sábado, 24 de dezembro de 2022

Cecília (Cécile), de Alexandre Dumas - RESENHA #193

Eis que neste fim de ano, às vésperas do natal, retorno a ele: um dos nomes mais retumbantes do romantismo francês, o senhor Alexandre Dumas. Dele eu só havia lido o delicioso A Tulipa Negra, que muito me empolgou uns cinco anos atrás. Ainda estou me preparando psicologicamente para encarar a trilogia dos Mosqueteiros e O Conde de Monte Cristo, suas obras máximas. Um dia rs!

Cecília (1844) é uma obra menor na produção literária de Dumas, tanto em extensão quanto na qualidade. É, em resumo, o clássico romance romântico onde tudo dá errado. Mesmo sendo atentamente fiel às fórmulas desgastadas já naquela época, o diferencial de Cecília é a deliciosa escrita do criador de D’Artagnan.

O enredo, de fundo histórico, é sobre as desventuras de uma família de nobres perante a Revolução Francesa. Após a execução do esposo, a baronesa de Marsilly foge com a mãe e a filha pequena para uma pitoresca aldeia no interior da Inglaterra. Cecília é pois criada nesse lar idílico e torna-se uma jovem bela e de forte inclinação artística.

A baronesa, de saúde frágil, prevendo uma morte iminente, preocupa-se em garantir o futuro da filha. Seu desejo é casá-la com Eduardo, um rapaz sem sobrenome aristocrático, mas de futuro promissor. No entanto, ironicamente, a humilde Cecília acaba se apaixonando por Henrique, um jovem sem fortuna, mas de família ilustre. A partir desse dilema e das circunstâncias presentes, Cecília será obrigada a fazer sua própria escolha.

Ler Cecília trouxe-me saudades da época em que eu tinha tempo e paciência para fazer marcações de trechos. Inúmeras passagens e fraseados bonitos encheram-me os olhos. Eu, um apreciador confesso da linguagem romântica, tive grande deleite: mais em momentos específicos que na obra em si como um todo.

O capítulo em que Dumas descreve os passatempos da protagonista, sempre entretida com as flores, os pássaros e as borboletas, foi um dos meus favoritos. Outro aspecto que me sensibilizou bastante foi o apreço pela memória. Cecília esforça-se por preservar episódios de sua vida passada, especialmente os mais remotos, cuja lembrança não lhe é clara. Há ainda muitos outros momentos do livro que, isoladamente, mereciam uma releitura.

O tom desigual da narrativa evidencia a presença de um colaborador. Como todos sabemos, Dumas, que tornou-se um gigante dos folhetins, tinha lá seus ajudantes que, justiça seja feita, não eram escritores medíocres. Mas, sobretudo nos capítulos finais, a pena de um estilista mais refinado fez bastante falta.

A vantagem de ler Cecília não está no enredo desgastado e de tema batido. O que o texto oferece de precioso são detalhes e momentos da narrativa escritos em linguagem poética e de grande sensibilidade, capazes de aquecer o coração do leitor. O que quero dizer é que os bons momentos do romance são tão bons, que valem a leitura do livro todo.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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domingo, 18 de dezembro de 2022

Iperoig, de Leão Machado - RESENHA #192

Há desses livros que se mantêm num nível de literatura que está acima da mediocridade e abaixo da grandiosidade. Eu, particularmente, aprecio bastante em alguns momentos esse tipo de leitura, que casa perfeitamente com uma viagem ou uma simples fila de espera. Iperoig (1954), do paulista Leão Machado (1904-1976), se encaixa perfeitamente nesse nicho.

É bastante compreensível que esses livros “medianos” acabem condenados ao esquecimento; contudo, não deixam de ser quitutes saborosos para leitores curiosos como eu. Iperoig é de uma leveza tentadora para certas ocasiões. A simplicidade do formato e a pouca densidade do enredo fazem uma limpeza cerebral que por vezes não se pode dispensar.

Assim, sem maiores dificuldades, acompanhamos a bela Lucila no ônibus para Iperoig, compreendendo suas expectativas para o futuro e atentos às circunstâncias da nova vida da professora em começo de carreira. Não é difícil se identificar com a jovem idealista que pensa ser capaz de mudar o mundo, mas vê-se impedida pela realidade dura e cruel das classes menos favorecidas.

Qual de nós, trabalhadores desse mundo moderno, jamais questionou a serventia do que aprendemos nas universidades quando aplicada à nossa rotina profissional? Em pouquíssimo tempo Lucila compreende que precisará adaptar seus conhecimentos à realidade da Praia da Enseada, localidade de sua lotação. Ela travará conhecimento com pessoas que compartilham das mesmas dificuldades da prática, como também com aqueles que vivem iludidos com o fiel cumprimento das teorias.

Nesse contexto desafiador, a interferência de Alberto será de fundamental importância para que Lucila não se sinta frustrada. Além de beber na fonte da experiência do companheiro, a jovem professora acabará, de sobra, descobrindo o amor. Mas claro é que, nesse previsível lance amoroso, obstáculos surgirão para que o leitor possa torcer um bocado pelos mocinhos do romance.

Uma peculiaridade interessante da escrita de Leão Machado é seu fascínio pela descrição da natureza. O romance é todo entremeado por paisagens devidamente emolduradas em quadros à parte, de maneira a querer chamar a atenção do leitor para os cenários exuberantes dessa trama litorânea. Esse recurso aparece do início ao fim e, a meu ver, confere ao livro um caráter positivamente mais artístico.

Os tipos e costumes descritos também são de grande interesse, mas infelizmente recebem um tratamento pouco satisfatório, uma vez que o autor não se aprofunda nos personagens secundários, que poderiam render boa matéria para o romance.

Dentro do que se propõe, Iperoig é um livro bom, mas definitivamente não é uma obra para grandes públicos. Felizmente, durante a leitura, pude criar uma conexão agradável com a prosa do autor, de modo que a mesma nunca me parecia chata ou cansativa. É provável que o desfecho tenha sido o ponto que menos gostei, mas, até chegar lá, o percurso da narrativa soube ser aprazível à sua maneira.

 Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Zadig ou O Destino (Zadig ou La Destinée), de Voltaire - RESENHA #191

O nome Voltaire por si só já diz muito. A fama alcançada pelo filósofo francês repercute com grandeza até os dias de hoje. Cândido ou O Otimismo é o ponto máximo de sua ficção, mas, para meu primeiro contato com o autor, optei por Zadig ou O Destino (1747), onde nasce o conto filosófico voltairiano.

Após a leitura do Zadig, não posso pensar senão que Voltaire foi um gênio formidável. Que ideias bem traçadas e que beleza de escrita! A narrativa se mantém interessante quase que em sua totalidade, impondo-se como indiscutível modelo clássico que é.

Zadig é um jovem belo e inteligente que vive em Babilônia. Mesmo possuindo as mais elevadas qualidades físicas e morais, o destino lhe reserva grandes infortúnios. É essa vida cheia de altos e baixos que deparamos nesta novela episódica de Voltaire.

Os capítulos de Zadig apresentam, de modo geral, situações embaraçosas que levam o herói (como também o leitor) a refletir sobre as injustiças terrenas. Os maus sentimentos que prevalecem na raça humana distorcem as boas ações praticadas por Zadig que, ao invés de premiado, acaba padecendo dissabores em diversas ocasiões.

Em determinado momento, contudo, Zadig passa por uma experiência sobrenatural que pretende explicar-lhe os “caprichos do destino”. É seguramente a passagem mais catártica da história, independente da crença do leitor. Esse episódio consolador reanima o herói a seguir com seu propósito em busca da felicidade.

Zadig é um texto impressionante por vários motivos. O único fator que me incomodou na leitura foi a quantidade de substância compactada em pequeno número de páginas. O ritmo frenético dos capítulos curtos exige algumas pausas para que se possa digerir tanta matéria interessante. A novela, embora de leitura rápida, reverbera impressões que muitos romances longos não logram alcançar.

Avaliação: ★★★★

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quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Carlota Ângela, de Camilo Castelo Branco - RESENHA #190

Tenho muita admiração pela obra de Camilo Castelo Branco, mas numa bibliografia tão vasta como a do autor do Amor de Perdição é natural que nos deparemos com trabalhos menos inspirados, especialmente aqueles produzidos nos primeiros anos de sua trajetória ficcional.

Carlota Ângela (1858) é o romance menos interessante de Camilo dos que li até então. Lembrou-me bastante As Tardes de um Pintor, de Teixeira e Sousa, com aquela aura de século XVIII, sendo o romance brasileiro superior em minha humilde opinião.

Típico exemplo de literatura romântica em língua portuguesa, Carlota Ângela conta a história da protagonista que dá título ao livro, valendo-se do clássico modelo do casal separado pelas diferenças sociais. Carlota e Francisco desejam casar-se, mas a baixa posição do rapaz, que é tenente da Marinha, é motivo suficiente para que Norberto, o pai da moça, seja contra a união dos jovens.

Prevendo a negativa paterna, Carlota planeja recorrer à Justiça para unir-se ao amado, mas Norberto se adianta à filha, apoiando-se em Sampaio, seu cunhado, que obtém a remoção de Francisco para o Brasil, ação esta que lhe garante uns bons trocados saídos da bolsa do pouco astuto pai de Carlota.

Longe de seu amado, Carlota decide encerrar-se num convento, o mesmo de sua tia Rufina, que será sua aliada a partir daí. A ideia da moça é resguardar-se até o retorno de Francisco; mas Norberto, que deseja casar a filha com algum negociante rico, recorre mais uma vez à astúcia de seu cunhado, para juntos urdirem calúnias capazes de separar os apaixonados em definitivo.

O romance de Camilo segue nesse modelo já tão desgastado mesmo para sua época. Contudo, devemos considerar que foram esses primeiros trabalhos ficcionais do decênio de cinquenta que deram a Camilo a perícia necessária para compor grandes obras que viriam a partir da década seguinte.

Em Carlota Ângela o que mais fez falta foi aquele narrador buliçoso e intrometido que aqui ainda está engatinhando. De fato, as narrativas de Camilo valem mais pelos artifícios e recursos estilísticos que pelas tramas fabulosas que nunca foram o seu forte. No mais, Carlota Ângela não é um livro para se conhecer ou gostar da novelística camiliana; antes, é obra útil para quem deseja se aventurar no estudo e análise da ficção do grande escritor português.

Avaliação: ★★

Daniel Coutinho

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sábado, 15 de outubro de 2022

Teatro Flutuante (Show Boat), de Edna Ferber - RESENHA #189

Faz tempo que não falamos mal de livros por aqui, hem! Ficaram com saudades? Pois hoje temos um prato cheio. Acabo de finalizar aquele que deve ter sido o pior livro do ano. E vejam que já passaram por aqui A Vida que Sonhei e O Brigue Flibusteiro que lutaram ferozmente por esse título; mas Teatro Flutuante, da norte-americana Edna Ferber, desbancou facilmente seus adversários.

Não consigo entender o sucesso de público que foi Teatro Flutuante, quando de sua publicação em 1926, tendo sido posteriormente adaptado para um musical de sucesso da Broadway. Em poucas palavras, o livro é péssimo. O enredo é fraquíssimo, os personagens são desinteressantes, a escrita não vai além do razoável, e todos esses problemas tornam a leitura cansativa e arrastada.

As primeiras cem páginas já desafiam fortemente a paciência do leitor; e, nesse percurso, cheguei a abandonar o livro. Mas o valor sentimental que dedico à saudosa Coleção Saraiva fez com que retomasse a leitura, e tive esperanças de que dali por diante tudo seria menos ruim. Não nego que de fato a narrativa se torna mais tolerável depois desse primeiro terço enfadonho, mas nada que possa compensar essa primeira prova de resistência.

O romance nos apresenta a família Hawks, que dirige o teatro flutuante “Flor do Algodão”. Esses teatros flutuantes eram muito comuns até o princípio do século passado; eram embarcações que proporcionavam espetáculos de música e teatro para o grande público das cidades ribeirinhas.

Embora a autora nos conte um pouco da trajetória de Andy Hawks e Parthenia Ann Hawks, a maior parte do romance se concentra na filha única do casal: Magnólia. Esta, mesmo contra a vontade da mãe, que é extremamente conservadora, cresce em meio a esse mundo artístico de atores e atrizes de baixa categoria. Dessa forma, Magnólia inevitavelmente acaba se tornando também uma atriz itinerante.

O romance também explora a relação conflituosa entre Magnólia e Gaylord Ravenal, que entra casualmente para o elenco do “Flor do Algodão”, cobrindo uma vaga em aberto de galã. Os dois casam às escondidas por conta da negativa de Parthenia. A difícil relação com a sogra convence Gaylord a levar a esposa para Chicago, onde poderia praticar com mais liberdade o vício do jogo.

O estilo de vida desregrado de Gaylord provoca vários dissabores para o jovem casal, e Magnólia teme pela estabilidade da filha, a pequena Kim. Eles vivem uma existência sem raízes, migrando de hotel para hotel, segundo as circunstâncias ditadas pela sorte de Ravenal em suas jogatinas.

A premissa do livro certamente não é ruim e, a partir do cenário e galeria de personagens estipulados pela autora, uma grande trama poderia ser construída, repleta de episódios dramáticos e cheios de interesse. Mas infelizmente não é o que ocorre em Teatro Flutuante, onde as situações se arrastam através de cenas mal elaboradas e parênteses desnecessários.

Diante de uma obra tão problemática, o mínimo esperado era um desfecho digno, mas nem isso a autora nos entrega, uma vez que o último capítulo é um dos mais tediosos. Conclusão: Teatro Flutuante foi a leitura mais desnecessária que fiz este ano. Não leiam, é isso rs!

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domingo, 11 de setembro de 2022

Navio Ancorado, de Ondina Ferreira - RESENHA #188

O nome de Ondina Ferreira não me era estranho há bastante tempo, mas só agora pude finalmente conhecer sua obra, através de Navio Ancorado (1948). Trata-se de um grande talento do século passado que tem sido negligenciado pelos leitores de hoje. Ondina (1909-2000) é mais um desses achados com que me deparo às vezes, e que me fazem querer ler toda a produção literária de um autor.

Embora não seja um grande simpatizante dos recursos estilísticos que surgiram a partir do Modernismo, a escrita dessa paulista me seduziu do início ao fim. Valendo-se do artifício do “fluxo de consciência”, Ondina entrega-nos passagens permeadas de delicadeza e sensibilidade, dessas que fascinam o leitor com suas construções poéticas.

O romance, literatura moderna que foge do convencional, não possui protagonista, embora Ercília esteja no centro da narrativa, não como figura para a qual convergem os principais episódios da trama, mas como elemento que liga os vários núcleos que a compõem.

Ercília é uma mulher madura, independente e solitária. Após a morte da irmã, fechou-se completamente para o mundo, antipatizando a ideia de casar e ter filhos. Estando insatisfeita com a pensão onde morava, aceita dividir um apartamento com Berenice, sua prima que enviuvara recentemente.

Berenice e Ercília, mesmo com suas diferenças, entendem-se perfeitamente no novo lar, que Ercília compara a um grande navio ancorado, repleto de passageiros os mais diversos. A partir delas, passamos a ter contato com esses outros moradores do prédio, e conhecemos suas histórias, que se intercalam com as das primeiras personagens.

Berenice, mesmo viúva, alimenta uma paixão arrebatada pelo falecido esposo, e divide com a prima seus mais íntimos sentimentos através de várias lembranças revolvidas em sua memória. Ercília, por sua vez, fica profundamente impressionada com a imagem que cria de Nelson em sua mente, chegando a sentir-se apaixonada por ele.

Ao mesmo tempo que acompanhamos a intimidade dessas duas personagens, conhecemos as crises e dilemas dos outros “passageiros”. Áurea, por exemplo, é uma mulher tradicional e religiosa, mas que sofre grandes adversidades. Seu esposo, João Batista, além de estar cada vez mais distante, revela interesse por Jandira, outra integrante do “navio”. Esta, por sua vez, apaixona-se por Carlos Alberto, um viúvo intelectual e misterioso, que possui motivos muito particulares para não correspondê-la.

Os filhos de Áurea também são motivo de preocupação para ela. Iole possui uma perna defeituosa que a torna manca, o que requer cuidados e atenções especiais, como também a necessidade de se avaliar possíveis cirurgias que possam melhorar a qualidade de vida da filha. Gil, o filho mais velho, mantém um romance secreto com Maria Izabel, uma mulher casada. Esse vem a ser o motivo principal da insistência de Áurea com o marido para mudarem de residência.

O narrador de Ondina, com grande profundeza psicológica, passeia por todas essas histórias, revelando detalhes íntimos de todos os personagens que são alvo de suas lentes. Cada capítulo de Navio Ancorado é uma imersão pela mente humana. As situações cotidianas e triviais com que nos deparamos são apenas pretextos para revelações escancaradas sobre personagens profundamente reais.

Navio Ancorado certamente não é um livro feito para as maiorias. Ele requer leitores sensíveis às belezas do cotidiano e passíveis de reflexões intrigantes, que beiram o devaneio. Também não é o tipo de leitura que se faz em qualquer momento ou circunstância. O livro exige um determinado estado de espírito para ser aproveitado no que ele tem de melhor.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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terça-feira, 6 de setembro de 2022

Editora Oitocentista - Últimos lançamentos!

 

Os Guaianás, de Couto de Magalhães


Meu Álbum, de Pardal Mallet

O Macaco da Vizinha e Pai Cuco, o Feiticeiro, de Joaquim Manuel de Macedo

Contos Atribuídos, de Machado de Assis

Contos para Velhos, de Olavo Bilac

O Cavaleiro Teutônico, de Teixeira e Sousa

Cornélia, de Teixeira e Sousa

Para adquirir os livros, mande uma mensagem pelo Instagram - @editoraoitocentista - ou faça seu pedido através do e-mail: editoraoitocentista@gmail.com

sábado, 27 de agosto de 2022

Ramona, de Helen Hunt Jackson - RESENHA #187

Todos os anos a Literatura me proporciona boas surpresas, e Ramona já é uma das melhores deste ano. Trata-se do romance mais famoso da norte-americana Helen Hunt Jackson, que inexplicavelmente foi muito pouco difundido por aqui, não obstante ter sido “a cabana do Pai Tomás” dos povos indígenas.

Ramona (1884) é de uma simplicidade e candura que me lembrou os romances de Alencar. A primeira parte do livro fascina pela delicadeza e colorido das cenas, desenhadas no propósito de serem agradáveis ao leitor. Na segunda parte, porém, o ritmo é outro. Acompanhamos os personagens centrais numa trajetória frenética de luta pela sobrevivência. Em todos os momentos da trama, o livro se mantém excelente, e não há um só capítulo que possa ser considerado ruim.

Ramona é a filha de um homem branco, Angus Phail, com uma índia desconhecida. Foi entregue ainda bebê pelo pai à mulher que fora seu grande amor, a senhora Ramona Orteña. Pressentindo sua morte próxima, a senhora Orteña decide entregar a criança aos cuidados de sua irmã, a senhora Moreno, que mesmo sendo uma mulher religiosa, alimenta fortes preconceitos em relação à menina, por esta ser mestiça.

Ramona é criada pois como filha adotiva pela família Moreno, mas é constantemente tratada com muitas reservas pela senhora, que não consegue disfarçar a repulsa que sente pela garota. Por outro lado, Filipe, que torna-se o homem da casa após a morte do pai, dedica os sentimentos mais amistosos para com sua irmã de criação, sentimentos estes que encobrem uma paixão proibida.

A história se passa no estado da Califórnia, no período que sucede a independência dos Estados Unidos, quando os americanos realizam a ocupação de terras que antes pertenciam a povos indígenas. Muitas famílias mexicanas, como os Moreno, também perderam boa parte de suas propriedades nessa época.

No período de tosquia das ovelhas, a família Moreno convoca vários índios para o trabalho. Dentre eles, destaca-se Alexandre, cujo talento musical e conhecimentos de leitura elevam-no perante sua raça. Filipe sugere mesmo que Alexandre substitua o antigo capataz que, após um acidente, fica impossibilitado de cumprir suas funções na fazenda; mas a paixão nascente entre Ramona e Alexandre mudará completamente o rumo dos acontecimentos.

Ramona é um livro surpreendente por diversos motivos. Mesmo seguindo a linha do romance romântico, seus personagens revelam certa complexidade, que seria melhor explorada pela escola realista. A senhora Moreno, por exemplo, chama atenção pelo poder de manipular principalmente o próprio filho, fazendo-o crer que as decisões tomadas por ela são na verdade dele. Há também passagens em que seu tratamento para com Ramona indicam contradições que a tornam muito mais humana aos olhos do leitor.

Enriquecem o livro personagens de segundo plano que desempenham muito bem seus papéis. O padre Salvierderra é um tipo muito simpático que, mesmo tendo uma participação mínima na trama, consegue ser memorável. Margarida, conquanto não seja uma grande vilã, realiza perfeitamente o papel da invejosa irritante. E o que dizer de tia Ri? Ela simplesmente rouba a cena nos capítulos finais com seu jeito falante e carismático.

Ramona é um livro completo, mesmo com suas imperfeições. É aquele tipo de livro que, quando concluída a leitura, enche-nos da sensação de que emergimos de uma experiência fantástica. Embora tenha me desagradado nesta ou naquela passagem, injusto seria negar sua grandiosidade.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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sexta-feira, 8 de julho de 2022

Agulha em Palheiro, de Camilo Castelo Branco - RESENHA #186

Pouco a pouco vou conhecendo mais da obra do grande Camilo Castelo Branco, o escritor mais prolífero do Romantismo em Portugal. Desta vez, li outra de suas novelas sentimentais, Agulha em Palheiro (1863) que, embora não tenha me agradado tanto quanto Os Brilhantes do Brasileiro, soube ser simpática a seu modo.

Pelo que tenho lido de Camilo, acredito que seu maior talento não era fabular tramas envolventes e impressionantes. Seus romances valem mais pela escrita notadamente marcada pelo estilo tão particular do autor. Há certa graça no narrador camiliano que infelizmente não envelheceu bem, e que só parecerá atrativa aos apreciadores de antiguidades, que nem eu.

Recomendo a quem pretende se aventurar pela prosa do autor de Amor de Perdição: não espere encontrar tramas e personagens cativantes. O protagonismo está sempre no próprio narrador, que vem a ser a figura mais empolgante das histórias, podendo refletir, emocionar e divertir o leitor, não necessariamente nessa ordem.

Agulha em Palheiro conta a história de Fernando Gomes, moço pobre, filho de um sapateiro e uma colchoeira. O pai de Fernando, Francisco Lourenço, mesmo sendo uma pessoa simples, possuía inclinações literárias e ambicionava um futuro brilhante para o filho. Por esse motivo, Fernando foi incentivado a estudar e concluiu Direito em Coimbra.

Mesmo sendo inteligente e tendo se formado com louvor, Fernando sofre o preconceito de classe, por ser filho de sapateiro. Além das zombarias dos outros acadêmicos, o jovem bacharel enfrenta dificuldades para estabilizar-se profissionalmente. Desiludido com os projetos sonhados por seu pai, Fernando pede permissão para viajar por um tempo, o que é logo concedido.

Passeando por diversos pontos da Europa, Fernando chega a Florença, onde é apresentado a Bártolo de Briteiros e suas duas filhas: Eugênia e Paulina. Trata-se de uma família portuguesa expatriada, cujo pai, após enviuvar, deseja passar o resto da vida na companhia das filhas, evitando ao máximo que estas contraiam matrimônio.

Fernando apaixona-se perdidamente por Paulina, a filha mais moça de Briteiros, sendo prontamente correspondido. Mas, além das dificuldades impostas pelo próprio pai da jovem, o filho do sapateiro receia falar de suas origens para a amada. Não bastassem todos esses obstáculos, a chegada de um rival agrava a situação dos namorados, uma vez que a proposta de casamento do Marquês de Tavira, a quem Bártolo reconhece como primo, agrada ao velho português, pois o parente promete viver com o sogro.

Nesse ponto da narrativa, um novo personagem se destaca. Hipólito de Almeida, que estudara com Fernando, sendo também de origem humilde, prontifica-se a auxiliar o amigo em seu dilema amoroso. Hipólito e Paulina acreditam que uma fuga seria a melhor saída para o problema, mas os pundonores do filho do sapateiro acabam obstando a execução de tal projeto.

É quando Camilo toca nessas questões de honra que a narrativa dialoga com seu título. Fernando, do alto de sua probidade, é como uma agulha no palheiro, um tipo raro que sobrepõe sua honradez acima dos próprios sentimentos. O ponto alto do romance é justamente quando nos deparamos com o dilema entre razão e emoção.

Agulha em Palheiro, considerando-se o panorama romântico da literatura de língua portuguesa, não é obra que se destaca. Dentro do que se propõe, é um livro aceitável, mas que nada ultrapassa ao limite do que já se espera de uma novela sentimental.

Avaliação: ★★★

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sexta-feira, 17 de junho de 2022

Os Meninos da Rua Paulo (A Pál utcai fiúk), de Ferenc Molnár - RESENHA #185

Sou um entusiasta dos clássicos infantis e já me deleitei com grandes autores como Frances Hodgson Burnett, José María Sánchez-Silva e José Mauro de Vasconcelos. Por esse motivo, foi inevitável criar grandes expectativas em torno de Os Meninos da Rua Paulo (1907), um clássico aclamadíssimo. Embora reconheça que o livro do escritor húngaro seja muito bom e bastante recomendável para crianças, a leitura não me empolgou da maneira esperada.

Acredito que isso tenha se dado em grande parte pelo meu deslumbramento com Majupira no início deste ano. Embora Boka e Nemecsek sejam adoráveis, o nosso Pedro Luiz consegue ser ainda mais interessante enquanto líder de um grupo de garotos. A rigorosa disciplina militar dos meninos húngaros também me pareceu menos crível que os lances aventurescos da garotada do Pequiri. Mas, em resumo, o romance de João Batista de Melo e Souza, ainda fresco em minha memória, acabou ofuscando o trabalho de Ferenc Molnár.

No enredo de Os Meninos da Rua Paulo, um grupo de garotos enfrenta a cobiça de outro grupo pelo seu espaço de lazer: um terreno baldio ou “grund”, como se denomina em Budapeste. Para piorar a situação, um dos meninos da Rua Paulo fez aliança secreta com o grupo dos camisas-vermelhas, mas os únicos que sabem disso são Boka, o líder dos garotos, e Nemecsek, que possui a mais baixa posição hierárquica no grupo.

É curioso o modo disciplinado como as crianças desse livro encaram suas sociedades secretas. Há toda uma hierarquia militar, de general a soldado raso, onde cada membro possui privilégios e restrições que precisam ser seguidos à risca. Os grupos ainda contam com livros de anotações e registros das assembleias realizadas, como também das ocorrências gerais envolvendo os membros constituintes.

Enquanto Boka se esforça por encontrar a melhor maneira de desmascarar o membro traidor, além de compor o plano de guerra contra os camisas-vermelhas, o pequeno Nemecsek aspira por realizar algum feito grandioso que proporcione sua promoção dentro do grupo. Mas os inimigos se revelam poderosos e mais fortes, o que torna tudo mais difícil para os meninos da Rua Paulo, sobretudo para Nemecsek.

A parte inicial e a parte final do romance de Ferenc Molnár causaram-me melhor impressão que o desenvolvimento do livro, que me soou menos interessante, concentrado sempre nos assuntos infantis. Eu seguramente teria me envolvido mais com a trama se a tivesse lido na adolescência, embora não tenha deixado de apreciar as qualidades da escrita de Molnár.

Já não me surpreende o aparecimento do tema da morte em livros infantis. Todos os grandes clássicos do gênero – O Pequeno Príncipe, Marcelino Pão e Vinho, O Menino do Dedo Verde, O Meu Pé de Laranja Lima, A Teia de Charlotte, dentre outros – carregam esse tema quase como que uma obrigatoriedade.

Há aspectos interessantíssimos para se refletir após a leitura de Os Meninos da Rua Paulo, especialmente se fizermos um paralelo entre as crianças daquela época e as de hoje. No capítulo final, o comportamento insensível de um figurão da alta sociedade encheu-me de indignação. E é no mínimo frustrante a novidade que pega todos de surpresa nas últimas páginas. Todos esses aspectos, além de outros não citados, tornam relevante a leitura desse clássico.

Avaliação: ★★★

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quinta-feira, 26 de maio de 2022

O Professor Jeremias, de Léo Vaz - RESENHA #184

Léo Vaz (1890-1973) foi um escritor paulista muito apreciado em seu tempo, tendo seu livro de estreia, O Professor Jeremias (1920), recebido grandes elogios por seus contemporâneos. Mas, não fosse a inclusão dessa obra na famigerada Coleção Saraiva, eu certamente não a teria lido, uma vez que, como seu autor, está bastante esquecida, mesmo tendo ganhado uma nova edição em 2001.

Aqui temos um desses casos em que o esquecimento é totalmente justificável. O livro de Léo Vaz é uma tremenda maçada! Mesmo sendo de pouco fôlego, fiquei tentado a abandoná-lo diversas vezes. A ideia de compor uma autobiografia romanceada infelizmente não vingou em O Professor Jeremias ou, no mínimo, o livro não envelheceu bem.

De longe percebe-se o entusiasmo do autor, que investe em recursos literários e procura surpreender fugindo do convencional. Mas o estilo acaba sendo uma imitação pouco louvável de Machado de Assis, o que, unindo-se a uma coleção de narrativas fracas e sensaboronas, forma um livro desinteressante.

Os primeiros capítulos são os mais palatáveis da obra e prometem um belo desenvolvimento. Mas quando finalmente o narrador (que é o professor Jeremias) revela estar escrevendo aquelas memórias para seu filho (Joãozinho), perde-se o interesse, uma vez que as histórias contadas são uma “seca”, como diria certo personagem do Eça rs.

Há certamente valor na crítica social que o autor realiza em sua obra, e que se faz presente através das memórias relatadas desde a infância de Jeremias até este tornar-se professor em Ararucá. O narrador irônico e bem-humorado também chama atenção nesta ou naquela passagem; mas, porque faltasse imaginação ao prosador, ou porque este se rendesse à veracidade de sua própria vida, o livro como um todo pouco interesse suscita.

Não nego que algumas das histórias do Jeremias sejam aproveitáveis. Eu mesmo me diverti com certos episódios que sustentaram a leitura. Definitivamente a escrita de Léo Vaz não é ruim. Mas seu incógnito amigo Sadi deveria tê-lo aconselhado a também deixar em paz a prosa de ficção.

Avaliação: ★★

Daniel Coutinho

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