sábado, 24 de junho de 2023

Laranja Mecânica (A Clockwork Orange), de Anthony Burgess - RESENHA #198

A cada ano eu me descubro mais enquanto leitor. Desde muito que a literatura faz parte da minha vida e, em todo esse tempo, tem sido motivo de grande entusiasmo. Daí, obviamente, tive muitas fases legais: a fase das descobertas, a fase da formação do gosto pessoal, a fase de querer ler todos os clássicos mais conhecidos, a fase de comprar livros desenfreadamente, e por aí vai.

Dessa fase de comprar muitos livros herdei uma biblioteca gigantesca que não parava de crescer. Mas uma outra fase maravilhosa chegou para mim: a do desapego. Desde então, sou um novo homem. Os livros desinteressantes (que já eram ou que se tornaram com meu amadurecimento) foram todos indo embora, o que era bom, pois cediam espaço aos novos que nunca param de chegar.

Às vezes, admito, dá pena passar adiante algumas edições especiais, como é o caso desta de Laranja Mecânica: comemorativa dos 50 anos da obra. Mas como nunca mais devo ler este negócio medonho novamente, não faz sentido mantê-lo aqui parado na estante. Talvez esteja sendo inoportuno com uma introdução já demasiado longa para uma resenha, mas esta última leitura me fez repensar bastante sobre livros e leitores de forma geral.

Para mim, Laranja Mecânica (1962) é um livro ruim, mas esta é só uma opinião pessoal. Um livro que há mais de cinquenta anos permanece sendo reeditado e traduzido no mundo todo sem interrupção certamente terá algo de bom, e isso não posso negar. Mas o mundo é muito diverso e é impossível agradar a todos com a nossa conversa. E o que são os livros se não longas conversas compostas artisticamente por seus autores?

Já estou lendo outro livro, O Bandido do Rio das Mortes, de Bernardo Guimarães, e quando menos percebi já estava na metade. É que a conversa estava fluindo agradavelmente, preservando sempre o meu interesse. Laranja Mecânica não conversou comigo da mesma forma. O problema não era a escrita do Burgess, tampouco a gíria nadsat criada por ele e que pode sim ser um obstáculo nos primeiros capítulos. O problema não era nem mesmo o tema, que de fato não é dos meus preferidos, mas sim o tratamento dado a ele.

Em resumo, as escolhas de Burgess para sua obra mais famosa não conversaram comigo da forma como gostaria. E, agora sim, após este longo introito, podemos nos concentrar finalmente no livro em si.

Laranja Mecânica é um romance distópico que nos leva para uma Londres devastada pela violência juvenil. Alex é um adolescente de quinze anos que, juntamente com seus parceiros de gangue, realiza diversos atos criminosos: assaltos, espancamentos, depredações e até estupros. Esses jovens atuam deliberadamente, isentos de qualquer sentimento de empatia ou compaixão.

Mesmo entre os parceiros de gangue há desentendimentos e, numa determinada situação, Alex é traído pelos companheiros e capturado pela polícia. A vítima do crime em questão acaba falecendo e Alex é condenado a vários anos de prisão.

Desejoso de recuperar sua liberdade o quanto antes, Alex aceita se submeter a uma nova técnica correcional, ainda em desenvolvimento, e que prometia curá-lo de seus maus instintos no inacreditável período de duas semanas. É a partir daí que o autor completa o repertório necessário para chegar à crítica central pretendida pelo livro.

Agora passemos aos diversos problemas narrativos da obra de Burgess. Podemos começar pela construção dos personagens, que beira o ridículo, de tão rasa que é. Afora Alex, os demais personagens mais parecem marionetes programadas para cumprirem seus objetivos essenciais no livro. Fica claro que os pais de Alex, desatenciosos e omissos, têm bastante culpa quanto à péssima formação de caráter do garoto. Eis uma pauta, a meu ver, essencial e que certamente poderia conferir mais substância ao romance, mas que no entanto foi negligenciada de modo imperdoável.

Os demais personagens de relativa importância, como o escritor que é assaltado pela gangue de Alex e o capelão da cadeia, são igualmente pouco aproveitados, não rendendo episódios interessantes que colaborassem à trama. As participações deles são pontuais e não chegam a formar enredos secundários, tornando a narrativa toda centrada no próprio Alex, o que para mim tornou o livro insuficiente e pouco lúdico. Verdade seja dita: subtramas já salvaram muitos livros.

Algumas situações também ficaram muito mal explicadas, seja a morte de um personagem ou mesmo o destino de outros que assumem profissões improváveis do dia para a noite. E o que dizer do capítulo final? É perfeitamente compreensível a decisão dos editores americanos de o deixarem de fora do livro. O capítulo final de Laranja Mecânica é tão forçado, que não pude evitar concluir a leitura na força do ódio. Pareceu-me simplesmente inconcebível, e talvez que a obra me parecesse em geral mais regular se concluída até onde os americanos a divulgaram, inclusive no filme de 1971.

Laranja Mecânica, além dos problemas já apontados, é do início ao fim uma leitura incômoda: seja pela violência exagerada, pelos métodos radicais aplicados em Alex, ou pela falta de algum personagem ou situação que de certo modo compensassem o leitor por tantos incômodos. Se o capítulo final pretendia dar essa compensação, o objetivo não foi alcançado. O que fica pois de positivo de toda essa experiência é a conclusão de que uma nova fase está chegando por aqui: a de abandonar livros que não conversam comigo.

Avaliação: ★★

Daniel Coutinho

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