segunda-feira, 28 de março de 2016

Coleção "Os Clássicos" da ABC Editora de Fortaleza



A coleção “Os Clássicos” da ABC Editora (que é uma editora cearense) foi uma das principais responsáveis por me tornar um amante da literatura luso-brasileira. Foi mesmo através dela que conheci autores como Joaquim Manuel de Macedo, Franklin Távora, Aluísio Azevedo, Camilo Castelo Branco e muitos outros. Quando estava adentrando o universo dos clássicos, as edições da ABC eram, na época, bastante acessíveis, fáceis de encontrar nas bibliotecas e livrarias. Daí, meu amor por essa coleção é totalmente explicável e, desde 2004, coleciono seus títulos e, hoje, tenho quase todos. E agora estou me sentindo sufocado, sem saber por onde começar, com mil ideias na cabeça e ao mesmo tempo preocupado em não deixar isso aqui muito prolongado. Ufa! Minha gente, falar dessa coleção é muito amor envolvido; portanto, é meio complicado, mas acho que consigo.

Sobre datas, é um tanto difícil falar com relação a essa coleção. Já vi exemplares bem antigos com capas diferentes das versões mais difundidas. Não sei dizer exatamente quando iniciaram e quando finalizaram as atividades dela, mas tomando por base os anos dos meus 78 títulos, posso afirmar que durante toda a década passada ocorreu o processo de formação e encerramento, sendo o período mais prolífero entre 2002 e 2004. Os livros foram lançados em quatro fases; cada fase com 25 títulos, sendo que a última, ao que parece, foi cancelada logo nos primeiros lançamentos. Dos 100 livros previstos, 80 foram lançados; e assim penso, porque nunca vi em parte alguma os 20 restantes, nem em livrarias, nem em bibliotecas, nem na internet, nem em parte alguma. Temos ainda o fato de que a coleção deixou de ser editada, o que ratifica minhas suspeitas.

Os dois únicos títulos que não consegui obter pertencem à 3ª fase. São eles: A Relíquia (Eça de Queirós) e Broquéis/Faróis (Cruz e Sousa). Cheguei a desconfiar de que também não tivessem sido lançados, mas vi uma vez o do Cruz e Sousa na Estante Virtual [só não comprei a tempo! :-( ]; quanto ao romance do Eça, nunca vi em parte alguma, de maneira que só conheço a capa porque figurava no verso de algumas edições. Não obstante, imagino que as tiragens desses dois livros foram bem limitadas, dada a dificuldade de encontrá-los. Assim, quem souber onde posso encontrá-los, por favor, me avise através do e-mail que aparece ao final deste post, que ficarei bastante agradecido.
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Luzia-Homem, que é o 1º título da coleção, é também o primeiro clássico nacional que li, embora o tenha lido por outra edição. Ainda assim, achei uma grande coincidência! “Os Clássicos” da ABC estão diretamente envolvidos à minha primeira fase de leitor de obras oitocentistas; por isso tenho tanto amor por essa coleção. Foram os primeiros livros que comprei e, em pouco tempo, passei a colecionar. Todo dinheiro que me sobrava era para comprar um clássico da ABC. Tenho uma feliz lembrança de quando em Sobral, no Beco do Cotovelo, entrava numa livraria (tinha então 14 anos) que possuía boa parte do acervo da ABC. Os livros ficavam expostos numa prateleira enorme e eu queria levar tudo comigo. Embora fossem baratos, comprava uns dois quando muito, pois, aos 14, era meio complicado arranjar grana.

As capas da coleção “Os Clássicos” sempre chamaram minha atenção. Todas as capas são assinadas por um tal Heron Cruz. A verdade é que somente as capas da 1ª fase são criações originais. As capas das outras fases são releituras de pinturas famosas, em que muitas vezes o artista plástico apenas altera a cor ou acrescenta algum outro detalhe. Todas, contudo, obedecem a um padrão visual que sempre gostei: no lado esquerdo de cada clássico, a imagem aparece desbotada, onde constam o nome do autor (que fica na parte superior), o título da obra (sempre na mesma fonte) e as logomarcas da coleção e editora (na parte inferior). Todos os livros eram brochuras com orelhas que traziam informações sobre o autor. Cada edição trazia ainda notas introdutórias e questionários de algum crítico ou professor cearense.

Passando para os contras, tenho que admitir que minha querida coleção não era perfeita. A encadernação era horrível, pois as páginas não eram costuradas, mas apenas coladas e com uma cola bem ruinzinha rsrsrsrs. Era comum algumas vezes as primeiras páginas caírem, mas depois de perceber essa fragilidade, tive cuidado (e ainda tenho) para que isso não acontecesse mais. Os erros de revisão também não eram poucos. Os livros da 1ª fase estão mais bem revisados, mas os das outras fases têm muitos erros, talvez por terem sido lançados quase que na mesma época, no auge da coleção. As ilustrações também ficaram a desejar. O ilustrador era João Jorge Marques Melo. O chato é que parece que contrataram esse cara pra fazer certo número de imagens que ilustrariam todos os livros da coleção. Sim! As ilustrações se repetem várias vezes no mesmo livro e em vários outros (que não têm nada a ver com eles) exatamente iguais. Percebo que elas se encaixam melhor nos livros da 1ª fase. Sempre achei que essas ilustrações chatas não teriam feito falta.

A 4ª fase, como já mencionei, mal foi iniciada, foi logo cancelada, tudo isso em 2004. A ABC, contudo, continuou realizando novas tiragens dos títulos mais vendidos e continuamente solicitados pelas livrarias. Lançaram os três primeiros da última fase: Sonetos e Outros Poemas (Bocage); Mensagem (Fernando Pessoa) e Sonetos (Luís de Camões). Foi exatamente aí que as atividades foram interrompidas, mas ainda em 2004, a ABC lançou Os Bruzundangas (Lima Barreto), talvez atendendo a pedidos, porque este livro só deveria ser editado depois de 14 outros títulos, segundo a listagem apresentada na contracapa dos livros dessa última fase.

Em 2006, finalmente, é lançado o último livro da coleção: Aves de Arribação (Antônio Sales), outro lançamento que com certeza deve ter sido realizado mediante pedidos, ainda que constasse na listagem programada. É mesmo muito chato que 20 títulos previstos para esta coleção tenham sido cancelados, talvez pela queda nas vendas ou mesmo alguma crise financeira da editora. Lembro que, aos 14, sonhava em ter a coleção completa com os 100 livros. Ao menos, dos 80 lançados, consegui 78, e continuo na busca pelos dois que faltam.

Apesar de tudo, não tem como eu não continuar amando esta coleção que marcou uma importante fase da minha vida. Tenho sim um carinho muito especial por ela, principalmente por ter me apresentado a autores que tanto admiro. O próprio José de Alencar entrou de fato na minha vida através dessa coleção (e nunca mais saiu! rsrsrs). Posso afirmar que “Os Clássicos” da ABC foram uma das mais importantes lições que tive enquanto leitor, e que grande parte do meu amor pela literatura se deve a esta bela lição.

A título de curiosidade, em 2001, a ABC fez uma edição das Lendas Brasileiras (Câmara Cascudo) com projeto gráfico idêntico ao da coleção “Os Clássicos”. Pelo que sei, esse lançamento era destinado a estudantes do Rio Grande do Norte, e teve a parceria da “Tribuna do Norte”, jornal publicado diariamente na capital Natal. Os herdeiros de Câmara Cascudo e a Global Editora (que detinha os direitos sobre a obra) nada cobraram de direitos autorais. A edição traz um esclarecimento com relação a isso. Nenhuma explicação é dada com relação à semelhança do projeto gráfico, além de também não ser feita qualquer alusão à minha querida coleção.

A quem tiver curiosidade, deixo, através das imagens abaixo, a relação completa de obras que compõem a coleção “Os Clássicos”, inclusive as que nunca foram lançadas. É possível encontrar muitas edições dela na Estante Virtual. Pesquise por editora: ABC, e refine a busca com o título da obra desejada. Desculpem se pareci um fã retardado neste post. Tenho dias assim.

Daniel Coutinho






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segunda-feira, 21 de março de 2016

Iraguacy, a Morena Índia do Sertão, de Angélica Sampaio - RESENHA #7

Acho que todo mundo que vê a capa desse livro, pensa logo em Iracema. A verdade é que eles se assemelham em alguns aspectos “intencionais”, porque em termos de consumação, essa Iraguacy está bem aquém da obra-prima de Alencar. Vamos entender o porquê.

Iraguacy, a Morena Índia do Sertão (2001) é o primeiro romance da cearense Angélica Coelho Sampaio, que antes já havia publicado Êxtase, um livro de poesia. Com esse romance, Angélica quis, como Alencar, cantar sua terra natal, mas foi mais específica ao focar seu município natalício: Quixadá, o berço de nossa memorável Rachel de Queiroz. Angélica baseou-se em lendas da sua cidade, principalmente as que dizem respeito aos pontos turísticos da mesma, como: Pedra da Galinha, Gruta do Magé e Barriguda (que é uma árvore espinhosa pelo que entendi). Achei bacana a ideia ou intenção da autora. A maneira, contudo, como ela conduziu a trama fictícia (que é fraquíssima) é que não foi muito feliz.

A princípio, o leitor depara-se com um enredo simplicíssimo, meio enfadonho até. Sei que romances indianistas são taxados de enfadonhos, mas quando você lê Ubirajara, por exemplo, passa a não dar crédito a essa crença. Iraguacy apresenta a tribo andarilha dos quixaras, que foi baseada na extinta tribo tapuia dos quixarás ou quixadás (de onde provém o nome do município Quixadá). Essa tribo (a do livro) crê na profecia de que vão encontrar uma terra prometida onde fixarão sua aldeia e que se chamará Vale das Pedras. O pajé Magé, pai de Iraguacy, conduzirá a tribo até o desejado solo (que é Quixadá). Lá, ele decide casar a filha com o guerreiro Japê, mas antes precisa que ela faça parte de um ritual que lhe trará visões sobre o destino dos quixaras. Iraguacy tem uma visão nada agradável e prefere guardar silêncio, confiando o segredo unicamente a seu amado Japê. No entanto, para que os dois se casem, é necessário que Iraguacy revele o trágico segredo.

Preferi deixar algumas lacunas para não desgostar alguém que pretenda ler o livro que, adianto, não é de grandes surpresas. Mas vou explicar agora os problemas que vi em Iraguacy. Considero o “fazer um romance indianista” uma tarefa ousada por sua complexidade. Não basta fazer uma pesquisa para fazer obra desse gênero. É necessário impregnar a história de um indianismo convincente, o que não é possível inserindo apenas ocasionalmente um ou outro termo indianista. A linguagem de Iraguacy destoa da situação narrada. Os índios de Angélica Sampaio têm uma linguagem muito contemporânea para serem situados no período pré-colonial. Daí, alguém pode dizer que nenhum escritor, nem mesmo Alencar, traduziu com veracidade essa linguagem indígena. Não me refiro, contudo, a uma fidelidade autêntica da linguagem, mas a uma forma mais condizente ou mais aceitável para indígenas, sobretudo na fala dos personagens. Mas espere aí, inconformado leitor, que vou comprovar o que estou dizendo. Para tanto, leia o trecho a seguir, que é a passagem em que o pajé Magé reúne os quixaras para contar o sonho profético da terra prometida.

“— Ontem fui consagrado a ter a honra dos espíritos da visão e a ver a nossa terra esperada. Amanhã mesmo iniciaremos os preparativos para a caminhada. Nas visões aparecem um vale de pedras no centro desse sertão. São formas estranhas e colossais que protegem as terras desse lugar. E nós, os Quixaras, fomos designados a proteger esse solo do qual seremos senhores por muito tempo. Lá, encontraremos a Árvore Sagrada, uma caverna em forma de oca em meio aos lajedos e uma enorme galinha de pedra que impera no meio de tantas rochas.” (Iraguacy, págs. 27-28).

Percebam a formalidade da linguagem! De fato, não se encaixa com um velho índio, ainda que seja um sábio pajé. Também incomoda a inserção de referências a coisas que os indígenas desconheciam, como “galinha”, conforme o próprio prefaciador do livro, Batista de Lima, menciona. Os vários erros tipográficos e até de concordância comprovam que a revisão foi falha, o que, a meu ver, compromete bastante a integridade da obra.

Mas todos esses senões devem fazer pensar que nada vi de bom em Iraguacy. Felizmente, vi sim. Embora a leitura tenha sido um tanto desagradável no começo — em capítulos curtíssimos, com acontecimentos nada empolgantes — após a visão de Iraguacy, a obra funciona melhor, mais imprevisível, até mais poética. O final, sobretudo, embora sem originalidade, conclui o livro numa frase bonitinha que tem tudo a ver com a proposta da autora de cantar uma lenda de sua cidade.

“Hoje, nessas mesmas terras, os Quixaras já não vivem mais./Vive outra gente, a tribo dos homens, senhores desses monólitos: os Quixadaenses.” (Iraguacy, pág. 122). Confesso que essa parte eu reli.

A maioria dos problemas encontrados em Iraguacy são compreensíveis. Fazer um romance indianista não é nada fácil mesmo. É sempre bom esclarecer que não quis desmerecer o talento e a sensibilidade artística de sua autora, que o publicou até quando era bem jovem. Portanto, se quiser ler um bom livro indianista, meu amigo leitor, leia Iracema ou pelo menos Ubirajara, e passemos essa página logo!

Avaliação: (aquela 1 estrela quase duas, ok?)

Daniel Coutinho

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segunda-feira, 14 de março de 2016

Mais Livros! - MAR/2016



O Mais Livros! deste mês está tão bom quanto diversificado: livros novos e usados, clássicos e modernos... Muita coisa boa mesmo!

Este mês, adquiri mais livros da saudosa Cosac Naify, o que só reiterou a certeza que tinha sobre a qualidade dos livros dela. Os 5 livros que obtive são realmente deslumbrantes. Fábulas Completas de Esopo é uma obra, a meu ver, essencial. A edição é em capa dura, revestida de tecido aveludado; a impressão do texto é em vermelho, acompanhada de várias ilustrações; as fábulas estão dispostas em ordem alfabética, algumas delas são inéditas em português; a tradução foi realizada direto do grego. Está mesmo impecável, mas o material da capa dificulta um pouco a abertura do livro, de maneira que abri-lo requer certo cuidado. Não localizei a famosa fábula do sapo e do escorpião. Talvez esteja com outro título. Alguém poderia me informar?

Aquele velho dizer “uma coisa puxa outra” é bem verdadeiro. Por isso, ainda da Cosac, adquiri Contos da Mamãe Gansa, de Charles Perrault, e os Contos Completos dos irmãos Grimm. O primeiro traz as versões originais de clássicos como Cinderela e Chapeuzinho Vermelho; cada conto está impresso em um tipo de papel diferente e o traço das ilustrações também varia em cada história; um show de edição! O segundo está num box com 2 volumes, representando os dois livros organizados pelos irmão Grimm: o de 1812 e o de 1815; o miolo é constituído de papel de várias cores, dando um visual arco-íris ao corte do livro; é ilustrado com xilogravuras; mais uma edição estupenda! Quanto aos outros dois livros da Cosac, são eles: O Som e a Fúria, de William Faulkner, e Sangue no Olho, da chilena Lina Meruane. Este último é obra contemporânea e confesso que comprei instigado pelo criativo projeto gráfico: as páginas vão escurecendo conforme a protagonista do romance vai ficando cega. Essa Cosac vai fazer falta mesmo!

Adquiri outro romance da Ana Miranda, que mais uma vez, foi o único livro nacional do mês: Desmundo, que já foi inclusive filmado há alguns anos. E sim... não resisti a esta edição pop-up d’O Pequeno Príncipe, do Exupéry. Não, este livro não é da Cosac, mas é também uma obra de arte. As ilustrações parecem mesmo saltar das páginas; a dos baobás é minha favorita. Necessitava dessa edição, minha gente! Deu até vontade de reler esta pequena grande obra. É... O feriado da semana santa terá Exupéry!



Passando pros usados, consegui uma raridade: O Professor, da Charlotte Brontë (editora Global, 1983). É por isso que eu amo os sebos! Esse romance está há muito fora de circulação, embora haja promessa da queridíssima editora Pedrazul de lançá-lo em 2017. De qualquer forma, já garanti o meu. Outra obra não menos rara que consegui foi O Judeu Errante, que é obra das mais importantes de Eugène Sue, ao lado de Os Mistérios de Paris (que continuo procurando). A edição em 3 volumes é do Grupo Editorial Paulista; não traz ano, mas pelas condições, imagino que deva ser de meados do século passado; tem um total de 1250 páginas aproximadamente.
 
Ia esquecendo! Quando lembrei, já tinha feito a fotografia principal e guardado os livros. O saldo deste mês completa-se com Persuasão, de Jane Austen, em edição belíssima da editora Zahar. O livro foi acrescido de duas novelas: Lady Susan e Jack & Alice. A edição segue o padrão de qualidade que a Zahar sempre utiliza em seus clássicos.

Daniel Coutinho

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segunda-feira, 7 de março de 2016

Três Peças Escolhidas, de Eduardo Campos - RESENHA #6

Eduardo Campos foi um notável escritor cearense, sobretudo na dramaturgia, onde mais se destacou. Era conhecido por Manuelito e, dentre as importantes funções que exerceu, foi presidente da Academia Cearense de Letras. Nunca tinha lido nada dele e, pra falar a verdade, não o conhecia até 2012, quando ganhei o livro Três Peças Escolhidas.

Confesso que adoro teatro. Não estou falando exclusivamente do espetáculo em cena, mas do contato com o texto teatral, uma forma literária bastante peculiar. Acho, inclusive, o talento de dramaturgo especialmente louvável, uma vez que o considero mais complexo que o do romancista, dadas as limitações impostas à obra teatral, que não pode prender-se tão somente à arte da palavra, mas ao resultado que será exibido no proscênio.

Três Peças Escolhidas reúne as peças mais aplaudidas de Eduardo Campos, desde a década de 60, quando foram encenadas pela primeira vez (com exceção da terceira). O Morro do Ouro, A Rosa do Lagamar e A Donzela Desprezada são dramas urbanos que tencionam denunciar os males sociais da capital cearense da segunda metade do século XX. São obras de desigual valor que possuem em comum o tema da desonra da mulher. A linguagem do dramaturgo oscila entre a linguagem formal e a popular. Ele não possui aquela forma genuinamente carregada de regionalismos, cultuada por Rachel de Queiroz. O ritmo da ação é um tanto lento, principalmente em A Donzela Desprezada. O texto teatral não define divisões de cenas, como se cada ato correspondesse a uma cena única, onde entram e saem personagens constantemente. As três peças estão divididas em três atos. Passemos à análise individual de cada uma delas.

O Morro do Ouro concentra-se na favela que dá título à peça, preocupando-se em mostrar a vida miserável de seus moradores, através de tipos como: o contrabandista, a prostituta, o cambista bêbado, etc. Nela, temos Madalena, a amante do Zé Valentão, pequeno contrabandista. Sabendo que sua mãe Elvira está prestes a visitá-la, Madalena preocupa-se em arrumar a casa e afugentar o amante, para que sua mãe nada descubra de sua vida de mulher rameira. A influência religiosa de Elvira começa a intervir visivelmente na vida da filha e dos seus vizinhos, o que deixa Zé Valentão irritado e disposto a recuperar a Madalena frívola e devassa de antes. É uma peça agradável de ler, embora transcorra de forma lenta e possua um final inconcluso que não satisfaz o leitor e, creio eu, muito menos o expectador.

A Rosa do Lagamar é mais fluida, mais dramática e a melhor das três. É a mais triste também. Ela nos apresenta Rosa, uma mulher trabalhadora cujo marido, Crispim, há dez anos partiu como embarcadiço de guerra. Rosa abandona sua humilde vivenda no Lagamar e vai viver na Aldeota com a filha Maria Galante. Para a desgraça de Rosa, Maria se envolve com um homem casado; Crispim regressa feito um bêbado mulherengo; e, finalmente, descobre que sua casa foi construída em terreno municipal que logo deve ser transformado em rua. Sua reação diante das dificuldades dá uma cena comovente e surpreendente. Ao ler esta peça, parecia ver o espetáculo, que me pareceu tocante, além de provocar indignação. Espetacular!

A Donzela Desprezada é outro drama que provoca indignação, mas com ironia e requintes de humor. É, contudo, a peça mais fraca do livro. Penso que o próprio Eduardo Campos concordaria comigo, visto que engavetou a obra por trinta anos. Além de trazer um enredo lento e maçante, os personagens não constituem tipos verossímeis ou convincentes. Amelinha é desonrada pelo namorado Edmundo, mas consciente de que possui tanta culpa quanto ele. A princípio, está disposta a assumir sua responsabilidade no caso, mas sua mãe faz pressão para denunciar Edmundo às autoridades, convencendo a filha a alegar menoridade e se fazer de vítima. A polícia em parceria com a imprensa vislumbra a possibilidade de um escândalo digno de primeira página, o que entusiasma Amelinha que acaba criando uma porção de mentiras só para chamar atenção. Quando a cartomante Lolita supostamente morre, Amelinha sente o desprezo da imprensa que já esqueceu seu caso; por isso, está disposta a inventar uma nova mentira só para voltar a ser o centro das atenções. O caráter inconstante de Amelinha e sua mãe, ao longo da peça, faz delas meros fantoches nas mãos do dramaturgo desta malograda comédia dramática.

À parte seus defeitos, este livro proporciona leitura agradável e divertida. O estilo de Eduardo Campos é leve e simples, prezando pelas situações cotidianas e triviais de seus conterrâneos. Os diálogos são o mais simples possível e, se não trazem a veracidade linguística da autora de O Quinze, não deixam de ter aquele sabor coloquial e descontraído. O que também incomodou a leitura foram os inúmeros erros tipográficos da edição, o que mais uma vez prova a importância que tem o trabalho do revisor num projeto editorial.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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