Desejava fazer este mês alguma leitura natalina
e lembrei-me de que tinha aqui, na minha “Coleção Saraiva”, um pequeno romance
de Dickens, daqueles que ele escrevia especialmente para o período do Natal. O Grilo da Lareira (1845), contudo, não
possui uma narrativa natalina; mesmo assim, é bastante recomendável para essa
época do ano, por sua mensagem de amor e esperança.
Esta minha segunda experiência com Dickens
acabou estreitando meus laços com o autor e, suspeito, quando passar aos
romances maiores, nossa relação causará ciúmes a certos autores brasileiros rs.
Dickens é maravilhoso em todo o sentido da palavra, especialmente no uso de
elementos fantásticos que, neste livro, estão na medida que não me desagrada.
Seus personagens são tão cheios de vida, que não
é preciso muito esforço para imaginá-los. Talvez alguém aponte aspectos improváveis
no comportamento deles, mas sejamos coerentes: há livros e livros; e O Grilo da Lareira foi pensado para agradar
um numeroso público infantil que inevitavelmente teria. Quando uma mudança
drástica se dá, portanto, no caráter de algum de seus personagens, é
seguramente na intenção de não ser ingrato a este querido público, cuja
gratidão seria, mais tarde, constatada por um Monteiro Lobato.
A infantilidade da trama não a prescinde de
recursos estilísticos tão bem executados por Dickens. A forma poética como a
história começa é exemplo incontestável disso. Os sons produzidos pela chaleira
e posteriormente pelo grilo serão devidamente aproveitados até o desfecho da
obra de forma harmônica. Talvez Dickens pensasse que o canto do grilo,
acessível aos lares mais pobres, poderia ser transformado em motivo de alegria.
João é um brutamontes que encerra um coração
puro e honesto. Maria, ou Tiquinho (como ele a chama), é sua esposa quarenta
anos mais jovem. Os dois têm uma vida bastante sossegada, até o dia em que
aparece um velho surdo que, tendo sido esquecido por alguém que prometera lhe
buscar, apela para a bondade do casal. O que deixa, porém, João intrigado é a
prontidão com que Tiquinho assente ao pedido do estranho.
É então anunciado o próximo casamento de May,
amiga de Tiquinho, com Tackleton, o velho fabricante de brinquedos bizarros,
que eram propositalmente medonhos, a fim de assustar as crianças. Trabalhava
para Tackleton o esforçado Caleb, que vivia sozinho com sua filha Berta, que era
cega. O dedicado pai, não obstante a pobreza em que viviam, pintava para Berta
um mundo bem diferente, fazendo-a crer que moravam numa bela casa e que todos,
inclusive o desprezível Tackleton, eram bons e gentis.
Em visita a João, Tackleton sugere um encontro
entre sua futura esposa e Tiquinho, supondo ser a influência desta bastante
conveniente para aquela que também seria mulher de um homem consideravelmente mais
velho. Tackleton aprecia Tiquinho em sua submissão e honradez, deixando
subentendido que “nada mais” se fazia necessário numa boa esposa. Embora João
tenha se esquivado do convite, o fabricante de brinquedos planeja encontrar o
casal (acompanhado de May e sua mãe) na casa de Caleb, pois Tiquinho realizava
um piquenique quinzenalmente naquela residência.
Após o piquenique, já noite, quando todos estão
à sua vontade, Tackleton leva João (que jogava cartas com a mãe de May) a um
lugar afastado da casa onde, sozinhos, conversavam amavelmente Tiquinho e o
estranho velho. Por isto e por outros detalhes que julgo conveniente não
revelar, João acredita na infidelidade da esposa. De volta para casa, evitando
Tiquinho, ele fica cismando a noite toda diante da lareira. É aí que o grilo
começa a cantar... e a mágica começa!
Tal como em Um Conto de Natal, Dickens parece se compadecer do sofrimento de seus
personagens, demonstrando empatia para com eles. Parece, inclusive, interessado
em despertar a atenção do leitor para as pessoas com deficiência. Consciente do
incômodo provocado pelas injustiças, faz-nos meditar em como Tiquinho poderia
ser falsa, e em como Tackleton poderia ser amado, já que Berta, acreditando nas
mentiras do pai, acaba apaixonada por ele, lamentando seu próximo casamento.
A leitura deste livro é revestida por aquela
aura mágica que têm os contos de fadas. O
Grilo da Lareira é um canto de otimismo e boa vontade, persistente na ideia
de que as pessoas são capazes de mudar. Dickens demonstra com ele o quanto
acreditava no amor. Vamos acreditar também!
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
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