Um dos romances menos conhecidos do Dr.
Macedinho na atualidade é sem dúvida O
Forasteiro (1855), sétimo publicado por ele, mas o primeiro escrito pelo
festejado autor d’A Moreninha. Em
prefácio à obra, Macedo já advertia os leitores dos problemas de sua primeira
composição romanesca, revelando que só decidira publicá-la graças às instâncias
de um amigo, possivelmente seu editor, B. L. Garnier, que então rendia
consideravelmente com os vários títulos assinados pelo romancista.
A despeito dos defeitos deste romance, que não
se distanciam muito daqueles que figuram nos demais, O Forasteiro constitui excelente leitura de entretenimento, gênero
em que Macedo era indiscutivelmente um mestre. Não entendo por que tenha sido
esta obra tão negligenciada ao longo dos anos, não merecendo numerosas
reedições conforme acontecera com a maioria dos romances do autor. Penso mesmo
que, para uma primeira obra, O Forasteiro
já diz muito do talento daquele que se tornaria um de nossos mais populares
ficcionistas.
No romance em questão, deparamo-nos com as
várias fórmulas consagradas na obra de Macedo: o mistério de um passado oculto,
o enjeitado que desconhece suas origens, o personagem de identidade oculta, a
história que se conta dentro da outra, etc. A persistência destes artifícios
pode denunciar um prosador repetitivo e de pouca imaginação, mas deve-se
alertar para a condução que Macedo faz desses mesmos elementos, dispondo-os de
forma a criar, em cada nova obra, um enredo que cativa e entretém.
A trama aqui não é menos intricada que em outras
obras como Os Dois Amores e Vicentina. Tentarei clareá-la aos
curiosos.
Leonel foi entregue recém-nascido aos cuidados
da velha Constança, que recebeu a criança muito oportunamente, já que na mesma
época perdera seu filho, que fora preso pelo Santo Ofício, graças a uma
emboscada de um falso amigo chamado Rafael, de quem a inconsolável mãe
tornara-se inimiga implacável. Tudo se complica, porém, quando Leonel
apaixona-se e é correspondido por Branca, sobrinha/pupila de Rafael.
Branca, órfã de mãe, fora criada por seu pai com
a ajuda da índia Ciriaca, que lhe servira de ama. A mameluca Iveta (filha de
Ciriaca com um português) e Leonel (a quem Ciriaca também servira como ama de
leite) foram seus companheiros de infância. Enquanto Branca e Leonel partilham
de um sentimento recíproco, Iveta apaixona-se por Jorge, filho de Claudio Góes,
um leviano usurário. Com a morte do pai de Branca, esta vai viver com Iveta sob
a tutela de seu tio Rafael, que contrata o casamento da sobrinha com o filho de
Cláudio Goés, a quem devia dinheiro.
A par desses lances amorosos, temos um
misterioso personagem a quem todos conhecem unicamente pela alcunha de “Forasteiro”.
Trata-se de um velho encapuzado, que vive no meio da floresta, servindo a todos
quanto precisem de seu auxílio, sobretudo os mais pobres, com quem reparte seu
ouro de cuja origem todos desconhecem. Muitos o consideram um feiticeiro,
justificando por esse modo o conhecimento absoluto que o Forasteiro parece ter
sobre a vida de todos os moradores do lugar. Esquecia-me dizer que a história
se passa na então povoação de Itaboraí.
Esse misterioso ancião, após ter sido salvo por Leonel
na ocasião em que fora atacado por salteadores, abraça a causa do jovem
mancebo, decidido a ajudar os quatro jovens apaixonados a vencerem os obstáculos
de seus amores. Contudo, o velho Forasteiro guarda para si razões particulares
pelas quais alimenta um grande desejo de vingança contra Rafael e sua esposa
Alda. Esta, por sua vez, doente e reclusa, encobre na moléstia e na religião um
grande segredo, razão máxima de seu padecimento.
O
Forasteiro segue no ritmo acelerado tão comum aos romances de
aventura. Diferente de Os Dois Amores,
nele quase não há digressões, exceto aquelas em que o autor se detém na
explicação minuciosa de algum episódio do capítulo anterior. Os diálogos são ligeiros e interessantes. A
narrativa é ágil e correntia.
Enquanto romance de entretenimento, a obra
cumpre seu papel excelentemente. O que me incomoda nele, como em outros títulos
do autor, é certa pressa que percebo na execução do desfecho que, a meu ver,
poderia ser trabalhado com mais detença e observação. No mais, o livro atende
perfeitamente à sua proposta, tanto que – faço questão de reiterar – o
desmerecimento que lhe conferiu o público é mesmo digno de reparo.
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
A Editora Oitocentista lançou em 2021 uma edição fac-símile de O Forasteiro. Para adquirir seu exemplar, fale com a editora pelo Instagram (@editoraoitocentista) ou por e-mail (editoraoitocentista@gmail.com).
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