segunda-feira, 27 de junho de 2016

Mais Livros! - JUN/2016



Este mês trouxe títulos bastante desejados para a minha estante. Como sempre, é claro rsrsrs! Mas o que me deixou mais feliz foi finalmente ter conseguido (depois de muito tempo garimpando) uma tradução da obra mais famosa do francês Xavier de Montépin, um gênio do folhetim policial no século XIX. Trata-se de La Porteuse de Pain (1884-1887), que foi um grande sucesso até meados do século passado, passando por várias adaptações, seja para o cinema, teatro, quadrinhos e até novelas radiofônicas. O curioso é que a obra do Montépin aparecia com títulos diferenciados: A Entregadora de Pão, A Padeira, Os Milhões do Criminoso, todas traduzidas ou adaptadas do mesmo original já citado. O grande êxito da novela radiofônica Jeanne Bertier, reprisada várias vezes no Brasil, fez com que a Editora Brasil lançasse (talvez nos anos 50) o romance de Montépin com o título O Romance de Jeanne Bertier. O que não entendi foi por que a adaptação radiofônica alterou o nome da protagonista, que no original é Jeanne Fortier. Vá entender!? O bom é que, de um jeito ou de outro, finalmente obtive um exemplar desse livro que era um dos meus sonhos de consumo rsrsrs. Se não o ler ainda este ano, lerei no próximo com certeza! O livro tem mais de 600 páginas, com letra pequena... Cotejei com o original francês e a tradução me pareceu completa! Depois da experiência Os Mistérios de Paris, ainda estou meio traumatizado rsrsrs.

Outra obra que já pode ser considerada rara é O Livro Apócrifo de Dom Quixote de La Mancha, de Alonso Fernadez de Avellaneda, que a editora Itatiaia lançou em 1989. Adquiri a versão em capa dura, com sobrecapa e ilustrações. Nunca ouvi falar de outra tradução do Quixote apócrifo; por isso, acredito que essa do Eugênio Amado tenha sido a única. É o tipo de livro que se busca, a título de curiosidade mesmo! Só tomei conhecimento que existia um D. Quixote apócrifo depois que adquiri a edição da editora 34. Publicado em 1614, entre as publicações do primeiro e segundo livros legítimos do Cervantes, a obra de Avellaneda pretendia antecipar as prometidas novas aventuras do cavaleiro da triste figura. Alguns críticos afirmam que se Cervantes nunca houvesse publicado o verdadeiro Quixote, a obra de Avellaneda seria considerada uma obra-prima, uma vez que a mesma possui qualidades inegáveis. O curioso é que nunca se descobriu de fato quem se escondia por trás desse pseudônimo “Avellaneda”.

Essas duas aquisições foram as mais festejadas do mês; por isso, empolguei-me um pouco falando delas. Serei mais sucinto com as demais. Prometo! rs.

Do inglês Charles Dickens, adquiri Grandes Esperanças, tão elogiado pelos fãs de Dickens. A edição é daquela coleção de clássicos da editora Abril, pulicada em 2010, com capas em tecido. Não tinha nenhum livro dessa coleção e fiquei encantado com a qualidade e com o apêndice suplementar. Não é um David Copperfield da Cosac, mas é muito bonito também. Tava pensando aqui... É uma pena a Cosac não ter lançado Oliver Twist, nos moldes de David. Já pensou? Seria tudo de bom. Estou sofrendo pra achar uma edição decente. Alguma sugestão?

Adquiri há algum tempo uma edição portuguesa denominada Teatro de Tirso de Molina, que continha a peça que procurava: O Sedutor de Sevilha, obra em que aparece, pela primeira vez na Literatura, o mito de D. Juan. A edição, contudo, não trazia a obra mais célebre do autor: Don Gil das Calças Verdes, que finalmente obtive em edição da Ediouro. De Bernard Shaw, por outro lado, não tinha nada. Depois que assisti, na faculdade, aquele filme clássico My Fair Lady (1964), fiquei curioso para ler a obra que o inspirou. Tratava-se de Pigmalião, obra teatral de 1913. Acabei optando por uma edição de 1971 da editora Opera Mundi, que além de trazer Pigmalião, contém a peça Santa Joana (1923), obra que rendeu a Shaw o Prêmio Nobel em 1925. Só não fiquei totalmente satisfeito porque o Pigmalião desta edição está adaptado (tradução e adaptação de Miroel Silveira). O tradutor explica os motivos da adaptação, citando as questões de fonética do inglês que compreendem o assunto da peça. De fato, somente um falante daquela língua, poderia absorver perfeitamente o conteúdo da peça de Shaw. Sei que existe uma tradução do Millôr Fernandes, pela L&PM, que dizem ser bastante fiel, mas que também não se isenta do processo de adaptação, pelos mesmos motivos.

Passemos para Émile Gaboriau, o francês criador do detetive Lecoq, considerado o pai de Sherlock Holmes e avô de Hercule Poirot. Conheci esse pioneiro do romance policial, graças à “Coleção Saraiva”, que publicou em 1961 O Caso Lerouge, primeiro livro com o detetive Lecoq. Depois, quando adquiri a “Coleção Cinzenta” (da mesma Saraiva), obtinha Monsieur Lecoq, outro romance com o mesmo detetive. Só então percebi que Gaboriau criara uma série de romances com Lecoq. Foram 10 livros ao todo, cada um com seu caso independente. Leria os 10 com prazer, mas, ao que parece, só três foram traduzidos no Brasil: os dois já citados e O Mistério de Orcival, lançado pela Nova Fronteira em 1976. Este último foi o que adquiri este mês. Pretendo lê-los em ordem cronológica.

Obtive também o best-seller As Minas de Salomão, do inglês Rider Haggard, na famosa tradução de Eça de Queirós. Nem preciso dizer que o contato com a obra do Eça foi o que me apresentou e me motivou a comprar esse livro. Da saudosa Cosac Naify, adquiri Bambi, de Felix Salten; e como não resisto a uma sequência, desenterrei uma já raridade também: Os Filhos de Bambi, numa edição detonada (mas legível) rsrsrs da editora Melhoramentos. Sobre o Bambi da Cosac, nem preciso dizer que é lindo, né? A edição possui capa em tecido, folha de guarda com recortes de fotografias do filme da Disney, e ilustrações de Nino Cais.

Passando para os brasileiros, mesmo sendo bastante averso a antologias, adquiri uma que me pareceu bastante necessária possuir em meu acervo. Trata-se de Os Precursores do Conto no Brasil (Civilização Brasileira, 1960), organizada por Barbosa Lima Sobrinho. Esta relíquia reúne contos que compreendem as primeiras tentativas de se fazer prosa de ficção no Brasil, como A Paixão dos Diamantes, de Justiniano Rocha; A Mãe-Irmã, de Paula Brito; e outras 24 narrativas pioneiras do gênero “conto” no Brasil. Adquiri a tão desejada Obra Completa de Afonso Arinos, de 1968. Pretendo ler Pelo Sertão urgentemente! E da queridíssima Rachel de Queiroz, nossa ilustre cearense, adquiri João Miguel. Pouco a pouco, vou reunindo as obras dela, das quais só não pretendo obter as coletâneas de crônicas.

Daniel Coutinho

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segunda-feira, 20 de junho de 2016

O Homem que Calculava, de Malba Tahan - RESENHA #17

Não entendo muito de Matemática e, pra falar a verdade, nunca fui grande simpatizante dela. Contudo, há bastante tempo, vêm me recomendando este livro de Malba Tahan: O Homem que Calculava (1938). Já ouvi maravilhas dele, especialmente dos colegas matemáticos. Como já o tinha na minha Coleção Saraiva (que merece um post especial, como o que fiz à minha coleção Os Clássicos da ABC Editora), não me custou muito realizar a leitura que finalmente fiz. E sim! Tenho que concordar com meus colegas. Esse livro é mesmo genial!

Antes de mais nada, é necessário esclarecer, para quem não o saiba, que Malba Tahan é um heterônimo do carioca Júlio César de Melo e Sousa (1895-1974). Júlio chegou a escrever uma biografia de seu heterônimo e, por muito tempo, as pessoas acreditaram que Malba Tahan realmente fosse um velho árabe contador de lendas orientais. Interessante que após ter-se revelado, Júlio ganhou do presidente Vargas a inserção do nome Malba Tahan em seu registro de identificação. Embora tenha assinado várias obras como Malba Tahan, O Homem que Calculava foi a única que ficou “a salvo das vassouradas do Tempo”, conforme previra Monteiro Lobato.

O Homem que Calculava traz à tona a eterna discussão dos gêneros. Será romance, novela ou uma simples reunião de estórias? Se optarmos pela linha de pesquisa de Massaud Moisés, entenderemos O Homem que Calculava como novela, por apresentar uma sequência de narrativas interligadas por um grupo de personagens. Mas a verdade é que o conceito mais difundido e que, portanto, acaba sendo o mais aceito, é o de que “novela” constitui um intermédio entre o “conto” e o “romance”. Baseando-me então pela maioria, vou chamar O Homem que Calculava de romance, ok?

Por sua vez, o romance tem lá suas classificações. O Homem que Calculava certamente é um romance didático, principalmente por ser uma obra que objetiva mais instruir que provocar sensações puramente artísticas. Essa instrução, nem preciso dizer, é referente à Matemática. Malba Tahan explora a história, as ramificações, os grandes matemáticos da história e até a filosofia dessa ciência. Claro, ele não poderia ficar apenas na teoria; por isso, realiza a prática através de vários problemas numéricos, muitos deles de puro raciocínio lógico. O livro é repleto de curiosidades sobre números e lendas que envolvem a Matemática, como a origem do jogo de xadrez. Mesmo sendo um livro de pouco mais de 200 páginas, contempla grande porção de ensinamentos, explorando o conhecimento de uma forma bastante dinâmica e divertida.

Você deve estar se perguntando se esse negócio tem enredo ou se é só um livro de Matemática. Sim, tem; mas posso asseverar que o enredo aqui está em segundo plano, até porque, como já disse, o objetivo maior é transmitir noções matemáticas. Desafio qualquer leitor a descascar O Homem que Calculava de todas as suas lendas e problemas numéricos, para identificar o que sobra. Certamente, sobra um enredo fraquíssimo. Sem tirar o mérito do livro, penso que se Malba Tahan tivesse equiparado o plano literário ao didático, sua obra seria muito melhor. Em outras palavras, julgaria mais acertado que a Didática fosse o artifício, e não a Literatura.

O romance é narrado por Hank-Tade-Maiá, que seguindo tranquilamente em seu camelo no caminho de Bagdá, encontra um homem estranho sentado numa pedra, como que em meditação, pronunciando números gigantescos. Esse estranho é Beremís Samir, o homem que calculava. Hank (vou chamá-lo assim) fica impressionado com a incrível capacidade de Beremís em contar desde folhas de árvores à quantidade exata de letras pronunciadas num discurso. Por isso, Hank convence Beremís a acompanhá-lo a Bagdá, onde o engenho do calculista, além de ser justamente aproveitado, poderá render-lhe muitos benefícios profissionais.

Beremís, de fato, com sua capacidade inacreditável de calcular, pouco a pouco, vai realizando grandes conquistas ao longo de todo o livro. Sua agradável maneira de contar estórias e lendas relacionadas à história da Matemática conquista muitos amigos e inimigos também. Não vou contar aqui as estórias, que são muitas, mas posso assegurar que são deliciosamente narradas. A força do livro está justamente nessa aura lendária que, mesmo não passando de artifício para a instrução, não deixa de ser encantadora. Outro ponto forte está na instrução moral que também é apregoada ao longo do livro, visivelmente influenciada pela doutrina cristã, ainda que com essa enganosa capa islâmica. Assim, confesso que me diverti pra caramba com O Homem que Calculava, que me foi sobretudo útil no conhecimento da Matemática. Consegui até resolver alguns problemas antes de ler a resolução do Beremís, como aquele que envolve um hospedeiro e um joalheiro. Sei que pra quem entende de cálculo é uma bobagem, mas para mim, foi a glória! rsrsrsrs.

O curioso é que cotejei minha edição (Saraiva, 1949) com uma daquelas mais atuais, da editora Record, e percebi que há muitas diferenças. O pior é que não encontrei nenhuma explicação quanto aos acréscimos e omissões das novas edições. Fiquei na dúvida se as alterações foram feitas pelo próprio autor, porque a edição não traz nenhuma nota explicativa a esse respeito. Quem souber de alguma coisa, por favor, me ajude a resolver esse mistério rsrsrsrs. O pior é que as diferenças, embora não alterem basicamente o conteúdo principal, são muitas e perceptíveis ao longo de todo o livro. O que mais me impressionou é que foi excluído o capítulo em que Beremís explica a relação entre o número 40 e a lenda de Ali Babá e os Quarenta Ladrões, de maneira que a edição da Record tem 34 capítulos, ao invés de 35 (conforme a que li). Os títulos dos capítulos, em muitos casos, também aparecem com algumas diferenças. Enfim, não cotejei todas as divergências, até porque precisaria ler o texto integral dessa outra edição e, sinceramente, não estou interessado. Também não vou afirmar que a edição da Record é infiel ou adulterada, mas ainda prefiro a minha, uma vez que foi publicada em vida do autor.

Fica a dica de um livro fantástico, obrigatório para quem gosta de Matemática, divertido ainda para quem não gosta, e que, mesmo sendo mais didático que literário, vale sim muito a pena ler!

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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segunda-feira, 13 de junho de 2016

A Volta ao Mundo em 80 Dias (Le Tour du Monde en Quatre-Vingts Jours), de Júlio Verne - RESENHA #16

Todo mundo já deve ter ouvido falar em Júlio Verne e no seu apreciado livro A Volta ao Mundo em 80 Dias. Lido por pessoas de qualquer faixa etária, o público desse francês do século XIX é bastante amplo e diversificado. Eu, particularmente, nunca (mas nunca mesmo) ouvi alguém falar mal da obra do Verne. Desde criança, deparava-me com títulos como Vinte Mil Léguas Submarinas, Viagem ao Centro da Terra e A Ilha Misteriosa. Só mais tarde, porém, é que pude associá-los ao nome do seu autor, e quando vi a relação de toda sua obra... Sem palavras! A grande quantidade aliada à grande qualidade é o que mais surpreende.

A verdade é que só agora, aos quase 25 anos, é que vim de fato ler Júlio Verne (inveja de quem o leu desde a infância! rsrsrs). Como costuma acontecer comigo, criei certa expectativa em relação a ele. Como sempre associei mentalmente Júlio Verne a aventuras e movimento, imaginava que suas obras não passavam disso, e que o seu mérito maior estaria na qualidade dos enredos. Até que acertei, parcialmente, mas ao ler A Volta ao Mundo em 80 Dias, descobri não apenas um autor de grandes aventuras, mas um verdadeiro gênio da Literatura Universal. Que cara mais incrível foi Júlio Verne! Definitivamente, lamento muito não tê-lo lido antes. E se o restante de sua obra for tão bom quanto esta primeira que li, é porque esse autor é realmente uma lenda!!!

A princípio, preciso confessar que fiquei encantado com o estilo irônico e humorístico empregado por Verne até nos títulos dos capítulos. Minha leitura teve início com um sorriso no rosto, intercalado com boas gargalhadas. Foi minha primeira surpresa. Esperava aventura, tive comédia. O que ocorre é que antes de dar início às fabulosas aventuras do livro, o autor faz uma espécie de prólogo para explicar os motivos que levaram o seu protagonista a realizar a tal jornada de volta ao mundo.

Phileas Fogg, homem inglês, é um cara involuntariamente engraçado. Figura séria e recatada, nada é capaz de lhe abalar. Seu gesto é sempre impassível diante de qualquer acontecimento e, durante todo o livro, só o vi exaltado umas duas vezes no máximo. O engraçado está justamente na forma despreocupada como ele age, a tal ponto, que se lhe dissessem que o mundo estaria prestes a acabar, provavelmente, ele diria algo como: “— Sério? Que pena!”, sem nenhum assombro. Sem esposa e sem filhos, ele tem uma vida tranquila e pacata em sua residência na Saville-row. Mesmo tendo fortuna, não faz o mínimo esforço para chamar atenção, e todos os seus movimentos são metodicamente calculados, de maneira que ele não dá um passo a mais sem haver necessidade. A incapacidade de seu criado de atender a essa rigorosidade de horários e minuciosos detalhes acaba decidindo Mr. Fogg a trocá-lo por outro mais atencioso.

Jean é esse novo criado: uma figura ainda mais cômica que o próprio Fogg, mas voluntariamente mesmo rsrsrs. Francês da gema, é conhecido por Chavemestra, pois tem uma impressionante habilidade para sair-se de encrencas. No original, o apelido é Passepartout. Em outras traduções, Chavemestra é denominado de Fura-Vidas, que é até mais engraçado, mas gostei da escolha da minha edição justamente por ser mais fiel. Após uma vida tumultuada em que exerceu várias profissões (cantor, dançarino, professor de ginástica... rsrsrs), Chavemestra está decidido a ter uma vida menos atribulada. Assim, ao tomar conhecimento que Fogg, o sossego em pessoa, precisava de um novo criado, ele logo se apresenta e é admitido. Chavemestra, ao inteirar-se dos horários regrados e estilo metódico do seu novo senhor, ao invés de embaraçar-se, fica fascinado e sente-se bastante satisfeito.

Mesmo sendo o mais reservado dos homens, Phileas Fogg é integrante do Reform-Club, ambiente destinado a nobres cavalheiros da sociedade inglesa. Mas o interesse de Fogg não está exatamente na conversação amigável e interessante, mas na companhia para jogar whist, jogo no qual é viciado. Contudo, enquanto os cavalheiros lançam cartas na mesa, não conseguem evitar aquele velho dedo de prosa rsrsrs. O assunto da vez é o assalto ao Banco da Inglaterra. Todos comentam sobre onde possa ter se refugiado o ladrão que, àquela altura, ainda não fora encontrado. No meio da conversa, surge a ideia de que em pleno ano de 1872, com os inúmeros meios de transporte disponíveis, é bem possível a um homem fazer a volta ao mundo em três meses. Ao ouvir aquilo, Phileas Fogg, movido pelo seu instinto matemático de ser, não resiste a dizer que, na verdade, para uma volta ao mundo, não seriam precisos mais que 80 dias. Os companheiros de Fogg persistem em desacreditar em tal probabilidade, uma vez que, na prática, muitas circunstâncias poderiam atrasar uma jornada como aquela. Sentindo-se desafiado, Fogg combina uma aposta de vinte mil libras, decidido a partir naquela mesma noite, às 8:45h do dia 2 de outubro, e regressar justamente ao Reform-Club às 8:45h do dia 21 de dezembro, 80 dias depois.

Quando Chavemestra é informado que seu novo senhor pretende fazer um lindo passeio de volta ao mundo, nem preciso dizer o grande susto que tem. A princípio, ele pensa ser uma brincadeira, mas quando percebe que o negócio é sério mesmo, desespera-se, mas resigna-se a partir naquela arriscada empresa. A partida de Phileas Fogg deixa Londres bastante agitada e várias pessoas começam a apostar sobre o sucesso ou fracasso que ele poderia ter em sua jornada. No entanto, quando aparece uma caricatura de Mr. Fogg no jornal, nota-se uma grande semelhança com o retrato feito do tal bandido que assaltou o Banco da Inglaterra. O detetive Fix imediatamente segue o rasto de seu suspeito, acreditando que a tal viagem de volta ao mundo não passara de uma desculpa esfarrapada de Fogg para fugir do país. Assim, Phileas Fogg e seu fiel escudeiro (não tem como não lembrar D. Quixote) seguem o perigoso itinerário de volta ao mundo, descrentes sobre os muitos obstáculos que o detetive Fix colocará pelo caminho, até finalmente conseguir um legítimo mandado de prisão, que além de significar a captura, poderá resultar na perda da aposta e, por conseguinte, toda a fortuna de Mr. Fogg.

Não pensem que contei muita coisa. Na verdade, só contei mesmo o que chamo de prólogo, ou seja, os acontecimentos que desencadearam a narrativa. A Volta ao Mundo em 80 Dias é obra bastante heterogênea, pois não se limita somente às aventuras de Mr. Fogg e Chavemestra. O autor percorre tantas áreas do conhecimento que, não poucas vezes, senti-me leigo quanto aos assuntos tratados: história, geografia, sociologia, política, religião e muitos outros. A obra de Júlio Verne, como já deu pra perceber, é riquíssima de conhecimento, sem deixar de ser empolgante e divertida através do fascinante enredo. A leitura suscita tantas considerações e tantos pensamentos, que é meio difícil abarcar numa resenha todo o colossal engenho empregado por Júlio Verne. É obra mesmo digna de estudo e com muito pano pras mangas rsrsrs. Além dos vários campos do conhecimento percorridos, o autor muda muito o estilo do próprio texto. Ora a narrativa é mais fluida e concentrada nas peripécias do enredo, ora traz um modo mais sarcástico e irônico de narrar, ora pinta cenas engraçadas, ora comove o leitor com tragicidades arrepiantes... e por aí vai! No mais, junte isso à riqueza de costumes abordados dos mais diversos povos de vários países, ao longo da jornada de um homem excêntrico, que não está disposto a fazer turismo, mas a rodar o mundo em 80 dias, que você terá alguma noção do que é esse livro! Será que ele vai conseguir? De antemão, sem dar spoiler, já advirto que o final desse livro não é nada previsível; ao contrário, compreende uma inusitada surpresa num dos desfechos mais bem elaborados que já li na vida.

Como ninguém é perfeito, percebi que a fraqueza de Verne está na construção das figuras femininas. O livro possui uma única personagem feminina importante, Mrs. Aouda, que merecia mais espaço e uma melhor elaboração, uma vez que, ao final de tudo, terá um importante papel. Infelizmente, o autor não lhe deu a atenção e o cuidado devidos, talvez por ser esta mesma sua fraqueza, conforme já citei. Contudo, lendo Júlio Verne, esquecia-me de que lia um autor do século XIX. Percebi o quão à frente do seu tempo ele estava, não só por ter antecipado uma porção de invenções inexistentes em sua época, mas por criar um estilo tão original que influenciou consideravelmente a literatura do século XX e, por que não dizer, a atual também.

Avaliação: ★★★★★
Daniel Coutinho

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sábado, 11 de junho de 2016

Sobre a edição condensada de "Os Mistérios de Paris" (Eugène Sue) da Editora Eli



A célebre história de Rodolfo, o príncipe alemão que, após a trágica perda de sua filha, decide passar-se por homem do povo, a fim de levar auxílio e socorro à classe mais miserável de Paris. Esse é o mote de uma das obras mais populares da história da literatura universal: Os Mistérios de Paris, de Eugène Sue. 

***

Há muito tempo tinha vontade de ler Os Mistérios de Paris, do francês Eugène Sue, mesmo sendo tal obra desprezada pela crítica mais austera. Contudo, aclamada como folhetim dos folhetins, esta obra sempre despertou minha curiosidade. Conta-se que os doentes adiavam a morte para não perderem o folhetim do dia seguinte, que era acompanhado não só na França, mas em boa parte do mundo.

Sou apaixonado pela cultura folhetinesca. Queria ter vivido nessa época só para acompanhar os folhetins rsrsrs. Felizmente, hoje, temos muitas dessas obras reunidas em livro; e, embora muitos críticos menosprezem a cultura do folhetim, devemos lembrar que grandes gênios da Literatura fizeram carreira através dele, como Balzac, Dickens, Victor Hugo e muitos outros.

Les Mystères de Paris foi publicado pela primeira vez no Journal des débats, de 19 de junho de 1842 a 15 de outubro de 1843. Causou grande impacto na época, especialmente por ser o primeiro romance a reunir uma quantidade exorbitante de personagens de diferentes níveis sociais, e chamou a atenção de autores famosos como Karl Marx, Edgar Allan Poe e Victor Hugo, sendo este último o mais visivelmente influenciado (por conta d’Os Miseráveis).

Tudo isso era ou não motivo para ficar curioso sobre esse romance? O grande problema era encontrá-lo em português. A extensão da obra, de certa forma, deve ter contribuído para que as editoras não se interessassem em imprimir Os Mistérios de Paris. Mesmo assim, tanto no século XIX como no XX, a obra-prima de Sue foi publicada na íntegra em português, em vários volumes, como já era de se supor. O problema é reunir a obra completa, porque tudo o que encontrei nos sebos foram volumes avulsos, geralmente de edições diferentes, de maneira que, por exemplo, o 5º volume da editora x não é exatamente a continuação imediata do 4º volume da editora y. Nessas horas que faz falta não saber ler em inglês rsrsrs. A Penguin-Classics lançou The Mysteries of Paris, na íntegra, no final do ano passado, com quase 1400 páginas. Também já encontrei no Google Books a versão completa em espanhol, numa edição bem antiga em 5 volumes. Leio razoavelmente bem em espanhol, mas preferia já ter alguma noção do livro, para facilitar o processo. Daí, optei por ler uma edição brasileira que encontrei com texto condensado. De mais de 1000 páginas para 350, imagem aí! rsrsrs. Se eu soubesse...

O problema não era o texto ser condensado. Li Oscar e Amanda ano passado, nas mesmas circunstâncias, e foi maravilhoso! O problema foi a tradução estar horrível e a adaptação ainda pior. Portanto, fujam dessa edição condensada de Os Mistérios de Paris (Editora Eli, s/d). Ela só serviu mesmo para estragar minha experiência com a obra do Sue, pois além de ter inúmeros erros tipográficos, os tradutores/adaptadores tentaram inserir a trama completa em 350 páginas. Imaginem aí: cada página que passava, um novo personagem, uma história diferente, muitas vezes sem nenhuma conexão. Em algumas passagens, dava para perceber que a história corria violentamente (e que muitas cenas eram resumidas provavelmente); em outras, a história desacelerava em algum personagem secundário, fazendo ênfases que me pareciam desnecessárias. A impressão que tive foi de que foi um serviço muito mal feito mesmo, e estou falando da tradução/adaptação e não da obra do Sue. No mais, tive muita dificuldade de compreender o enredo, especialmente pelas quebras de continuidade e demais problemas da edição. Mas o pior, o pior mesmo, é que a trama central já não me causará nenhuma surpresa quando for ler a versão integral. A leitura desse livro pareceu-me uma chuva de spoilers e sinto-me profundamente arrependido de ter lido isso.

Não obstante a terrível experiência, pude absorver muita coisa da história, contudo, de forma muito confusa. Há muitos detalhes que ainda não entendi ou que me pareceram muito vagos, de maneira que não me sinto capaz nem de avaliar, muito menos de escrever uma resenha dessa obra. Fiquei bastante empolgado com a trama em si e decidido completamente a ler a versão integral (ainda que em espanhol), mas certamente não será algo para já. Sinceramente, queria esquecer tudo que li: quem morreu, quem se deu bem, quem escapou, quem se suicidou... e sobretudo o final! Minha gente, o final... necessito esquecer aquele final rsrsrs. Mesmo que deixe passar um tempo, provavelmente não esquecerei certos detalhes; por isso, estou experimentando uma fúria literária que nunca tinha sentido antes rsrsrs. Sinto-me literalmente roubado e, definitivamente, vou pensar MUITO antes de ler outra versão condensada, mesmo de algum outro livro indisponível na íntegra em português.

Finalmente, deixo meu apelo às editoras brasileiras: lancem Os Mistérios de Paris, na íntegra, e numa tradução decente, por favor, porque certamente é um livro que além de ser um dos mais importantes da história da literatura e ter influenciado tanta gente até hoje, merece sim ser redescoberto pelo público brasileiro.

Daniel Coutinho

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segunda-feira, 6 de junho de 2016

Aquarelas, de Léo Prudêncio - RESENHA #15

Hoje, vou falar de um livro muito fofo que, de certa forma, até me surpreendeu por sua extrema delicadeza e sensibilidade. Trata-se de um lançamento imperdível deste ano, Aquarelas: haicais, de Léo Prudêncio.

Sim... É aquele livro amarelo com passarinhos na capa do Mais Livros! de abril rsrsrsrs. Estava muito ansioso para lê-lo, mas como estava ocupado com os casos sobrenaturais de Os Mistérios de Udolph0, tive que esperar um tempinho; mesmo assim, Aquarelas furou a fila de leituras que preparei para o ano, mas merecidamente. Confesso que fico empolgado com lançamentos de amigos, porque sim, Léo Prudêncio é meu amigo e ex-colega do Curso de Letras. Deixem pois que fale um pouquinho do autor, até para apresentá-lo a leitores que ainda não o conheçam.

Léo Prudêncio é natural de São Paulo, mas foi no meu Ceará que ele passou a maior parte da sua vida. Um apaixonado pela leitura, não esconde sua preferência pela “poesia” e, desde cedo, foi um apreciador dos grandes poetas brasileiros. A “música” é outra paixão que sempre lhe motivou; nem sei bem se veio antes ou depois da “poesia”; mas a verdade é que música e poesia estão estreitamente ligadas e em constante comunicação. Na poesia de Léo Prudêncio, contudo, a música sobressai enquanto influência, o que deixa bem claro sua obra de estreia: Baladas para Violão de Cinco Cordas (2014).


Esse livro de estreia é obra interessantíssima, a começar pelo projeto gráfico que brinca ao buscar assemelhar-se a um disco de vinil. Os poemas se dividem em duas partes: Lado A e Lado B; e uma porção de outros recursos criativos é empregada com muita felicidade no Baladas, que é mesmo obra genial!

Após tão entusiasmada estreia, o estro de Léo foi buscar na cultura japonesa matéria para sua nova obra, já tão ansiada pelos seus leitores. Assim, o “haicai” foi o gênero escolhido para vazar sua inspiração. Se você não sabe, assim como eu também não sabia, que diabo é “haicai”, deixem que explique resumidamente. “Haicai” é uma forma poética de origem japonesa, que se popularizou e se tornou conhecida em todo o mundo a partir da obra de Bashô, que pode ser considerado o pai do “haicai”. A estrutura clássica do haicai é: estrofe única de três versos (terceto), sendo o primeiro e o último pentassílabos, e o do meio heptassílabo. No Brasil, Guilherme de Almeida difundiu o “haicai” a partir de sua obra Poesia Vária (1947), sendo que, antes, já havia divulgado um pouco da cultura haicaiana através do jornal.


Lendo Aquarelas, pude entender o porquê desse título. De fato, cada haicai é como se fosse a transposição de um quadro em palavras, porque o livro é isso: reunião de 99 detalhes ou impressões sobre o mundo: o homem, os animais, a natureza, a própria vida. Para mim, foi uma novidade, e das boas! É diferente, claro, especialmente quando é seu primeiro contato com o gênero. A princípio, parece meio estranho essa sequência de composições breves, mas depois que passei a encará-las como “aquarelas” que falam pelo silêncio, como menciona a prefaciadora, aproveitei melhor a experiência.

Os temas, conforme já referi, são diversos. As composições não obedecem estrutura métrica ou rítmica. A surpresa maior que tive com a leitura foi o estilo: a leveza, a singeleza e a delicadeza sobretudo. Os haicais reproduzem imagens tão simples e despretensiosas (em sua maioria), que em algum momento, esqueci que estava lendo Léo Prudêncio com toda sua poesia moderna. Talvez por inspirar-se numa forma clássica, a impressão que tive deste novo livro foi diferente à do anterior: percebi uma universalidade maior nessa representação da natureza, entremeada algumas vezes por outras influências, como a “música”, que não poderia faltar. Fiquei feliz por reconhecer nas páginas de Aquarelas a natureza cearense: a serra da Meruoca, nossos cajus e seriguelas.


É meio difícil escrever sobre poesia, ainda mais quando na brevidade e no silêncio, diz-se tanta coisa! É uma experiência mais para se sentir do que para comentar. Para concluir, só queria revelar que se Baladas para Violão de Cinco Cordas apreciei pelo som; Aquarelas apreciei pela imagem.

Audição, visão... Ô, Léo Prudêncio, seu próximo livro será olfato? rsrsrs

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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Adquiram o livro Aquarelas: haicais, de Léo Prudêncio (lançamento 2016!).
> Com o autor:
> Blog do Léo Prudêncio:
https://prudencioleo.wordpress.com/