Desejando ler algumas histórias de terror,
influenciado pelos leitores aficionados do gênero que, neste mês de outubro,
cultuam o sobrenatural, decidi conhecer a obra de um autor inglês, Algernon
Blackwood (1869-1951), por indicação da amiga Claire Scorzi.
Pouco conhecido no Brasil, Blackwood foi
redescoberto pela escritora Heloisa Seixas que, no início dos anos 2000,
traduziu e organizou uma antologia de dez contos do autor para a editora
Record. Esta seleta, A Casa do Passado,
prometia entregar, como dizia o subtítulo, “dez grandes contos de terror”, mas
apenas três ou quatro narrativas se encaixam realmente no gênero, sendo que as
demais apenas exploram elementos fantásticos.
Os contos de Algernon Blackwood, mesmo os de
terror, dificilmente provocam medo, ainda que este seja o objeto maior de sua
análise. Em quase todas as histórias desta seleta, o autor demonstra um cuidado
bastante minucioso em descrever a sensação de medo experimentada por seus
personagens. Surpreendeu-me o caráter analítico de sua prosa, especialmente
pela profundidade psicológica que ela atinge.
As narrativas transcorrem lentamente, num ritmo
que por vezes chega a ser cansativo, mas a lentidão quase sempre é compensada
pela beleza da escrita. O tratamento artístico que Blackwood dá ao seu texto é
primoroso e, em certos casos, notadamente poético. Seu amor pelas viagens e
paisagens naturais reflete-se nos múltiplos cenários que encontramos em sua
obra, como nas minuciosas descrições da natureza. Não fosse a demora e a
despreocupação do narrador com o prosseguimento do enredo, seu texto fluiria
mais livremente.
Quando li “Lobo Andarilho”, por exemplo, que
deve ter umas trinta páginas, pensei: “tivesse este conto umas dez páginas de
menos, seria uma obra-prima”. Pensaria mais ou menos o mesmo de muitos outros
contos do livro. O que dizer então de “Os salgueiros” com suas intermináveis sessenta
páginas? Há quem o considere, como o próprio autor considerava, a obra máxima
de Blackwood. É um conto excelente, sem dúvida, mas excessivamente lento e
prolixo.
Estou meio em dúvida quanto ao melhor conto
desta antologia. Fico entre “O quarto ocupado” e “As asas de Horus”. O primeiro
possui uma estrutura e um ritmo comedidos, além de uma ideia aterradora muito
bem desenvolvida. O outro, embora menos moderado que o primeiro, deu-me a
impressão de estar assistindo a um grande espetáculo, certamente por seu toque
impressionista e teatral.
Além desses, apreciei com grande empolgação o já
mencionado “Lobo Andarilho” que, como disse, beirou a excelência, com sua
mistura de lenda antiga e narrativa de suspense; além do conto que dá título à
coletânea, “A casa do passado”, fantasia poética que me deixou pelo menos uma
meia hora pensando em reencarnação. É prosa poética de alta qualidade que nos
faz refletir que todos carregamos uma “casa do passado” dentro de nós, cheia de
lembranças adormecidas e não lembradas.
Integra a coleção outro conto bastante conhecido
de Blackwood: “A boneca”, que inspiraria incontáveis outras histórias de
brinquedos assassinos. Não obstante sua originalidade, incomodou-me a
incoerência do enredo, que realmente não me convenceu. Pareceu-me incoerente
que, dadas as circunstâncias descritas, a cozinheira desse a boneca à Monica;
como também nada fizessem (ela, a arrumadeira e Madame Jodzka) para desfazer-se
do brinquedo após a constatação do perigo; e, finalmente, a atitude do coronel
Masters perante o caso, especialmente por não ignorar os pormenores em torno da
terrível boneca.
Blackwood flerta ainda com o gênero de ficção
científica, construindo mundos paralelos em histórias como “O caso Pikestaffe”
e, ainda que mais sutilmente, em “Os salgueiros”. Outra peculiaridade de sua
prosa é o toque de sensualidade que permeia alguns de seus contos, mais
perceptível na primeira metade do volume.
Quanto aos outros contos, ainda que não tenham
me parecido ruins, julguei-os pouco cômodos para uma “antologia”, mas atribuí o
fato à dificuldade de acesso à obra de Blackwood, alegada pela organizadora em
prefácio. Gostei mesmo assim, de modo geral, de todas as histórias, até as mais
bobinhas, como “A ala Norte” e “O homem que era Milligan”.
Não consegui sentir medo lendo Algernon
Blackwood. Tá bem: talvez só um pouquinho, quando lia “A boneca”, que meu
celular começou a tocar sem aparecer nada na tela rs. Em compensação, apreciei
de verdade o esteta que ele mostrou ser em seus textos, tão cheios dele mesmo:
de suas paixões, de suas fantasias e, sobretudo, de seus medos.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
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