sábado, 27 de agosto de 2022

Ramona, de Helen Hunt Jackson - RESENHA #187

Todos os anos a Literatura me proporciona boas surpresas, e Ramona já é uma das melhores deste ano. Trata-se do romance mais famoso da norte-americana Helen Hunt Jackson, que inexplicavelmente foi muito pouco difundido por aqui, não obstante ter sido “a cabana do Pai Tomás” dos povos indígenas.

Ramona (1884) é de uma simplicidade e candura que me lembrou os romances de Alencar. A primeira parte do livro fascina pela delicadeza e colorido das cenas, desenhadas no propósito de serem agradáveis ao leitor. Na segunda parte, porém, o ritmo é outro. Acompanhamos os personagens centrais numa trajetória frenética de luta pela sobrevivência. Em todos os momentos da trama, o livro se mantém excelente, e não há um só capítulo que possa ser considerado ruim.

Ramona é a filha de um homem branco, Angus Phail, com uma índia desconhecida. Foi entregue ainda bebê pelo pai à mulher que fora seu grande amor, a senhora Ramona Orteña. Pressentindo sua morte próxima, a senhora Orteña decide entregar a criança aos cuidados de sua irmã, a senhora Moreno, que mesmo sendo uma mulher religiosa, alimenta fortes preconceitos em relação à menina, por esta ser mestiça.

Ramona é criada pois como filha adotiva pela família Moreno, mas é constantemente tratada com muitas reservas pela senhora, que não consegue disfarçar a repulsa que sente pela garota. Por outro lado, Filipe, que torna-se o homem da casa após a morte do pai, dedica os sentimentos mais amistosos para com sua irmã de criação, sentimentos estes que encobrem uma paixão proibida.

A história se passa no estado da Califórnia, no período que sucede a independência dos Estados Unidos, quando os americanos realizam a ocupação de terras que antes pertenciam a povos indígenas. Muitas famílias mexicanas, como os Moreno, também perderam boa parte de suas propriedades nessa época.

No período de tosquia das ovelhas, a família Moreno convoca vários índios para o trabalho. Dentre eles, destaca-se Alexandre, cujo talento musical e conhecimentos de leitura elevam-no perante sua raça. Filipe sugere mesmo que Alexandre substitua o antigo capataz que, após um acidente, fica impossibilitado de cumprir suas funções na fazenda; mas a paixão nascente entre Ramona e Alexandre mudará completamente o rumo dos acontecimentos.

Ramona é um livro surpreendente por diversos motivos. Mesmo seguindo a linha do romance romântico, seus personagens revelam certa complexidade, que seria melhor explorada pela escola realista. A senhora Moreno, por exemplo, chama atenção pelo poder de manipular principalmente o próprio filho, fazendo-o crer que as decisões tomadas por ela são na verdade dele. Há também passagens em que seu tratamento para com Ramona indicam contradições que a tornam muito mais humana aos olhos do leitor.

Enriquecem o livro personagens de segundo plano que desempenham muito bem seus papéis. O padre Salvierderra é um tipo muito simpático que, mesmo tendo uma participação mínima na trama, consegue ser memorável. Margarida, conquanto não seja uma grande vilã, realiza perfeitamente o papel da invejosa irritante. E o que dizer de tia Ri? Ela simplesmente rouba a cena nos capítulos finais com seu jeito falante e carismático.

Ramona é um livro completo, mesmo com suas imperfeições. É aquele tipo de livro que, quando concluída a leitura, enche-nos da sensação de que emergimos de uma experiência fantástica. Embora tenha me desagradado nesta ou naquela passagem, injusto seria negar sua grandiosidade.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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