sábado, 24 de dezembro de 2022

Cecília (Cécile), de Alexandre Dumas - RESENHA #193

Eis que neste fim de ano, às vésperas do natal, retorno a ele: um dos nomes mais retumbantes do romantismo francês, o senhor Alexandre Dumas. Dele eu só havia lido o delicioso A Tulipa Negra, que muito me empolgou uns cinco anos atrás. Ainda estou me preparando psicologicamente para encarar a trilogia dos Mosqueteiros e O Conde de Monte Cristo, suas obras máximas. Um dia rs!

Cecília (1844) é uma obra menor na produção literária de Dumas, tanto em extensão quanto na qualidade. É, em resumo, o clássico romance romântico onde tudo dá errado. Mesmo sendo atentamente fiel às fórmulas desgastadas já naquela época, o diferencial de Cecília é a deliciosa escrita do criador de D’Artagnan.

O enredo, de fundo histórico, é sobre as desventuras de uma família de nobres perante a Revolução Francesa. Após a execução do esposo, a baronesa de Marsilly foge com a mãe e a filha pequena para uma pitoresca aldeia no interior da Inglaterra. Cecília é pois criada nesse lar idílico e torna-se uma jovem bela e de forte inclinação artística.

A baronesa, de saúde frágil, prevendo uma morte iminente, preocupa-se em garantir o futuro da filha. Seu desejo é casá-la com Eduardo, um rapaz sem sobrenome aristocrático, mas de futuro promissor. No entanto, ironicamente, a humilde Cecília acaba se apaixonando por Henrique, um jovem sem fortuna, mas de família ilustre. A partir desse dilema e das circunstâncias presentes, Cecília será obrigada a fazer sua própria escolha.

Ler Cecília trouxe-me saudades da época em que eu tinha tempo e paciência para fazer marcações de trechos. Inúmeras passagens e fraseados bonitos encheram-me os olhos. Eu, um apreciador confesso da linguagem romântica, tive grande deleite: mais em momentos específicos que na obra em si como um todo.

O capítulo em que Dumas descreve os passatempos da protagonista, sempre entretida com as flores, os pássaros e as borboletas, foi um dos meus favoritos. Outro aspecto que me sensibilizou bastante foi o apreço pela memória. Cecília esforça-se por preservar episódios de sua vida passada, especialmente os mais remotos, cuja lembrança não lhe é clara. Há ainda muitos outros momentos do livro que, isoladamente, mereciam uma releitura.

O tom desigual da narrativa evidencia a presença de um colaborador. Como todos sabemos, Dumas, que tornou-se um gigante dos folhetins, tinha lá seus ajudantes que, justiça seja feita, não eram escritores medíocres. Mas, sobretudo nos capítulos finais, a pena de um estilista mais refinado fez bastante falta.

A vantagem de ler Cecília não está no enredo desgastado e de tema batido. O que o texto oferece de precioso são detalhes e momentos da narrativa escritos em linguagem poética e de grande sensibilidade, capazes de aquecer o coração do leitor. O que quero dizer é que os bons momentos do romance são tão bons, que valem a leitura do livro todo.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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domingo, 18 de dezembro de 2022

Iperoig, de Leão Machado - RESENHA #192

Há desses livros que se mantêm num nível de literatura que está acima da mediocridade e abaixo da grandiosidade. Eu, particularmente, aprecio bastante em alguns momentos esse tipo de leitura, que casa perfeitamente com uma viagem ou uma simples fila de espera. Iperoig (1954), do paulista Leão Machado (1904-1976), se encaixa perfeitamente nesse nicho.

É bastante compreensível que esses livros “medianos” acabem condenados ao esquecimento; contudo, não deixam de ser quitutes saborosos para leitores curiosos como eu. Iperoig é de uma leveza tentadora para certas ocasiões. A simplicidade do formato e a pouca densidade do enredo fazem uma limpeza cerebral que por vezes não se pode dispensar.

Assim, sem maiores dificuldades, acompanhamos a bela Lucila no ônibus para Iperoig, compreendendo suas expectativas para o futuro e atentos às circunstâncias da nova vida da professora em começo de carreira. Não é difícil se identificar com a jovem idealista que pensa ser capaz de mudar o mundo, mas vê-se impedida pela realidade dura e cruel das classes menos favorecidas.

Qual de nós, trabalhadores desse mundo moderno, jamais questionou a serventia do que aprendemos nas universidades quando aplicada à nossa rotina profissional? Em pouquíssimo tempo Lucila compreende que precisará adaptar seus conhecimentos à realidade da Praia da Enseada, localidade de sua lotação. Ela travará conhecimento com pessoas que compartilham das mesmas dificuldades da prática, como também com aqueles que vivem iludidos com o fiel cumprimento das teorias.

Nesse contexto desafiador, a interferência de Alberto será de fundamental importância para que Lucila não se sinta frustrada. Além de beber na fonte da experiência do companheiro, a jovem professora acabará, de sobra, descobrindo o amor. Mas claro é que, nesse previsível lance amoroso, obstáculos surgirão para que o leitor possa torcer um bocado pelos mocinhos do romance.

Uma peculiaridade interessante da escrita de Leão Machado é seu fascínio pela descrição da natureza. O romance é todo entremeado por paisagens devidamente emolduradas em quadros à parte, de maneira a querer chamar a atenção do leitor para os cenários exuberantes dessa trama litorânea. Esse recurso aparece do início ao fim e, a meu ver, confere ao livro um caráter positivamente mais artístico.

Os tipos e costumes descritos também são de grande interesse, mas infelizmente recebem um tratamento pouco satisfatório, uma vez que o autor não se aprofunda nos personagens secundários, que poderiam render boa matéria para o romance.

Dentro do que se propõe, Iperoig é um livro bom, mas definitivamente não é uma obra para grandes públicos. Felizmente, durante a leitura, pude criar uma conexão agradável com a prosa do autor, de modo que a mesma nunca me parecia chata ou cansativa. É provável que o desfecho tenha sido o ponto que menos gostei, mas, até chegar lá, o percurso da narrativa soube ser aprazível à sua maneira.

 Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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