terça-feira, 20 de julho de 2021

O Matador de Cangaceiros, de Léo Prudêncio - RESENHA #164

Já tive o prazer de divulgar por aqui um pouco do trabalho do poeta Léo Prudêncio, compartilhando minhas impressões sobre dois de seus livros: Baladas para Violão de Cinco Cordas e Aquarelas. Em 2019, o poeta surpreende seus leitores ao publicar O Matador de Cangaceiros, sua primeira incursão pelo teatro.

Ambientado no sertão cearense do século passado, a peça é de uma simplicidade bastante simpática, transcorrendo num cenário único. O autor facilitou bastante o trabalho de representação pois, além de poucos objetos serem necessários à cena, igualmente poucos são os personagens que integram o drama.

Dividida em três atos, a peça é sobre um prefeito que, na tentativa de livrar-se de um ataque de cangaceiros, recorre à intervenção de Sócrates, um matador profissional que fora no passado um dos soldados que dissiparam Lampião e seu bando.

Após firmar um trato com o matador, o prefeito torna-se alvo do julgamento de várias pessoas, como sua esposa Luzirene, o padre Ezequiel e a beata Maria da Conceição. Acredita-se que Sócrates é um discípulo de Satã e que todos quanto recorrerem a ele terão parte com o maligno.

Mesmo sendo atacado pelo julgamento alheio, o prefeito mantém seu trato com Sócrates, que executa o bando que ameaçava o lugar. Mas, após esse episódio, uma série de problemas recai sobre a cidade, sendo inevitável que muitos atribuam tudo de ruim ao suposto pacto do prefeito com Sócrates.

A dinâmica da peça de Léo Prudêncio é muito interessante e me surpreendeu bastante pelo ritmo que o dramaturgo estabelece do início ao fim. As cenas transcorrem naturalmente e, embora tudo seja aparentemente simples, a dramaticidade alcançada, especialmente no último ato, mantém o expectador atento por todo o desenrolar da peça.

Mesmo sendo um drama ágil e divertido de acompanhar, muitas situações são questionáveis e carecem de explicação. Os meios por que Sócrates executa suas matanças, o mandato interminável do prefeito e a fantasiosa seca de uma década são alguns dos elementos que me pareceram exagerados ou muito artificiais. Quanto ao texto da peça, a reprodução da linguagem falada também carece de algumas adequações.

O primeiro trabalho teatral de Léo Prudêncio não perde o interesse do expectador em razão dos problemas acima apontados. Eu mesmo adoraria assistir uma representação d’O Matador de Cangaceiros, pois, enquanto lia, visualizava o efeito cênico muito facilmente. E era sim muito bom!

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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sexta-feira, 16 de julho de 2021

Anne e a Casa dos Sonhos (Anne's House of Dreams), de Lucy Maud Montgomery - RESENHA #163

Dando sequência à leitura da série “Anne”, finalmente chegamos ao quinto livro. Anne e a Casa dos Sonhos (1917) difere dos volumes anteriores por não ser um romance episódico. Nele não temos muitos personagens novos ou uma sequência de várias situações embaraçosas a serem resolvidas por nossa ruivinha. Aqui, o enredo se concentra basicamente em três núcleos.

O primeiro deles é encabeçado pela protagonista da série que, após uma longa espera de três anos, finalmente se casa com Gilbert Blythe. O feliz casal decide viver no porto de Four Winds, próximo ao vilarejo Glen St. Mary, pois o tio-avô de Gilbert, David Blythe, que era o médico do lugar, estava se aposentando. Anne e Gilbert alugam uma bela casinha pertencente à Igreja Presbiteriana. Essa “casa dos sonhos”, como Anne a chama, carrega o encanto de ter sua fundação envolta numa romântica história de amor.

O contador desta bela história vem a ser James Boyd, o capitão Jim, que pertence ao segundo núcleo do livro. Após uma trajetória agitada por grandes aventuras em alto mar, o capitão Jim passa a ter uma vida sossegada na companhia do Marujo, seu gato de estimação, ficando ainda responsável por controlar o farol do porto de Four Winds.

O velho marinheiro preserva um manuscrito que chama de “livro da vida”, onde guarda suas memórias, alimentando o desejo de um dia encontrar um escritor hábil que possa transformá-lo num livro de verdade. Além dos lances aventurescos de seu diário, o capitão Jim guarda para si a história de seu único amor, contada para Anne num dos capítulos mais belos do romance.

O terceiro núcleo concentra-se na interessante Leslie Moore. A beleza de Leslie chama a atenção de Anne desde o primeiro momento. A maneira arredia como ela se porta, no entanto, só será esclarecida por Cornelia Bryant, personagem secundária que permeia todos os núcleos. O marido de Leslie, Dick Moore, perdera as faculdades mentais durante uma viagem a Cuba. O homem forte e opressor do passado torna-se numa criança inquieta e desmemoriada, vivendo sob os cuidados de uma esposa que nunca pudera amá-lo.

Anne e a Casa dos Sonhos comprova-nos a competência de sua autora para o romance tradicional. Montgomery conduz os núcleos simultaneamente e com certa facilidade que chega a surpreender. Por outro lado, talvez em atenção ao público jovem que pretendia alcançar, algumas escolhas me pareceram um tanto forçadas, sendo a mais problemática delas a reviravolta final que ocorre no núcleo de Leslie.

Apesar de suas soluções rápidas e mirabolantes (especialmente nos capítulos finais), Anne e a Casa dos Sonhos entrega alguns dos episódios mais memoráveis de toda a série, como o casamento de Anne, o funesto passado de Leslie e a melancólica história da Margaret perdida. É um belo livro, sem dúvida.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho 

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quinta-feira, 1 de julho de 2021

Rico (Πλοῦτος), de Aristófanes - RESENHA #162

Acaba de chegar às minhas mãos a última das comédias completas de Aristófanes. Rico é uma tradução de Pluto (388 a.C.), feita pelo Kleber Rocha, que, nos meus saudosos anos de faculdade, foi meu professor de Língua Grega, a disciplina mais temida do curso de Letras que, para alegria dos acadêmicos que vieram depois, foi removida da nova grade curricular.

Apesar de não ser um grande entusiasta do teatro grego clássico, não posso evitar aquela potinha de curiosidade que nós, os apaixonados da Literatura, sentimos pelas grandes obras da antiguidade. O estudo e leitura atenta que esses textos exigem, no entanto, acabam fazendo com que passemos outras leituras mais amenas à frente daquelas.

A tradução de Pluto, entretanto, chegou num momento em que as circunstâncias foram favoráveis à sua leitura; e, ainda que não tenha morrido de amores pela comédia de Aristófanes, pude dar algumas gargalhadas em algumas de suas passagens, como também apreciar a crítica que o comediógrafo lança a certos tipos da Grécia antiga.

O enredo da peça é o seguinte. Crêmilo é um agricultor que começa a se questionar sobre a maneira como deve educar seu filho. Ele reflete que os homens honestos e justos são todos pobres, enquanto os corruptos e trapaceiros não deixam de enriquecer.

Apresentando essa questão ao deus Apolo, Crêmilo o interroga se devia criar seu filho segundo a leviandade do mundo, para torná-lo rico. A resposta do deus é que Crêmilo, à saída do Oráculo de Delfos, seguisse o primeiro homem que encontrasse e o convencesse a levá-lo à sua casa.

O eleito acaba sendo um mendigo cego, a quem Crêmilo acompanha seguido de Carião, seu escravo, que, após interrogar seu senhor, acaba tomando conhecimento da situação. Os dois descobrem que o cego era na verdade Rico (Pluto), o deus da riqueza, que fora castigado com a cegueira por Zeus, para que fosse impedido de beneficiar exclusivamente os homens justos.

Crêmilo propõe devolver a visão a Rico em troca de que este o enriqueça. O acordo é selado e, para alcançar seu objetivo, o agricultor encaminha o cego ao templo do deus Asclépio. Conhecendo as pretensões de Crêmilo, a Pobreza tenta intervir, começando a partir daí um dos diálogos mais interessantes da peça, onde se reflete os malefícios do dinheiro na vida do homem, como também a ideia de que a pobreza estimula ao trabalho e à produção da Arte.

Outro fator interessante da peça é a reação dos “ricos” perante o plano de Crêmilo. Uma série de tipos são apresentados ao público, como a velha que sustenta um amante jovem e o sacerdote que vivia das oferendas dos religiosos.

O desfecho da peça leva-nos a refletir uma triste realidade que não deixa de ser atual: o endeusamento do dinheiro. Neste mundo capitalista em que vivemos, de fato, não são poucas as pessoas que julgam-se umas às outras tendo em vista a riqueza material. Quando paramos para pensar que no século IV a.C. já era assim, entendemos que mudam-se os costumes, mas jamais os homens.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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