jovem. Daí surge uma profunda afeição entre os dois.

Mas como em toda boa história romântica, não poderíamos deixar de ter um vilão horrendo e perverso. Aqui, quem assume este papel é o desprezível Dionísio, que tendo idade para ser pai de Amélia, dirige seus galanteios à bela órfã. Percebendo-se rejeitado em benefício de Alfredo, Dionísio faz uso de suas influências para obter a retirada da Diana. Com a partida do tenente, ele empenha-se em tecer um plano de vingança, objetivando a desonra de Amélia.

Mesmo tendo um enredo tipicamente folhetinesco, o romance de Hoonholtz revela um observador sensível e atento. Para além das fórmulas de segredos do passado que são revelados e passagens apelativas que vão de um matricídio a um quase incesto, o autor nos brinda com cenas cheias de carisma e sensibilidade, como o passeio de Alfredo pelas ruas do Desterro (hoje Florianópolis) ou a conferência íntima onde os oficias trocam confidências pessoais. O capítulo em que Otávio conta a história de seus amores com Julieta e o Dr. Alberto compartilha a sua inovadora teoria de conquista é um verdadeiro tributo a Macedo, de quem Hoonholtz devia ser grande admirador.

Não esperava mesmo encontrar as qualidades que me revelou A Corveta Diana. O almirante provou que, mesmo carecendo de talento estilístico, possuía uma escrita desembaraçada e correntia. Desejei ler seu drama naval A Justiça de Deus, mas não o localizei. Fiquei com esta impressão final de que Hoonholtz devia ser aquele cara sério de casca grossa que encobre um coração generoso, delicado e dócil.

Avaliação: ★★★

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terça-feira, 30 de outubro de 2018

A Casa do Passado, de Algernon Blackwood - RESENHA #82

Desejando ler algumas histórias de terror, influenciado pelos leitores aficionados do gênero que, neste mês de outubro, cultuam o sobrenatural, decidi conhecer a obra de um autor inglês, Algernon Blackwood (1869-1951), por indicação da amiga Claire Scorzi.

Pouco conhecido no Brasil, Blackwood foi redescoberto pela escritora Heloisa Seixas que, no início dos anos 2000, traduziu e organizou uma antologia de dez contos do autor para a editora Record. Esta seleta, A Casa do Passado, prometia entregar, como dizia o subtítulo, “dez grandes contos de terror”, mas apenas três ou quatro narrativas se encaixam realmente no gênero, sendo que as demais apenas exploram elementos fantásticos.

Os contos de Algernon Blackwood, mesmo os de terror, dificilmente provocam medo, ainda que este seja o objeto maior de sua análise. Em quase todas as histórias desta seleta, o autor demonstra um cuidado bastante minucioso em descrever a sensação de medo experimentada por seus personagens. Surpreendeu-me o caráter analítico de sua prosa, especialmente pela profundidade psicológica que ela atinge.

As narrativas transcorrem lentamente, num ritmo que por vezes chega a ser cansativo, mas a lentidão quase sempre é compensada pela beleza da escrita. O tratamento artístico que Blackwood dá ao seu texto é primoroso e, em certos casos, notadamente poético. Seu amor pelas viagens e paisagens naturais reflete-se nos múltiplos cenários que encontramos em sua obra, como nas minuciosas descrições da natureza. Não fosse a demora e a despreocupação do narrador com o prosseguimento do enredo, seu texto fluiria mais livremente.

Quando li “Lobo Andarilho”, por exemplo, que deve ter umas trinta páginas, pensei: “tivesse este conto umas dez páginas de menos, seria uma obra-prima”. Pensaria mais ou menos o mesmo de muitos outros contos do livro. O que dizer então de “Os salgueiros” com suas intermináveis sessenta páginas? Há quem o considere, como o próprio autor considerava, a obra máxima de Blackwood. É um conto excelente, sem dúvida, mas excessivamente lento e prolixo.

Estou meio em dúvida quanto ao melhor conto desta antologia. Fico entre “O quarto ocupado” e “As asas de Horus”. O primeiro possui uma estrutura e um ritmo comedidos, além de uma ideia aterradora muito bem desenvolvida. O outro, embora menos moderado que o primeiro, deu-me a impressão de estar assistindo a um grande espetáculo, certamente por seu toque impressionista e teatral.

Além desses, apreciei com grande empolgação o já mencionado “Lobo Andarilho” que, como disse, beirou a excelência, com sua mistura de lenda antiga e narrativa de suspense; além do conto que dá título à coletânea, “A casa do passado”, fantasia poética que me deixou pelo menos uma meia hora pensando em reencarnação. É prosa poética de alta qualidade que nos faz refletir que todos carregamos uma “casa do passado” dentro de nós, cheia de lembranças adormecidas e não lembradas.

Integra a coleção outro conto bastante conhecido de Blackwood: “A boneca”, que inspiraria incontáveis outras histórias de brinquedos assassinos. Não obstante sua originalidade, incomodou-me a incoerência do enredo, que realmente não me convenceu. Pareceu-me incoerente que, dadas as circunstâncias descritas, a cozinheira desse a boneca à Monica; como também nada fizessem (ela, a arrumadeira e Madame Jodzka) para desfazer-se do brinquedo após a constatação do perigo; e, finalmente, a atitude do coronel Masters perante o caso, especialmente por não ignorar os pormenores em torno da terrível boneca.

Blackwood flerta ainda com o gênero de ficção científica, construindo mundos paralelos em histórias como “O caso Pikestaffe” e, ainda que mais sutilmente, em “Os salgueiros”. Outra peculiaridade de sua prosa é o toque de sensualidade que permeia alguns de seus contos, mais perceptível na primeira metade do volume.

Quanto aos outros contos, ainda que não tenham me parecido ruins, julguei-os pouco cômodos para uma “antologia”, mas atribuí o fato à dificuldade de acesso à obra de Blackwood, alegada pela organizadora em prefácio. Gostei mesmo assim, de modo geral, de todas as histórias, até as mais bobinhas, como “A ala Norte” e “O homem que era Milligan”.

Não consegui sentir medo lendo Algernon Blackwood. Tá bem: talvez só um pouquinho, quando lia “A boneca”, que meu celular começou a tocar sem aparecer nada na tela rs. Em compensação, apreciei de verdade o esteta que ele mostrou ser em seus textos, tão cheios dele mesmo: de suas paixões, de suas fantasias e, sobretudo, de seus medos.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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sábado, 20 de outubro de 2018

A Queda dum Anjo, de Camilo Castelo Branco - RESENHA #81

Evitei por muito tempo este livro de Camilo, antipático que sou ao assunto “política”, sem descuidar do valor que ele (o livro) representa na colossal bibliografia do imortal português. Após conhecer os lances passionais do autor de Amor de Perdição, reconhecia a necessidade de encarar outras tendências cultivadas pelo mestre lusitano. A Queda dum Anjo (1866) certamente não foi a leitura mais agradável que Camilo me entregou, mas deu-me a felicidade de constatar que a febre dos amores, na qual ardia o romancista, impediu que a abordagem política empanasse os elementos mais simpáticos da novela.

Eu poderia ter apreciado mais este romance. Eis minha sensação final. O entrave maior, desta vez, não foi o hermetismo já tão conhecido na obra camiliana. O autor, autoconsciente de sua capacidade vocabular, e talvez criticado por seus excessos linguísticos, quis mostrar que o diabo pode ser muito mais feio do que se pinta. Decidiu pois que era necessário revelar a verdadeira verborragia: o vernáculo adornado de pretensões, o palanflório prolixo que nada diz. Para tal demonstração, ele nos dá o presunçoso Dr. Libório de Meireles, que rouba a paciência de Calisto Elói, o protagonista, tanto quanto dos leitores, com seus discursos incompreensíveis.

Os debates nas sessões parlamentares, onde se despeja a enfadonha demonstração do genuíno discurso verborrágico, foi o entrave maior de que falei. Ficava mesmo tentado a fechar o livro ou fazer leitura dinâmica rs. Compreendo as boas intenções do linguista, mas reprovei o exagerado método adotado para convencer-nos de que: “As laranjas, espremidas demais, dão sumo azedo, que corta a língua.” Tirante o enfado destas passagens irritantes, A Queda dum Anjo, se não toma ares de perfeição, admite uma leitura mais feliz.

Passando à narrativa, o autor nos apresenta Calisto Elói, um raro exemplar e representante do velho Portugal, cujos costumes são os mais antiquados possíveis, notados desde seu traje, do começo do século, até seus livros, nenhum deles com menos de cento e cinquenta anos. Este austero senhor é casado com uma prima, dona Teodora, senhora empenhada numa meticulosa economia doméstica. Logo de início somos levados a crer que o matrimônio dos dois é puramente convencional, não implicando sentimentalismo algum.

Calisto, com quarenta e quatro anos, sempre tivera o instinto do dever, combatendo com excessivas leituras os impulsos e afoitamentos da juventude. Sua louvada reputação faz dele um provinciano de destaque, sendo elegido, quase que por unanimidade, deputado de Miranda. Partindo para Lisboa, ele depara-se com uma realidade bem diversa daquela rezada em seus alfarrábios. A corte dá-lhe ensejo para o exercício de suas virtudes, que são logo alvo de censura pelos parlamentares liberais. A conduta do "anjo”, no entanto, acaba cedendo aos sintomas de uma “mocidade serôdia”.

O coração de Calisto, ainda virgem das paixões espontâneas, acaba incendiando naquele novo terreno, em contato com as damas elegantes da sociedade. Adelaide é a primeira mulher a fazê-lo perceber os encantos da paixão, que tiram-lhe o sono, que fazem-no cismar e compor versos. Calisto experimenta o ciúme, pelo pretendente jovem da donzela, e sofre o desprezo da mesma, que prefere ao outro. Eis os lances de uma mocidade tardia que, segundo o narrador, independente de tempo, é inevitável para todo e qualquer homem.

A impossibilidade do amor com Adelaide libera os sentimentos de Calisto para uma nova inclinação. É aí que surge Ifigênia, uma prima distante do deputado que, viúva, jovem e desamparada, recebe com acolhimento a proteção deste. Semelhante a Calisto, Ifigênia nunca conhecera o amor, tendo dedicado a seu marido um afeto paternal. Diante pois daquele coração igualmente virgem, não creio ser necessário explicar a qualidade da “queda” de que trata o título do romance.

Camilo, um brincalhão de primeira, já no título da obra reflete os preconceitos de sua época. Mas o que poderia ser uma “queda” para o público, a atitude de Calisto, para ele, era exemplo de libertação. De fato, não é um processo de perversão o que sofre o personagem; é antes um reconhecimento advindo de uma análise pessoal que o faz mudar. São os interesses pessoais que estão em jogo, bem aos olhos do leitor. O comportamento dos personagens é apenas reflexo desses interesses. O que poderia ser considerado uma “imoralidade” corresponderia ao ideal de “felicidade” de Calisto Elói.

Assim como no Amor de Salvação, a companhia de Camilo melhora consideravelmente a experiência de leitura, porque seu narrador traz marcas notadamente pessoais, o que nos faz senti-lo próximo e presente. Humor e ironia são ingredientes bem utilizados neste romance que, para minha surpresa, tirou-me boas gargalhadas, mesmo quando tratava de “política” rs.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Pequenos Assombros, de Bruno Paulino - RESENHA #80

Preparando-me psicologicamente para encarar as macabras histórias de Algernon Blackwood, que devo ler em breve, decidi dar uma chance a este livrinho que caiu-me às mãos recentemente (presente de um amigo poeta), cuja proposta muito me interessou.

Lançamento deste ano, Pequenos Assombros, do cearense Bruno Paulino, encerra contos e crônicas que exploram o universo do terror, seja através do reconto de causos populares, como também da expressão pessoal de um aficionado do gênero.

Os dez trabalhos publicados na coletânea atendem, todos eles, a uma concisão que beira mesmo o sobrenatural rs. Esse limitado espaço assentou mais às narrativas de caráter pessoal, como “Visagem”, “Um velho gato”, “O exterminador de lagartixas” e “O despertar dos cassacos”, que não por coincidência figuram entre os melhores textos do conjunto.

Por outro lado, a tentativa de registrar casos conhecidos, especialmente de nossa região, não vingou com a mesma comodidade no livro, dada a força dos argumentos que exigiam um desenvolvimento mais destacado. “O mistério no céu do Salva-Vidas”, por exemplo, recordou-me uma das histórias mais antigas contadas por meu pai, com pormenores mais significativos até. Estou mesmo embirrando porque não consigo lembrar o nome que se dava ao tal objeto voador aludido na história dele. Prometo perguntar de novo assim que possível e publicar nos comentários rs.

Também já conhecia (e acho que todo mundo rs) as lendárias botijas que faziam enriquecer os sortudos que as encontrassem. Um episódio similar é ricamente registrado por Franklin Távora em “O tesouro do rio”, nas suas esquecidas Lendas e Tradições Populares do Norte, já resenhadas por aqui também. O curioso do conto de Bruno, “A botija de dona Guidinha”, é justamente o aproveitamento da figura histórica de Marica Lessa, imortalizada como Margarida, ou simplesmente Guidinha, na obra máxima de Oliveira Paiva.

Destaco ainda “Excertos do estranho diário do Dr. Albuquerque”, que apresenta uma história de lobisomem por um artifício que me pareceu bastante conveniente, principalmente pela sugestão sutil de uma confissão, uma revelação que poderia implicar (quem sabe) um sentimento de culpa. As demais narrativas, conquanto mereçam algum interesse, sufocaram na concisão exagerada, como um sapato que nos aperta o pé.

Pequenos Assombros, com o talento demonstrado por seu autor, poderia ter saído muito melhor com umas cem páginas a mais. Irritou-me ver num livro tão curtinho aqueles bobos erros de revisão, com que sempre implico; mas, felizmente, longe (muito longe) de superar o recordista História entre Mundos. Lembram-se dele rs?

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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