sábado, 11 de julho de 2020

A Teia de Charlotte (Charlotte's Web), de E. B. White - RESENHA #138

Apaixonado que sou pelos clássicos infantis, decidi finalmente me aventurar pel’A Teia de Charlotte (1952), do norte-americano E. B. White. E, como já era de se esperar, fiquei bastante encantado com esta leitura.

Acreditem se quiser: apesar da fama universal desta história (amplamente difundida em diversas adaptações), eu não fazia ideia do que se tratava, o que colaborou para que o livro fosse uma bela surpresa. Mas o que novamente me chamou atenção foi que o tema da morte é mais uma vez explorado, tal como em outros clássicos do gênero, como O Pequeno Príncipe, O Menino do Dedo Verde, Marcelino Pão e Vinho, dentre outros.

Wilbur é um filhote de porco que deveria ter sido sacrificado por nascer “pequeno e fraquinho”, mas a pequena Fern impede que seu pai se desfaça do pobre animal. A garotinha logo assume a responsabilidade de cuidar e alimentar o filhote, mas, depois de algumas semanas, o mesmo é vendido para Homero Zuckerman, tio de Fern.

Em sua nova casa, Wilbur goza da companhia de vários animais, além de receber periódicas visitas de sua protetora; contudo, lamenta não ter um amigo mais próximo, o que logo será satisfeito quando ele conhece a aranha Charlotte, que morava numa bela teia no alto do estábulo.

Charlotte torna-se a melhor amiga de Wilbur, o que o deixa muito feliz, mas, ao saber que seus novos donos pretendem transformá-lo em toucinho e presunto defumado no próximo Natal, desespera-se terrivelmente. No entanto, a sábia aranha não medirá esforços para salvar a pele daquele novo amigo, dando-lhe dessa forma uma verdadeira prova de amizade.

Acessível para leitores de todas as idades, A Teia de Charlotte conquista-nos um pouco mais a cada um de seus pequenos capítulos. A fluidez do texto, aliada às belíssimas ilustrações de Garth Williams, torna a experiência ainda mais dinâmica e interessante, de maneira que encerramos a leitura sem nem nos darmos conta.

Só não dei nota máxima ao livro de E. B. White por pequenos detalhes, sendo o mais grave deles provavelmente a ajuda do rato Templeton na execução do plano de Charlotte. Pareceu-me incoerente que uma aranha tão instruída, leitora e conhecedora do significado de diversos termos, precisasse de sugestões aleatórias de palavras provindas dos recortes que lhe trazia o astuto roedor.

Em contrapartida, as qualidades encontradas n’A Teia de Charlotte tornam a experiência de leitura bastante compensadora. Os personagens são muito carismáticos, principalmente os próprios animais: os gansos com suas falas ecoadas, a ovelha com seus sábios conselhos e até mesmo o glutão do Templeton, que detestava fazer as vezes de garoto de recados.

Mas o que prevalece mesmo no livro, tornando-o encantador, é sem dúvida sua mensagem de amizade, resistente e bela como a seda da teia de uma aranha. Não é sempre que encontramos uma narrativa assim, amiga e bem escrita. A Teia de Charlotte sabe ser as duas coisas.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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sexta-feira, 10 de julho de 2020

Os Índios do Jaguaribe, de Franklin Távora - RESENHA #137

Embora Franklin Távora não seja o romântico com que mais simpatize, preciso é que reconheçamos seu importante papel na literatura cearense, sendo ele o precursor do romance por aqui. Os Índios do Jaguaribe (1862), embora indiscutivelmente menor, saiu mesmo antes da imponente e vetusta Iracema, de nosso patriarca Alencar.

Projetado para ser um romance épico em quatro volumes, Os Índios do Jaguaribe, infelizmente, não passou do primeiro. O insucesso da obra desanimou seu autor de seguir adiante com tal empresa, uma vez que o próprio Alencar, referindo-se ao livro, afirmara que os índios de Távora “precisavam ser descascados”. O comentário afrontoso do criador de Peri não ficaria sem réplica, provocando as famosas Cartas a Cincinato, nas quais um tal Semprônio atacaria a virgem dos lábios de mel.

Se o autor d’O Cabeleira não atingiu a poesia de Iracema ou mesmo o poder de fabulação do Ubirajara, também não se pode dizer que não prestou nenhuma contribuição com seu primeiro romance que, conquanto inacabado, vale por seu caráter precursor. Além disso, apesar de seus defeitos, o livro entrega no mínimo um episódio curioso tendo como pano de fundo a colonização do Ceará, e também provoca curiosidade sobre o destino de seus personagens, matéria que seria desenvolvida em El Dorado, o segundo volume jamais concluído.

O jovem Franklin Távora, interessado pela corrente indianista e desejando explorar um assunto histórico de sua terra natal, traça seu romance basicamente a partir de dois núcleos: o dos silvícolas e o dos colonizadores. À parte da ficção histórica, temos uma espécie de panfletista disposto a criticar o Império e enaltecer a República, principiando por tecer considerações ásperas sobre o descaso do imperador para com a região setentrional.

No plano dos silvícolas, temos a grandiosa figura de Jurupari, guerreiro tabajara que se sobressai entre os demais, não só por sua força e bravura, mas pela qualidade sobrenatural de encantar animais, fato este que suscita diversas cogitações e explicações míticas, além da inveja do próprio Jaguari, o chefe ou cacique.

Jurupari é apaixonado por Igaraí, mas esta o despreza em razão de seu amor por Japi, cuja sorte se desconhece desde que fora capturado pelos emboabas. Decidido a convencer sua amada sobre seus sentimentos, Jurupari declara que, pelo amor de Igaraí, seria capaz de extinguir toda a sua tribo e beber o sangue do chefe.

Jaguari, acompanhado de Inharé, pajé dos tabajaras, acaba testemunhando o discurso afrontoso do destemido guerreiro, e aproveita-se dessa circunstância para conseguir a condenação de Jurupari durante um conselho entre os grandes. No entanto, muitos guerreiros inconformados tramam uma conspiração para derrubar Jaguari e elevar o condenado à posição de novo chefe.

Quanto aos colonizadores, inicialmente o autor nos leva a Sevilha para conhecê-los. O Dr. del Sarto e o explorador Pero Coelho de Souza contratam Vraimont, navegador francês, a fim de fazerem uma expedição para o Brasil. Del Sarto tem interesses puramente científicos, enquanto seu amigo português aspira por descobrir o lendário El Dorado.

Raul, jovem pintor, decide acompanhar o médico espanhol em sua expedição, uma vez que del Sarto levaria sua filha Matilde, por quem o moço é apaixonado. No Brasil, enquanto fazia um de seus esboços, Raul presencia uma cena que acaba denunciando uma possível traição por parte de Vraimont, que na verdade seria aliado de Adolfo Montbille, explorador francês e inimigo dos portugueses.

A interrupção do romance acaba deixando algumas lacunas na história, mas há passagens dignas de nota n’Os Índios do Jaguaribe, sobretudo nos capítulos finais. O preciosismo da linguagem de nosso jovem e presunçoso autor é que pode causar alguma estranheza, principalmente ao leitor contemporâneo. As notas de Otacílio Colares à terceira edição podem esclarecer alguns pontos, mas, por outro lado, os erros tipográficos da mesma provocam incômodo ainda maior.

Sobre as palavras de Alencar em relação à estreia de seu conterrâneo, eu diria ser mais acertado afirmar que o livro todo carecia ser “descascado”, principalmente no tocante à linguagem pretensiosa e repleta de arcaísmos, mas não posso concordar com o posicionamento radical de Lúcia Miguel-Pereira quando disse: “Não existe o romancista Franklin Távora”.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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sábado, 4 de julho de 2020

O Apanhador no Campo de Centeio (The Catcher in the Rye), de J. D. Salinger - RESENHA #136

Há alguns anos, quando li O Morro dos Ventos Uivantes, da inglesa Emily Brontë, experimentei isso que costumam chamar de “relação de amor e ódio”, uma vez que, mesmo repudiando os personagens detestáveis do livro, sentia-me atraído pelas qualidades ficcionais daquela autora.

Algo similar ocorreu agora que li O Apanhador no Campo de Centeio (1951), do norte-americano J. D. Salinger, mas só no que se refere à sensação experimentada, já que o objeto da motivação não foi o mesmo. Holden Caulfield está longe de ser tão repulsivo quanto Heathcliff e, embora muita gente o deteste por ser um adolescente revoltado, preciso confessar que a mim ele não causou tanta antipatia.

Mas então no que consiste o ódio da minha relação dúbia quanto a este livro? Possivelmente na técnica escolhida por Salinger para desenvolver seu único romance, além do fato de, conhecendo-se a vida pessoal do autor, percebermos que estamos diante de uma autobiografia mal disfarçada de ficção.

Ambos os fatores refletem mais uma questão de gosto pessoal que necessariamente problemas literários, mas, dada a quantidade de pessoas que reprovam o livro, podemos pensar se as escolhas de Salinger foram mesmo as mais acertadas. A mim, principalmente na primeira metade do texto, o romance soava monótono e enfadonho, já que as aventuras/interações de Holden não ganhavam o meu interesse.

Diante desse obstáculo, as ideias do protagonista sobre fatos e pessoas acabavam compensando a trajetória de leitura. Como Holden é o narrador do livro, temos acesso às suas impressões de mundo e seu olhar imaturo diante da vida. Quando valorizei esse aspecto do romance em detrimento do enredo em si, passei a fazer um aproveitamento maior da obra de Salinger, que realmente vale mais enquanto romance filosófico.

Quanto ao enredo, para quem ainda o desconheça, O Apanhador no Campo de Centeio nos apresenta basicamente o tumultuado fim de semana de Holden Caulfield, um estudante de dezesseis anos que acaba de ser expulso da escola. Receoso de como os pais lidariam com mais uma expulsão, o garoto escapa do internato e planeja umas “férias” em Nova Iorque.

O livro todo é um grande relato de Holden possivelmente para o editor que publicaria sua história. A linguagem, própria de um adolescente, pode soar repetitiva e carregada. As inseguranças e questionamentos da adolescência são explorados segundo as ideias do narrador-personagem, para quem quase todo mundo é fajuto. Contudo, mesmo desiludido com a humanidade, Holden revela simpatia e interesse pelas pessoas com quem se depara, como se estivesse à procura de alguém que realmente pudesse agradá-lo, mas a única que parece realmente fazê-lo é sua irmãzinha Phoebe, que participa de alguns dos momentos mais interessantes do livro.

A metáfora do título, quando finalmente explicada, talvez seja o ponto mais alto do relato, mas a cena do carrossel é quase que do mesmo nível. A ideia de Holden ser mesmo um inadaptado é um tanto ultrarromântica, como se ele fosse um Byron moderno ou coisa do tipo. Essa dificuldade de se encaixar no mundo é um tema mais antigo que nossos tataravós, como diria Holden; a genialidade de Salinger, no entanto, está em saber traduzir o problema sob o olhar imaturo de um garoto com pouco mais de dezesseis anos.

Embora O Apanhador no Campo de Centeio não seja exatamente o tipo de leitura que eu mais aprecie, não desprezo seus méritos e principalmente a importância que teve para sua época. O problema é se, após a leitura, você desejar se livrar de alguém que considere fajuto. Se acontecer, peço que, por favor, mantenha a calma e vá ler algo como O Retorno do Nativo, do Thomas Hardy, um livro que, aliás, o próprio Holden recomendaria.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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