sábado, 30 de abril de 2016

Mais Livros! - ABR/2016


Puxa! Como estou atrasado com esta postagem! A verdade é que os Correios têm sua parcela de culpa em relação a esse atraso, mas, felizmente, hoje ainda é abril; por isso, está valendo!!!

Abril foi um mês de muitas novidades para minha estante. Mais uma vez, novos e usados tiveram seu lugar! Vejamos então...

A começar por Cosac Naify, correndo contra o tempo (antes que tudo se acabe), tive uma GRANDE surpresa da Amazon, que repentinamente (embora por curto prazo) voltou a disponibilizar os livros: Novelas Exemplares; Esperando Godot; e Poemas Negros. Parece que simplesmente eles adivinharam meus desejos rsrsrsrs. Já estava disposto a obter essas edições de outros sites, mas estava tendo dificuldade de encontrá-las, com exceção da obra do Cervantes. Infelizmente, como já disse, foi por um curto prazo. Agora, fico pensando: como eles conseguiram mais exemplares para venda?

Novelas Exemplares (Cervantes) está numa edição lindíssima, a começar pela capa que parece ter sido pintada à mão, além de conter um índice especial, dedicando uma aquarela para cada novela. Esperando Godot (Samuel Beckett) traz um projeto gráfico muito bonito e ricamente ilustrado com fotografias de bastidores e encenação da dita peça. Poemas Negros (Jorge de Lima) é quase um fac-símile da 1ª edição e contém todas as ilustrações dela, além de esboços inéditos. Essa coletânea traz o famoso poema “Essa negra Fulô”.

Ainda da Cosac, obtive As Surpreendentes Aventuras do Barão de Munchausen (Rudolf Erich Raspe). Tomei um susto quando vi o tamanho do livro. São mais de 30cm de altura. Não sei onde vou guardar esse negócio enorme, mas a edição... Minha gente, que edição! De todos os livros da Cosac que já vi, esse é o que traz as mais belas e coloridas ilustrações; simplesmente, uma riqueza de cores que só vendo para entender. Só achei um tanto desconfortável para ler, por conta do tamanho do objeto. As Aventuras de Pinóquio (Carlo Collodi) é outra edição sensacional. Comprei a versão especial, com capa dura preta e letras douradas, além de caixa-luva. Lembro de já ter visto a edição “mais simples”, mas não lembro se interiormente são exatamente iguais, com relação ao projeto gráfico; mas sei que as ilustrações são as mesmas. Dessa edição especial, só foram impressos 3.000 exemplares! Por isso, quem quiser, corra antes que acabe! Para encerrar Cosac, adquiri Mrs. Dalloway (Virginia Woolf). Sempre quis esse livro e finalmente o consegui. A edição é simplesinha, mesmo tendo capa dura; mas é bastante confortável para leitura e traz belas fotografias da autora.

Continuando com os livros “novos”, chegou aqui finalmente minha edição de Shirley (Charlote Brontë), da editora Pedrazul. Essa obra estava esgotada há algum tempo, mas algumas campanhas na internet convenceram a Pedrazul a imprimir uma nova edição, que eles lançaram com duas opções de capa: a tradicional (que foi a que comprei) e uma especial em comemoração ao bicentenário da autora, festejado este mês em todo o mundo. Deixei em destaque na foto de abertura o livro Aquarelas: haicais, do meu amigo Léo Prudêncio. Segundo livro dele, pela editora Penalux, está um objeto lindíssimo, a começar pela capa. Pretendo ler o quanto antes e possivelmente teremos resenha aqui no blog. Para quem quiser adquirir este lançamento imperdível, vou deixar o facebook do Léo ao final do post. Finalmente, numa feira inédita de livros que houve na minha cidade, comprei mais uma obra do Menotti del Picchia: Salomé, considerado por Mário de Andrade seu melhor romance. Adquiri também um livro que não conhecia, de um autor do Peru. Trata-se de O Golfinho, de Sergio Bambarén. Sempre tive curiosidade de ler alguma coisa do Peru; por isso, aproveitei a oportunidade. Essa feira maravilhosa disponibilizou todo seu estoque a R$ 10,00 cada livro. Infelizmente, não tinha muita coisa do meu interesse, mas valeu mesmo assim!

Passemos aos usados, que eu também amo! Talvez, até mais rsrsrs! Obtive a colossal edição das Fábulas completas de La Fontaine (Edigraf, 1957). A edição é em 4 enormes e pesados volumes. Não sei se está muito perceptível na foto, mas os livros são gigantes mesmo! Eles totalizam 1200 páginas e trazem ilustrações do famosíssimo Gustavo Doré que, no século XIX, ilustrou várias obras ilustres, tais como D. Quixote. Preciso de uma estante só para esses livros grandalhões, hem! Porque não gosto de livros empilhados, e como eles não cabem enfileirados... Alguém me dá uma dica? Como um livro puxa outro, adquiri também as Fábulas completas de Fedro (H. Antunes, 1957). Essa edição está em tamanho natural rsrsrs e confortável! Livro simples, mas incrível, especialmente para estudantes de latim. Ela traz simplesmente 4 versões das fábulas: a original em latim, a original com o texto latino na ordem direta, a tradução do original, e ainda uma versão em prosa com texto mais fluido. Além de tudo isso, a edição é ilustrada. Simplesmente perfeita! Esqueci de mencionar que a edição das Fábulas do La Fontaine traz apenas a tradução dos originais (numa verdadeira antologia de tradutores, desde Bocage a Machado de Assis) e também uma versão mais fluida em prosa. Comprei finalmente o Ivanhoé, do Walter Scott (Nova Cultural, 2003). Já tinha aqui a Lúcia de Lammermoor, mas Ivanhoé ainda é a obra-prima do autor, né?

Não poderia deixar de lado a minha amada literatura cearense. Já tinha aqui uma edição dos Cordéis, do Patativa do Assaré, mas descobri que nela faltava um cordel divertidíssimo sobre Aladim; por isso, comprei outra (UFC, 1999) que está enriquecida com textos de apoio. De Otacílio Colares, que é mais conhecido como organizador de edições, consegui uma raridade: nada menos que sua Poesia Reunida. E isso é raro mesmo! Por último, adquiri outra relíquia cearense: a 1ª edição (e creio que única) do livro Sangue de Palavra, do Caetano Ximenes Aragão. Só poesia dos cearenses, hem? De fato, o Ceará é repleto de poetas. Vale lembrar que nosso primeiro autor lembrado por nossa história literária, Juvenal Galeno, era poeta (e eu não tenho e nem nunca li nada dele rsrsrs Preciso resolver isso!).

Enfim!

Daniel Coutinho

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Adquiram o livro Aquarelas: haicais, de Léo Prudêncio (lançamento 2016!).
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segunda-feira, 18 de abril de 2016

O Pequeno Príncipe (Le Petit Prince), de Antoine de Saint-Exupéry - RESENHA #10

Atenção! Este post contém spoiler! (Mas será que alguém no mundo ainda não leu O Pequeno Príncipe?).

No Mais Livros! de março, mostrei a edição pop-up d’O Pequeno Príncipe, que é mesmo uma edição lindíssima, e que me motivou a reler a obra-prima do Exupéry no feriado da Sexta-feira Santa. A tradução é a clássica de Dom Marcos Barbosa. O que me incomodou, contudo, foi o tamanho da letra da edição. Ainda que as imagens animadas ocupem bom espaço, penso que seria possível o uso de uma letra maior. Sério, minha gente: odeio letra pequena! Escolho as edições pelo tamanho da letra rsrsrs. Na verdade, nem sempre, mas acho essencial.

Li O Pequeno Príncipe pela primeira vez ano passado, e ele entrou facilmente para as melhores leituras de 2015. Confesso que sempre subestimei esse livro, não por ser “infantil”, mas porque achava que era mais uma dessas histórias “chiclete” que fazem sensação. Quando o li finalmente, tive uma grande surpresa. Estava fascinado pela obra do Exupéry. Que livro! Que mensagem! Que humanidade! Vivemos em um mundo tão cheio de maldade, que livros como esse deveriam ser mais lidos, não pelas crianças, mas pelos adultos. Portanto, papais, deem às crianças as estorinhas dos irmãos Grimm, e vão ler O Pequeno Príncipe! Já!

A delicadeza desse livro, as mensagens transmitidas, a ingenuidade e pureza do principezinho, a obra toda exala uma harmonia de ideias que fazem a gente pensar na vida com uma preocupação voltada às coisas que realmente importam. Dizem que é possível interpretar a história do principezinho de diversas maneiras. Portanto, deixo claro que as impressões deixadas aqui são particularmente minhas, e faço questão de esclarecer que são apenas uma amostra, porque embora O Pequeno Príncipe seja uma breve novela, é obra densa, daquelas que suscitam inúmeros pensamentos, hipóteses, suposições, etc.

Exupéry publicou Le Petit Prince já no fim da vida, baseado em uma experiência real, pois era piloto civil e realmente caiu no deserto do Saara, o que nos leva a pensar que o narrador de sua novela é ele mesmo. Será? Suponhamos que sim, para deixar a situação mais interessante.

O livro começa com Exupéry contando que quando criança foi desencorajado à carreira de pintor, graças a um desenho que fez de uma jiboia digerindo um elefante, no qual todos reconheciam um chapéu. Só vendo as ilustrações (que são do autor) pra entender! Assim, ele segue a carreira de aviador, mas num belo dia, é obrigado a fazer um pouso de emergência em pleno deserto do Saara. Vale lembrar que os fatos narrados se passaram há seis anos. Enquanto tenta consertar a nave, é surpreendido por uma voz que lhe pede o desenho de um carneiro. Ele vê então aquele homenzinho de cabelos dourados, a quem passa a chamar de pequeno príncipe ou principezinho, certamente influenciado pelo fato de se tratar de um ser extraterrestre, único habitante do asteroide B 612. Mas vamos entender por que o principezinho precisa do desenho de um carneiro.

No tal asteroide onde vive, que é pequeníssimo, germinam diferentes tipos de sementes, inclusive de baobás, que são árvores gigantescas e que, por isso mesmo, não cabem no seu planeta. A ideia é que o carneiro coma os brotinhos de baobás, antes que eles cresçam; agora como o desenho de um carneiro poderá exercer tal função é que é difícil de entender; mas se você encarar O Pequeno Príncipe por um entendimento literal/racional, não aproveitará o melhor da experiência. Todas as lacunas deixadas por Exupéry não devem ser preenchidas pela lógica, mas pela fantasia que permeia sua obra.

Os dias que passam na companhia um do outro servem para que o autor tome conhecimento de como chegara a Terra o principezinho, que conta tudo espontaneamente, pois se esquiva das perguntas que lhe fazem, embora tenha o costume de nunca desistir de uma pergunta. Assim, ele conta que certa vez, uma semente (vinda de não se sabe onde) fez nascer uma flor em seu planeta, mas não era uma flor qualquer, era a flor mais bela que já vira. A vaidosa flor, a crédito de sua beleza, começa a fazer uma série de exigências, que são logo obedecidas pelo principezinho que se sente fascinado pelos seus encantos. Um comentário da flor sobre o incômodo que sente pelo frio, faz com que ela comece a falar sobre o lugar maravilhoso de onde veio. O pequeno príncipe percebe sua mentira, pois sabe que ela chegara ao seu planeta em forma de semente, não tendo pois como saber como eram os demais. Essa mentira fere seus sentimentos e para curar sua dor, o principezinho decide partir. A flor despede-se dele, arrependida pelo seu erro, mas esconde suas lágrimas, pois era muito orgulhosa.

Aproveitando-se de uma migração de pássaros selvagens, o pequeno príncipe passeia pelo espaço e visita os asteroides: 325, 326, 327, 328, 329 e 330. Cada um deles é habitado por um único ser; seres bem estranhos por sinal, o que faz com que o nosso príncipe crie uma imagem negativa dos adultos. Não vou aqui especificar cada um deles, mas penso que o autor quis explorar nessa passagem o egoísmo dos homens que se encerram em seus mundinhos particulares, e vivem por si mesmos, desvalorizando todo o resto do mundo. O pequeno príncipe reconhece na futilidade dos adultos a sua própria nobreza em zelar pelo seu planeta ao invés de seus interesses particulares.

Quando finalmente ele chega a Terra, encontra outros seres que lhe proporcionarão grandes ensinamentos, sendo o primeiro deles a serpente, que tratará da solidão humana, e se prontificará a ajudá-lo a regressar a seu planeta. O principezinho, contudo, pretende conhecer os outros seres da Terra, inclusive os homens. Dentre todos, meu preferido é a raposa, que torna-se amiga dele, fazendo aqueles célebres discursos que popularizaram a obra de Exupéry: “O essencial é invisível aos olhos” e “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. A mensagem de amor e amizade transmitida pela raposa é um dos pontos mais altos do livro que, a meu ver, só perde para o final da história.

Enquanto o pequeno príncipe relata todos esses acontecimentos, Exupéry faz os desenhos que ilustram o livro; até que acaba a água que trazia consigo. Os dois caminham em busca de um poço, até que encontram um. Depois de finalmente conseguir consertar sua nave, o piloto encontra o pequeno príncipe conversando com uma serpente. É a mesma de sua chegada na Terra. O que ocorre é que, movido pelos ensinamentos da raposa, o principezinho quer voltar para seu planeta para cuidar de sua desprotegida flor, principalmente agora que já tem um carneiro para comer os baobás e uma mordaça para impedir que o carneiro coma a flor. O caso é que para que o pequeno príncipe volte para seu planeta, ele precisa morrer; eis o porquê da conversa com a serpente. Essa passagem do livro desperta várias controvérsias e explicações, mas sou daqueles que pensam que a morte aqui é mais uma metáfora para simbolizar a necessidade de se fazer certos sacrifícios na vida quando se ama verdadeiramente.

As considerações finais de Exupéry sobre seu esquecimento de juntar uma correia à mordaça, sua preocupação sobre a possibilidade do carneiro comer a flor, suas reminiscências e desejos de ter notícias do pequeno príncipe... É tudo tão poético. O final dessa obra é um dos mais lindos que já li, e o mais interessante é que são dois finais. Num deles, o corpo do principezinho está desfalecido; no outro, seu corpo não está mais lá. E acho melhor terminar isso aqui logo, porque vou começar a chorar rsrsrsrs

Esse foi um dos livros mais tocantes que li na vida, e dos que mais me influíram também. A singeleza de sua história, a pureza do principezinho, as inúmeras frases de efeito ao longo da obra, os ensinamentos e reflexões provocados; tudo isso e muito mais fazem desse livro um dos melhores que já li em toda minha existência. E repito: O mundo precisa ler mais esse livro!

Avaliação: ★★★★★

Daniel Coutinho

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segunda-feira, 11 de abril de 2016

Queda que as Mulheres Têm para os Tolos, de Victor Hénaux - RESENHA #9

Victor Hénaux é uma verdadeira incógnita e o seria ainda mais se Machado de Assis não tivesse traduzido seu polêmico ensaio satírico De l'amour des femmes pour les sots, tradução esta publicada pela primeira vez no periódico A Marmota, em 1861, sob o título Queda que as mulheres têm para os tolos, sem nenhuma indicação de autor. No mesmo ano, Paula Brito, o responsável pela folha já citada, faz imprimir em opúsculo o tal ensaio, indicando Machado de Assis como tradutor.

Imaginou-se a partir daí que o livrinho era original do jovem Machado que estreava na Literatura com aquele texto. O certo é que ele passou por autor desse livreto por muito tempo, o que nos leva a crer que preferiu não revelar o nome do verdadeiro autor, o belga Victor Hénaux. A obra chegou a ser considerada a estreia de Machado como dramaturgo; eis o que não entendi, porque Queda... não traz a forma característica de um texto teatral. A verdade é que seu conteúdo “apenas inspirou” a peça Desencantos, e há quem diga que Ressurreição e até mesmo Dom Casmurro receberam também alguma influência da obra de Hénaux. Apenas em 1969, o crítico Jean-Michel Massa, em sua tese de doutorado, confirmaria o fato do texto de Machado em Queda... não ser original e sim tradução. Todas essas informações estão minuciosamente esclarecidas na edição bilíngue da obra, lançada em 2008 pela UNICAMP, tendo como organizadoras Ana Cláudia Suriani e Eliana Fernanda Cunha Ferreira.

A referida edição traz introdução crítico-filológica das organizadoras que se propõem a “provar” a autoria do ensaio. Para tanto, elas cotejaram duas edições do original de Victor Hénaux e pelo menos três edições da tradução de Machado. É apresentada uma comparação entre as edições consultadas e muitas variantes são percebidas; daí, as organizadoras especificam os cuidados tomados para o estabelecimento do texto, como a decisão de incluir as variantes nas notas de rodapé. O texto delas é bastante técnico, o que desagrada um pouco a leitura, mas deve-se levar em conta que o mesmo constitui um trabalho acadêmico. Isso nos leva a perceber/lembrar que há uma diferença entre o escritor e o redator; o primeiro escreve com seu próprio estilo, despreocupado com exigências acadêmicas; o outro carece do estilo do primeiro, o que não influi em nada, uma vez que seu propósito é meramente científico. Preferia uma introdução de um escritor e não de um acadêmico, pois me interessaria mais pela análise ou ponto de vista sobre a obra em questão, que pela informação irrelevante de que o exemplar-base foi encadernado em capa dura vermelha com outras duas obras de diferentes autores.


Mas passemos logo à obra de Hénaux que, como disse, é breve. Dividido em 13 capítulos, o ensaio em questão foi e não deixa de ser polêmico, uma vez que não deixa de ser atual. O autor nos apresenta duas classes de homens: os tolos e os de espírito, para fazer uso dos seus próprios termos. Quanto às mulheres, sejam tolas ou sábias, afirma serem inclinadas por um instinto natural aos homens tolos. É importante, contudo, advertir que o propósito do ensaio é mais investigar o gênio das duas classes de homens identificadas, que desmerecer a desculpável condição feminina.

No entanto, é meio difícil saber quando o autor está ou não sendo irônico, ou se ele de fato defende os tolos ou os homens de espírito, quando alega escrever com imparcialidade. Logo na Advertência do opúsculo, ele nos diz: “Quanto à imparcialidade que presidiu a redação deste trabalho, creio que ninguém a porá em dúvida./Exalto os tolos sem rancor, e se critico os homens de espírito, é com um desinteresse, cuja extensão facilmente se compreenderá.” (Queda..., pág. 43).

Portanto, vou partir de hipóteses particulares, provenientes do que pude absorver da leitura, que mesmo sendo simples, é capaz de provocar múltiplos questionamentos. Parto da ideia de que Hénaux é dos homens de espírito que, desiludido com a vulgaridade feminina, defende a preferência das mulheres pelo homem tolo ou vulgar, dada a parecença do mesmo com o gênio feminino.

Segundo o autor, os homens de espírito encaram o amor como um sentimento verdadeiro que deve ser zelado e respeitado, por isso veem as mulheres como seres altivos (ainda que não o sejam), que devem ser atendidos e agradados com frequência; tudo isso com um sentimento superior, poético e capaz de identificar os mínimos detalhes das coisas.

Por outro lado, os tolos são seres felizes, pois acreditam cegamente nas suas qualidades (ainda que não as tenham). Eles já nascem tolos, mas a toleima natural é capaz de fortificar-se conforme vai sendo utilizada. O amor do tolo é um sentimento vulgar e inconstante, que vai sendo alimentado a partir de técnicas prontas, como modelos de cartas para todos os graus de paixão, provocações propositais, indiferenças e até mesmo alguma dose de desprezo, além do diálogo tagarela que agrada e contenta as damas.

Nestas condições, os homens de espírito são repudiados, enquanto os tolos, desejados pelas mulheres que não lhes resistem. O autor ainda defende-se de antemão para o caso de alguém acusá-lo de ofender o sexo feminino. Ele alega que as mulheres não são senhoras de sua natureza e que agem impulsionadas por instintos incontroláveis, sendo desculpadas por serem belas, apetitosas e cegas. Alega ainda que as senhoras são atraídas por homens elogiados, bem vestidos e homenageados.

Não digo que não ri lendo esse livro. A perspicácia do autor, contudo, chega a ser irritante. Isso porque ele generaliza o sexo feminino mediante suas teorias, o que é bastante injusto, ainda para o século XIX. (Que desilusão terá sofrido esse Hénaux, hem?) O pensamento de Hénaux se encaixa perfeitamente em mulheres até dos dias atuais (e que quantidade de mulheres!), mas sou daqueles que ainda acredita na existência de mulheres desprovidas de vulgaridade, mulheres de espírito, mulheres que não têm queda pelos tolos.

Avaliação: ★★

Daniel Coutinho

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sexta-feira, 1 de abril de 2016

O que Tinha de Ser..., de Mário de Alencar - RESENHA #8


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Já falei por aqui do amor que dedico à obra de Alencar. Talvez até, um dia, faça uma postagem em seu louvor. O que não conhecia ainda era a obra do filho dele, o Mário, que escreveu pouco e não teve grande repercussão. Minha curiosidade era se o filho teria herdado alguma porção do talento de seu magnífico pai, mesmo suspeitando que não, considerando o descaso atual para com sua pequena obra.

O nome Mário de Alencar hoje não passa de uma vã referência, seja por ter sido filho do autor de Iracema, ou por ter pertencido à ABL. De sua obra, nada ouço falar, nem de bem, nem de mal. Não sou, contudo, desses que acham que um autor, por não ser mais editado, é sempre ruim. Por isso, finalmente, decidi ler Mário de Alencar, e, é claro, não poderia deixar de começar pelo romance O que Tinha de Ser..., único que ele publicou.

O que Tinha de Ser... é um pequeno romance publicado pela primeira vez em 1912, o ano em que o Titanic afundou... rsrsrs Por coincidência ou não, o romance de Mário é bastante trágico e chocante. De antemão, confesso que essa leitura foi uma grande surpresa, embora minhas expectativas já fossem positivas; mas o interesse despertado pelo enredo excedeu o que eu supunha, e essa já é, sem sombra de dúvidas, uma das melhores leituras do ano.

Despretensiosamente, o autor nos apresenta o protagonista Luiz Nunes que, viúvo há dois anos, vive na companhia de sua filha Clotilde (de 12 anos) e da velha criada Joana, muito estimada por ter sido ama de leite da finada esposa. É Joana quem sempre lembra Luiz de seu costumeiro ritual das quintas-feiras: visitar o túmulo da falecida. Nessas idas ao cemitério, ele conhece Carlota, uma viúva que tinha dois filhos pequenos: João (de 11 anos) e Emília (de 8 anos). Luiz tenta evitar encontrar-se com Carlota, mas sente-se atraído por ela. A união dos dois acaba sendo inevitável e eles vão morar numa nova casa com as três crianças e a criada Joana.

Essa Joana que, a princípio, parece ser uma personagem sem grande importância, é na verdade a peça principal de condução do enredo. Trata-se de uma velha octogenária que comanda o resto da criadagem; é bastante estimada por Luiz Nunes e sua filha; é parte da família mesmo. Essa Joana me lembrou bastante outra Joana: a do drama Mãe, do Alencar pai. Não estou afirmando, mas Mário pode ter se inspirado nela.

O conflito tem início a partir da má vontade de Carlota para com aquela que era verdadeiro símbolo de sua antecessora. Joana, por sua parte, não encara com bons olhos o novo matrimônio de seu senhor, mas respeita a nova senhora, movida pelo grande instinto de dedicação que sempre teve para com aquela família. A grande proximidade entre a criada e Clotilde é outro fator que irrita Carlota. Isso faz com que ela despreze a filha de Luiz, sendo que esse sentimento se consolida após uma briga entre Clotilde e João. Essa simples briga de crianças acaba gerando um clima que atinge a harmonia daquele lar. Joana então começa a perceber a diferença que Carlota faz entre seus filhos e a filha de Luiz Nunes, sobretudo na forma abusiva com que a trata: pretextando a necessidade de Clotilde ter aulas particulares com ela, apenas para maltratá-la.

Mesmo sendo Clotilde um amor de menina, sua tolerância para com a madrasta chega ao limite, o que provoca uma cena bastante dramática entre as duas. O episódio resulta no desejo de Carlota em internar Clotilde numa escola para meninas; os argumentos utilizados convencem o desveloso pai, atitude esta que revolta profundamente Joana, que teme pela saúde de sua nhanhã estando longe de seus cuidados. O papel que essa velha criada desempenhará a partir de então é imprevisível. Portanto, acho melhor parar por aqui para não decepcionar a leitura de ninguém.

Nem preciso dizer o quanto gostei desse livro, não é? É mais um daqueles que não entendo acharem-se esquecidos, tal como Oscar e Amanda e Saint-Clair das Ilhas (já resenhados por aqui). Reconheci em Mário o talento de seu pai, não em sua totalidade, claro!, muito menos de forma idêntica. O que Mário herdou de seu pai é esse colorido das cenas, a viveza dos personagens, a fineza do estilo, que é, contudo, diferente por ser mais direto, sem aqueles rodeios e descrições como as de O Sertanejo. O texto de Mário proporciona uma leitura bastante fluida, agradável e tão instigante, que não podia largar o livro enquanto não o terminasse.

O que Tinha de Ser... é um livro simples, com uns toques de Cinderela e de tragédia shakespeariana. Alguém pode até achar impossível essa minha analogia, mas a verdade é que essa obra é bem mais sutil do que se imagina, e seu ponto mais forte está na surpresa que o autor te dá nos capítulos finais. Vamos torcer pra alguma editora relançá-lo o quanto antes! E não... Não pretendo ler agora outros títulos do Mário, até porque quero poupá-lo, uma vez que ele não foi tão prolífero quanto seu pai. Será que terei ainda boas surpresas dele?

Avaliação: ★★★★★

Daniel Coutinho

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