sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Uma Lágrima de Mulher, de Aluísio Azevedo - RESENHA #152

Eis que retorno a uma antiga paixão, Aluísio Azevedo, depois de dois anos sem o ler. A razão deste intervalo em nossa relação foi a leitura do perturbador O Homem, que me deixou ressacado da pena do mestre naturalista por um tempo. Desejando experimentar um quitute inteiramente diverso dos que Aluísio me ofertara até aqui, apelei para sua obra de estreia.

Os apreciadores do autor d’O Cortiço bem sabem que, a despeito de seu interesse pela escola naturalista, Aluísio publicou livros românticos, a fim de ganhar uns trocados. Uma Lágrima de Mulher (1880) pertence a este grupo de livros escritos sob encomenda. Desse modo, temos dois Aluísios: o grande escritor, que estrearia no ano seguinte com O Mulato; e o novelista sentimental, hoje praticamente desconhecido.

Para atender ao gosto do público pelo exótico, o novelista ambienta sua trama numa formosa ilha de Lipari, na Itália. Rosalina, a protagonista, é aquela figura romântica que todos já conhecemos. Órfã de mãe, vive na companhia do ambicioso Maffei, seu pai, e de sua ama, a religiosa Ângela.

Inconformado com sua posição de humilde pescador e ambicionando ascender socialmente, Maffei parte para Nápoles, deixando as duas mulheres sozinhas. Por esse tempo, aproxima-se delas o jovem Miguel, um pobre músico por quem Rosalina se apaixona.

Os dois jovens vivem um idílio sentimental até o regresso de Maffei que, ao saber do namoro da filha, opõe-se terminantemente. A partida para Nápoles se apresenta como a solução mais eficaz. Contudo, outros acontecimentos constituirão ameaça maior à felicidade do casal principal.

Embora este Aluísio romântico seja de fato outro escritor, é possível reconhecer algumas semelhanças com o autor de Casa de Pensão. A escrita clara e correta, embora aqui com tintas mais exageradas, já é perceptível neste primeiro romance. Por outro lado, também reconheci a influência de nossos primeiros romancistas na construção de personagens misteriosos, como Sombra da Noite; e na participação de bichinhos simpáticos, como o cãozinho Castor.

O tema da corrupção da mulher, embora indicasse tendências que seriam melhor trabalhadas nas obras maduras de Aluísio, já apareceria no primeiro romance brasileiro, O Filho do Pescador, de Teixeira e Sousa. Mas em ambos os casos, por se tratarem de obras românticas, a intenção é puramente moralista.

A parte final do livro soou-me um tanto apressada, comprometendo o desenvolvimento da trama que, a meu ver, fluiu melhor nos dois primeiros terços. O desfecho exagerado e teatral de Uma Lágrima de Mulher é inegavelmente piegas e forçado, para não dizer inverossímil. Poderia justificar o caso com aquele velho discurso do autor estreante, mas a verdade é que, aqui, temos mesmo outro Aluísio. E certamente não vou ignorá-lo rs.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Diário do Chaves (El Diario del Chavo del Ocho), de Roberto Gómez Bolaños - RESENHA #151

O seriado Chaves era um dos meus vícios de infância. Não obstante as diversas mudanças de horário, eu sempre dava um jeitinho para acompanhar a turminha da vila. Tanto vi todos aqueles episódios, que até hoje lembro com carinho a maioria das piadas e situações em torno do Chavinho e seus amigos.

Era pois muito natural que mais cedo ou mais tarde eu me interessasse por conhecer os livros publicados pelo criador/intérprete do menino do barril, Roberto Gómez Bolaños, o lendário Chespirito. Ano passado tive o prazer de conhecer sua poesia através da coletânea …Y También Poemas (2003). E neste ano finalmente li Diário do Chaves (1995), seu primeiro livro, único publicado no Brasil.

Diário do Chaves é uma obra bastante interessante para os fãs do seriado, pois, além de mostrar um pouco da vida do protagonista antes de chegar à vila, reúne várias ilustrações do próprio Bolaños. A edição brasileira, já esgotada há bastante tempo, é de formato simples e sem grandes atrativos.

O livro abre com um prefácio onde Bolaños, já no plano da ficção, relata seu encontro com Chaves e de como teve acesso ao seu diário. O autor também previne o leitor sobre as interferências realizadas no “texto original”, tendo em vista os compreensíveis problemas de linguagem do “redator”.

Sob o ponto de vista do menino órfão, vamos acompanhando sua trajetória a partir de suas lembranças mais remotas, quando foi abandonado pela mãe numa creche. Chaves conta que, depois de um tempo, foi mandado para um orfanato onde sofria maus tratos e que, por conta disso, acabou tendo que fugir de lá.

As passagens sobre sua vida na rua são as mais interessantes do livro e nelas há um realismo mais explícito, pois o garoto acaba travando relações com outras pessoas marginalizadas (adultos e crianças), exposto ao trabalho infantil, à prostituição e ao consumo de drogas.

Chaves também conta de como chegou à vila que todos conhecemos. Ele foi acolhido por uma senhora idosa, que morava na casa de Nº 8, e que o achava muito parecido com um neto dela. Após a morte dessa senhora, o garoto passa a viver pela caridade dos outros moradores da vila.

É a partir daí que aparecem todos os personagens adorados pelo público do seriado: Seu Madruga, Chiquinha, dona Florinda, Quico, dona Clotilde, professor Girafales, seu Barriga, dentre outros. Contudo, os episódios humorísticos contados no diário são os mesmo que já vimos mil vezes na televisão, o que pode deixar o texto meio arrastado por soar repetitivo.

Ao final, temos um “Histórico” assinado por Florinda Meza, que interpretou dona Florinda e que é a viúva de Bolaños. Esse texto de encerramento nos dá uma ideia do sucesso que foi o seriado e do alcance que teve em todo o mundo, enriquecido de várias anedotas em torno das apresentações ao vivo do elenco original.

Se você é fã de Chaves, certamente não deve deixar passar esse livro. Para mim, que há muito não revejo os episódios da série, foi um prazer revisitar muitas das histórias que me divertiram durante tantos anos. Contudo, enquanto obra isolada, o Diário do Chaves não é mais que um livro infantil, desses que se podem descartar sem maiores prejuízos.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Tipo uma História de Amor (Like a Love Story), de Abdi Nazemian - RESENHA #150

É sempre uma alegria conhecer bons autores contemporâneos, principalmente porque, para mim, não costuma ser muito corriqueiro; mas, quando acontece, é de fato maravilhoso. Assim, não foi com grandes expectativas que iniciei a leitura de Tipo uma História de Amor (2019), do iraniano-americano Abdi Nazemian.

Este é um daqueles casos em que sou fisgado pela capa e, logo em seguida, por uma sinopse promissora. Contudo, não imaginava que a experiência de leitura seria tão apreciável, a julgar pelo fato de que não tenho grandes simpatias pelo gênero YA. O livro é narrado em três pontos de vista pelos personagens centrais da trama: Reza, Art e Judy.

Reza é um adolescente iraniano que, após a morte do pai, muda-se com a mãe e a irmã mais velha para o Canadá. Quando a mãe de Reza contrai segundas núpcias, eles vão viver em Nova York, à exceção de Tara (irmã de Reza), que entraria para a faculdade.

O padrasto de Reza é um homem rico e aparentemente simpático, mas Saadi, o filho dele, é o oposto de Reza no que se refere a estilo e personalidade. Enquano Saadi é um cara “normal” e de comportamento heteronormativo, Reza sabe que é gay, mas não tem coragem de revelar isso a ninguém.

O que mais acentua o medo de Reza quanto à possibilidade de assumir sua sexualidade é a epidemia de aids, que atingia seu auge no final dos anos 80, época em que se passa a história. Nessas circunstâncias, o garoto decide tentar um relacionamento com Judy, uma aspirante a estilista de moda que passa longe dos padrões de beleza, mas ele acaba se apaixonando por Art, o melhor amigo de Judy.

Art é o único garoto gay assumido da escola. De estilo extravagante e chamativo, é apaixonado por fotografia e participa ativamente dos movimentos militantes da comunidade LGBT+. Embora também se sinta atraído por Reza, prefere esconder seus sentimentos de sua melhor amiga para não magoá-la.

Outro personagem bastante relevante para a trama é Stephen, tio de Judy que, além de ter perdido seu companheiro para a aids, também é portador do vírus HIV. Judy, Art e o tio Stephen tradicionalmente viam filmes antigos nas noites de domingo. A chegada de Reza, contudo, acaba interferindo na relação amistosa do trio.

Abdi Nazemian constrói uma trama excelente que, para além de envolver o leitor, tem o mérito de instruí-lo e preveni-lo sobre várias situações, isto levando-se em conta o público-alvo da obra: adolescentes da comunidade LGBT+ que estão se descobrindo e se iniciando sexualmente.

Além de muitos esclarecimentos sobre aids e o vírus HIV, o autor expõe a dificuldade de aceitação dentro do seio familiar, a homofobia dentro das escolas, como também a existência de políticos e pessoas influentes que menosprezam a população queer. E, para não citarmos apenas fatores negativos, vale lembrar as diversas referências a pessoas que lutaram pela diversidade sexual, sobretudo artistas como Madonna, para quem o livro não deixa de ser uma explícita homenagem.

Tipo uma História de Amor mantém-se na linha do ótimo do início ao fim. É lúdico e informativo, pois nos comove com suas cenas delicadas ao passo que nos põe a par da história do movimento LGBT+ em sua luta contra a aids e a favor do direito de ser quem você é.

Avaliação: ★★★★★

Daniel Coutinho

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