sábado, 19 de fevereiro de 2022

A Vida que Sonhei (Le Carnaval d'Été), de Germaine Acremant - RESENHA #175

Germaine Acremant (1889-1986) foi uma premiada escrita francesa do século passado. Foi mais um dentre tantos conhecimentos que travei a partir da lendária Coleção Saraiva, em torno da qual estou fazendo um projeto pessoal de leitura este ano. Infelizmente a autora não caiu na minha graça, o que tentarei justificar por esta resenha.

A Vida que Sonhei (1928) é o tipo de livro que em nada me cativou, daqueles que, se não fosse tão curto, eu certamente teria abandonado. A escrita, mesmo simples e fluida, não tem maiores atrativos. Os personagens são tipos desinteressantes e pouco aprofundados. O enredo é arrastado e desenxabido. Foi um péssimo começo enfim com a obra de Germaine que, imagino, deve ter publicado livros melhores.

Eu simplesmente não consegui absorver os propósitos do livro, pois mesmo aquilo que parecia ser o ponto central do romance (a frustração de um homem após uma mudança de vida) não é devidamente desenvolvido ou tratado com detença. Além do quê, a narrativa, que pretende ser humorística, em momento algum dialogou com minha veia cômica.

Bonifácio Cottebeke, o protagonista, é um homem de meia-idade que, após muitos anos trabalhando com o comércio de móveis, decide aposentar-se e desfrutar dos rendimentos obtidos numa cidade pequena onde pudesse passar por capitalista. Essa era a “vida sonhada” por ele, mas, ao ver-se longe de suas ocupações habituais, torna-se um velho ranzinza e avarento.

Desprovido de suas atividades comerciais, o Sr. Cottebeke assume o controle de todos os gastos na nova casa, batendo-se de frente sobretudo com Melânia, a criada que acompanha a família há anos. Luísa, a esposa do capitalista, percebendo as mudanças no marido, lamenta a vida que deixaram para trás; contudo, nada realiza contra sua insatisfação. A filha do casal, Lúcia, talvez a personagem mais insuportável do livro, longe de manifestar interesse pelos pais, só deseja partir para um internato em Paris.

A entrada do Dr. Bruno Padisty na história, que prometia ser a salvação da trama, pouco acrescenta de interessante. Bruno torna-se pensionista do Sr. Cottebeke que, de sua parte, vê no jovem médico um candidato favorável a genro. Viviana é outra personagem falsamente promissora. Sua participação no livro é tão desinteressante quanto a de qualquer outro personagem. Nem para compor um triângulo amoroso ela serviu; tal como Inácio Plaetevoet foi um péssimo antagonista.

Em resumo, A Vida que Sonhei traz uma história rasa que em nada se aprofunda. O leitor espera do protagonista um momento de consciência pelo qual ele perceba o quanto subestimou sua vida no comércio, para que finalmente reconheça o equívoco que constituiu sua “vida sonhada”. De Luísa esperava-se uma reação mais notória quanto à sua insatisfação na nova cidade, nem que fosse através de um desabafo. Do núcleo romântico, esperava-se uma intriga amorosa que fosse. Nada disso nos entrega a autora!

A Vida que Sonhei nem como entretenimento funcionou para mim. É o tipo de livro que, daqui a alguns dias, precisarei consultar esta resenha para lembrar do que se trata. Ainda acho que fui generoso com minha avaliação final, mas a tradução de Octávio Mendes Cajado, que nos dá um texto cuidadosamente estabelecido, desconfio, tornou tudo menos pior.

Avaliação: ★★

Daniel Coutinho

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terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Majupira, de João Batista de Melo e Souza - RESENHA #174

Todos vocês devem conhecer Malba Tahan e talvez até já tenham lido O Homem que Calculava. Mas aposto que não sabiam da existência de um irmão mais velho do autor e que, como ele, era excelente prosador. Que maravilha que foi para mim conhecer, neste começo de ano, a ficção de João Batista de Melo e Souza.

Majupira (1938) é um romance romântico do século XX e, talvez por se associar a esse Romantismo tardio, acabou ficando esquecido. É bem verdade que, de modo geral, os gostos mudaram bastante desde a primeira geração modernista. Mas sempre haverá leitores que, como eu, têm interesses diferenciados.

João Batista teve a proeza de construir uma narrativa cuja leveza se preserva do início ao fim. Mesmo os episódios mais movimentados e embaraçosos são suavizados por um estilo “fofo” e “bonitinho”. O primeiro terço do romance talvez seja o que mais surpreende, pois nada de sensacional acontece, e mesmo assim o livro consegue ser vívido e cativante.

A pacata vilazinha do Pequiri servirá de moldura ao idílio de Osvaldo e Maju: ele, um médico que veio do Rio para averiguar o sítio que servirá de sede para uma fábrica de laticínios; ela, a simpática e recatada professora da vila. O romance dos dois dá-se naturalmente, encontrando oposição apenas na negativa do pai do moço.

O título do livro foi que não me pareceu dos mais acertados. Majupira é um grupo de garotos, todos eles alunos da Maju, que se reúnem para brincadeiras e pequenas missões. Mas afora Pedro Luiz, chefe do grupo, os outros meninos têm uma participação modesta na história. Por mais que o Majupira simbolize a união e o patriotismo que reverberam em toda a obra, o livro é muito mais sobre Majulinha e os demais moradores do Pequiri.

É uma delícia acompanhar os tipos do lugar e suas pequenas intrigas. O autor é dotado de um senso de humor bastante agradável; humor simples, sem malícia, do tipo que provoca bem-estar em quem o absorve. Glorinha, uma quase-irmã de Maju, é dos tipos que mais me divertiram. Seu olhar crítico para com os moradores do lugar; sua pose de mulher autoritária perante o Genelício, seu noivo; sua linguagem toda peculiar e cheia de trocadilhos; tudo isso torna a leitura ainda mais interessante.

A figura do vilão na pessoa do inspetor Altino Soares também rende bons momentos ao livro. A princípio, a participação dele parece ser de mínima importância, pouco sugerindo do rebuliço que acaba se desdobrando das intrigas que conspira contra a inocente Majulinha.

E o que dizer de Pedro Luiz? Um típico personagem alencarino, daqueles que, além de terem as melhores qualidades, empregam-nas na execução de planos e missões que salvam os mocinhos e castigam os vilões. Como se não bastasse ele ser um personagem adorável, seu romancezinho com Guaraciaba, a afilhada de Maju, conquista de vez o coração do leitor.

Majupira é, em resumo, um livro lindo. Possivelmente não agradará leitores muito exigentes ou que sejam mais afeitos a histórias contemporâneas. É um romance para pessoas que são sensíveis à simplicidade dos pequenos lugares e à prosa gostosa de seus habitantes. É o tipo de livro que infelizmente não se escreve mais.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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