quinta-feira, 21 de novembro de 2019

A Falência, de Júlia Lopes de Almeida - RESENHA #114

Júlia Lopes de Almeida tem crescido em meu conceito a cada nova leitura que faço de sua produção ficcional. Cruel Amor e A Intrusa me causaram excelente impressão; com A Falência (1901), a experiência não foi menos interessante. Mas curioso mesmo é serem estas três obras tão distintas entre si, ao ponto de não parecerem saídas da mesma pena.

A Falência é o romance mais festejado de D. Júlia, tanto pela crítica como pelo público. Nele a autora dispõe de tantos elementos interessantes, que dali poderia ter saído obra de maior vulto, seja em qualidade, seja em extensão. É um panorama delicioso o que a autora nos entrega nas páginas de seu romance, tão habilmente conduzido, que, uma vez imersos na trama, somos incapazes de abandoná-la.

Francisco Teodoro é um negociante português que fez fortuna no Rio de Janeiro através do comércio do café. Casou-se com Camila, uma moça humilde e formosa com a qual teve cinco filhos, tendo sobrevivido quatro: Mário, Ruth e as gêmeas Lia e Raquel. Além da criadagem, também vive no palacete da família a jovem Nina, órfã de mãe e filha do Joca, irmão de Camila que reside em Sergipe.

Teodoro, orgulhoso de sua fortuna, ocupa-se inteiramente de seus negócios, demonstrando ciúmes pela preferência que vem ganhando o Gamas Torres, seu concorrente. Camila, insatisfeita no casamento, mantém um caso extraconjugal com o Dr. Gervásio, médico da família. Mário esperdiça o dinheiro do pai com amantes interesseiras, ignorando a paixão de sua prima Nina; Ruth possui inclinações artísticas e dedica-se principalmente à música; as pequenas Lia e Raquel alegram o ambiente com suas correrias e travessuras infantis.

Dentre os muitos frequentadores da casa, destaca-se o capitão Rino, moço aventureiro que nutre um amor platônico por Camila, que não o corresponde. Possui uma única irmã, Catarina, que vive na companhia da madrasta, permanecendo solteira por opção. Outro núcleo explorado pela autora compreende as tias de Camila: Joana e Itelvina; a primeira é uma carola incurável, a outra uma mulher avara e ríspida; vive com elas a pobre Sancha, sempre vítima de maus tratos e agressões.

É simplesmente magistral a condução que D. Júlia dá a esse fascinante panorama, explorando acertadamente todos os personagens sob calculada medida. Mas todos parecem tão interessantes, que passam aquela sensação de insuficiência. Afora o núcleo dos comerciantes de café, todos os demais me deixavam bastante envolvido com as situações vivenciadas.

A autora, já amparada por este formidável elenco, desenha cenas e situações de esmerado gosto, não abrindo mão de fazê-las diversificadas ao ponto de agradar os mais exigentes leitores. Há tanta matéria n’A Falência, que é impossível não se agradar de pelo menos uma das múltiplas camadas da trama.

Alguns pontos, contudo, não me pareceram bem executados. É curioso, por exemplo, que a infidelidade de Camila, sabida por todos, fosse ignorada por Teodoro. A maneira por que Mário se comporta após o casamento (incluindo a decisão de casar-se) também destoa de como nos é apresentado seu caráter ao longo do livro. A postura resignada de Nina e sua reação ao casamento do primo também me pareceram pouco convincentes.

A impressão final deixada por A Falência é mesmo de insaciedade. Quando então finalmente se dá “a falência” aludida pelo título, o livro subitamente acaba, deixando o leitor curioso pelo destino de personagens tão queridos. A última cena então, embora de excelente escolha, chega a irritar simplesmente por ser a última. No mais, se o livro de D. Júlia não é uma obra-prima, esteve bem perto de sê-lo.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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