quarta-feira, 27 de abril de 2022

O Brigue Flibusteiro, de Virgílio Várzea - RESENHA #180

Quando li, meses atrás, A Vida que Sonhei, de Germaine Acremant, estava certo de que não haveria leitura pior ao longo do ano. Porém, com muito pesar o digo, meu primeiro contato com a escrita do brasileiro Virgílio Várzea acabou desbancando o romance francês.

O Brigue Flibusteiro (1904) foi sem dúvida a decepção do ano. Isto porque eu alentava grandes expectativas em relação a esta leitura pelos seus atraentes qualificativos: romance brasileiro do início do século XX com temática marítima. De repente, A Corveta Diana, do Hoonholtz, que eu julgava um passatempo bobo, parece agora uma obra-prima.

Quero muito acreditar que O Brigue Flibusteiro é uma excepcionalidade na obra de Virgílio Várzea. Já li comentários elogiosos sobre seus contos. Talvez o contista tenha mais a oferecer, mas confesso-me desinteressado por ler qualquer outra obra do autor. Quem sabe daqui a um tempo?

Em O Brigue Flibusteiro não temos exatamente um romance. É uma narrativa marítima, nada mais. É um desses episódios desenxabidos que os vovôs contam mais para regalarem a si próprios que a nós, seus netinhos entediados.

Os personagens são tão desinteressantes quanto a aventura que protagonizam. A escrita, arrastada e prolixa, não melhora em nada a experiência. É, em suma, um livro que poderá facilmente ser abandonado nos primeiros capítulos.

O enredo nos conta sobre como Afonso Morgan, um comandante inglês, servindo ao seu tio, sai da Ilha de Margarida (nas Pequenas Antilhas) no corsário “Falcão” com destino à Ilha da Trindade, na intenção de interceptar o ouro brasileiro explorado pela coroa portuguesa. Dois ou três episódios chamam atenção durante esse trajeto, mas tudo é narrado com tanta imperícia imaginativa, que temos a impressão de que nada acontece.

Não fosse minha obstinação em finalizar este primeiro contato com Virgílio Várzea, eu certamente não teria ido muito além do rapto de Mercedes, uma personagem que só dorme e reza o tempo todo. Eu realmente não consegui extrair nada de positivo d’O Brigue Flibusteiro. Queria poder dizer: Ah, mas tal personagem... tal cena... tal reviravolta... Infelizmente não posso. Deixemo-lo repousar no esquecimento e passemos logo ao próximo.

Avaliação:

Daniel Coutinho

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sábado, 9 de abril de 2022

O Moinho Silencioso (Die Geschichte der Stillen Mühle), de Hermann Sudermann - RESENHA #179

A Coleção Saraiva já me apresentou um bom número de escritores, brasileiros e estrangeiros, que eu desconhecia e que são simplesmente fabulosos. O alemão Hermann Sudermann (1857-1928) acaba de entrar para o rol desses grandes prosadores, verdadeiros achados que precisam ser mais conhecidos pelos leitores de hoje.

O Moinho Silencioso é uma belíssima novela, publicada com outra, intitulada O Desejo, num único volume em 1888. Não entendo por que os editores da Saraiva descartaram a segunda novela do livro. É possível que tenha sido por redução de gastos. O caso é que fiquei bastante curioso para ler outras obras de Hermann Sudermann, mas infelizmente não pude encontrar mais nada dele em português.

O autor de O Moinho Silencioso, embora com seu toque realista, é notadamente mais influenciado pela escola romântica. Embora sua escrita em nada se assemelhe, o teor de sua narrativa lembrou-me as novelas passionais de Camilo Castelo Branco. Há um sentimentalismo impetuoso nas páginas d’O Moinho, que exalam paixões arrebatadas e irreprimíveis.

Tal abordagem pode até desinteressar leitores menos afeitos aos novelões sentimentais, mas eu já os previno de que Hermann Sudermann possui um diferencial. A princípio, gostaria de destacar a tradução da talentosíssima Nair Lacerda, que conseguiu exprimir em português o magnetismo hipnotizante do original. E não pensem que exagero ao me expressar assim.

A novela de Sudermann é de uma plasticidade encantadora de que poucos escritores são dotados. O texto é um adorno vivo, que vai se moldando e se embelezando diante dos olhos do leitor, de modo que O Moinho Silencioso vale muito mais pela escrita que pelo enredo. O narrador de Sudermann é como uma voz suave e incansável de ouvir, obrigando-nos a uma leitura pausada e oral. Sem exageros, o livro consegue ser belo da primeira à última linha.

O enredo é basicamente sobre dois irmãos, herdeiros de um moinho. Martin, o mais velho, após provocar involuntariamente a morte de outro irmão, Fritz, dedica-se calorosamente a João, o caçula da família. Após a morte dos pais, os dois passam a viver mais unidos do que nunca, estabelecendo a promessa de que não permitiriam que uma terceira pessoa os separasse.

Ao atingir a maioridade, porém, João é convocado para o serviço militar. A solidão torna-se insuportável para Martin, que acaba se casando com Gertrudes que, por sua vez, encontra no casamento a possibilidade de auxiliar seu pai e seus irmãos menores.

Gertrudes é uma mulher ainda muito jovem e que não pôde libertar-se inteiramente das fantasias da infância. De temperamento alegre e romântico, ela em nada se parece com o sério e grave Martin, que a trata mais como irmã que como esposa. No entanto, o retorno de João, já livre das milícias, vem suprir a carência de Gertrudes por compartilhar seus jogos com um companheiro de diversões.

Martin não vê mais que inocência na amizade entre os dois jovens, que o tratam sempre com muito respeito, atendendo ainda à exigência de não penetrarem no quarto secreto que Martin conserva vedado a todos os olhares. Mas Gertrudes e João, pouco a pouco, vão ficando mais íntimos, estreitando os laços afetivos que os unem, descobrindo sentimentos que ambos desconheciam e que os assustam em virtude das circunstâncias.

A delicadeza desse enredo, repleto de sentimentalismo, aliada a uma escrita cuidadosa, artística e poética, torna a experiência de leitura no mínimo impressionante. A parte final da novela é que peca por suas tintas mais fortes; é quando nos deparamos com o exagero típico dos românticos e com cenas evidentemente teatrais e menos convincentes.

Não entendo como o público brasileiro tenha ignorado um prosador do quilate de Hermann Sudermann. Concluí a leitura d’O Moinho Silencioso ainda sedento de sua escrita sedutora e reconfortante. Chegando à última página, à última frase, a sensação final é de contentamento por poder apreciar uma autêntica obra de arte.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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domingo, 3 de abril de 2022

Retrato de Luciano, de Alberto Leal - RESENHA #178

Alberto Leal (1908-1948) foi um escritor paulista que, além da literatura, dedicou-se ao jornalismo, à medicina e à lavoura. Foi casado com a também escritora Isa Silveira Leal, que acabou ganhando mais notoriedade, sendo mais lembrada atualmente.

Retrato de Luciano (1949) é um romance póstumo. Trata-se de meu primeiro contato com o autor. Ainda que não seja classificado como infantojuvenil, a narrativa lembra bastante aquele estilo dos primeiros autores publicados na lendária “coleção Vaga-Lume”. É sem dúvida um livro despretensioso e simples que, embora não revele qualidades extraordinárias, não deixa de ser um passatempo agradável.

Os personagens, de modo geral, se não são aprofundados, ao menos têm uma participação eficiente no enredo, não chegando a ser meros figurantes como ocorre em alguns livros. O leitor consegue ter uma noção satisfatória sobre cada personalidade presente na história.

O enredo é sobre o jovem Luciano, um garoto órfão de pai e excessivamente mimado pela mãe, que encontra dificuldades em consolidar-se profissionalmente em sua vida adulta. Maria Angélica, a irmã mais velha, é a cabeça da família, que, a seu modo, tenta melhorar a educação inadequada recebida por Luciano.

Dona Afonsina é uma mãe superprotetora que não mede esforços para auxiliar o filho caçula em seus negócios duvidosos que sempre dão prejuízos à família. A interferência de Maria Angélica ou mesmo a influência do tio Lupércio não impedem que Luciano seja ludibriado por pessoas mal-intencionadas e que se aproveitam de sua inexperiência.

Quando, porém, Luciano é mandado para o sítio do tio Triburtino, em Mato Grosso, o leitor, pelos olhos do protagonista, testemunha os problemas de educação sofridos pelo próprio Luciano sendo reproduzidos em seu primo Escotino. É quando compreendemos, junto com o personagem, o caminho seguido por ele e que resultou nas suas falhas de caráter.

Retrato de Luciano segue esse modelo simples em que o herói passa por uma série de dificuldades até finalmente deparar-se com a experiência salvadora que lhe mostrará o caminho certo para sua redenção. Seria um livro bobinho, não fossem as qualidades literárias de Alberto Leal, que as sabe aplicar convenientemente: no uso do bom humor; na apresentação de personagens secundários que enriquecem o livro, como Mimi, Roberto e Tinoco; e na condução do enredo que segue em ritmo fluido e favorável.

Quanto aos problemas do livro, um leitor menos paciente poderá achá-lo “parado” e carente de episódios interessantes. A leveza do estilo e o desenho de alguns personagens beiram a infantilidade em diversos momentos. A esposa de Luciano (Mariana), por exemplo, desempenha um papel muito teatral, desses muito comuns em telenovelas.

Se considerarmos, porém, o romance de Alberto Leal como um livro para jovens (de sua época), teremos uma obra bastante satisfatória, à qual não faltam boas qualidades, além de um entretenimento saudável e proveitoso.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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