domingo, 16 de dezembro de 2018

O Grilo da Lareira (The Cricket on the Hearth), de Charles Dickens - RESENHA #88

Desejava fazer este mês alguma leitura natalina e lembrei-me de que tinha aqui, na minha “Coleção Saraiva”, um pequeno romance de Dickens, daqueles que ele escrevia especialmente para o período do Natal. O Grilo da Lareira (1845), contudo, não possui uma narrativa natalina; mesmo assim, é bastante recomendável para essa época do ano, por sua mensagem de amor e esperança.

Esta minha segunda experiência com Dickens acabou estreitando meus laços com o autor e, suspeito, quando passar aos romances maiores, nossa relação causará ciúmes a certos autores brasileiros rs. Dickens é maravilhoso em todo o sentido da palavra, especialmente no uso de elementos fantásticos que, neste livro, estão na medida que não me desagrada.

Seus personagens são tão cheios de vida, que não é preciso muito esforço para imaginá-los. Talvez alguém aponte aspectos improváveis no comportamento deles, mas sejamos coerentes: há livros e livros; e O Grilo da Lareira foi pensado para agradar um numeroso público infantil que inevitavelmente teria. Quando uma mudança drástica se dá, portanto, no caráter de algum de seus personagens, é seguramente na intenção de não ser ingrato a este querido público, cuja gratidão seria, mais tarde, constatada por um Monteiro Lobato.

A infantilidade da trama não a prescinde de recursos estilísticos tão bem executados por Dickens. A forma poética como a história começa é exemplo incontestável disso. Os sons produzidos pela chaleira e posteriormente pelo grilo serão devidamente aproveitados até o desfecho da obra de forma harmônica. Talvez Dickens pensasse que o canto do grilo, acessível aos lares mais pobres, poderia ser transformado em motivo de alegria.

João é um brutamontes que encerra um coração puro e honesto. Maria, ou Tiquinho (como ele a chama), é sua esposa quarenta anos mais jovem. Os dois têm uma vida bastante sossegada, até o dia em que aparece um velho surdo que, tendo sido esquecido por alguém que prometera lhe buscar, apela para a bondade do casal. O que deixa, porém, João intrigado é a prontidão com que Tiquinho assente ao pedido do estranho.

É então anunciado o próximo casamento de May, amiga de Tiquinho, com Tackleton, o velho fabricante de brinquedos bizarros, que eram propositalmente medonhos, a fim de assustar as crianças. Trabalhava para Tackleton o esforçado Caleb, que vivia sozinho com sua filha Berta, que era cega. O dedicado pai, não obstante a pobreza em que viviam, pintava para Berta um mundo bem diferente, fazendo-a crer que moravam numa bela casa e que todos, inclusive o desprezível Tackleton, eram bons e gentis.

Em visita a João, Tackleton sugere um encontro entre sua futura esposa e Tiquinho, supondo ser a influência desta bastante conveniente para aquela que também seria mulher de um homem consideravelmente mais velho. Tackleton aprecia Tiquinho em sua submissão e honradez, deixando subentendido que “nada mais” se fazia necessário numa boa esposa. Embora João tenha se esquivado do convite, o fabricante de brinquedos planeja encontrar o casal (acompanhado de May e sua mãe) na casa de Caleb, pois Tiquinho realizava um piquenique quinzenalmente naquela residência.

Após o piquenique, já noite, quando todos estão à sua vontade, Tackleton leva João (que jogava cartas com a mãe de May) a um lugar afastado da casa onde, sozinhos, conversavam amavelmente Tiquinho e o estranho velho. Por isto e por outros detalhes que julgo conveniente não revelar, João acredita na infidelidade da esposa. De volta para casa, evitando Tiquinho, ele fica cismando a noite toda diante da lareira. É aí que o grilo começa a cantar... e a mágica começa!

Tal como em Um Conto de Natal, Dickens parece se compadecer do sofrimento de seus personagens, demonstrando empatia para com eles. Parece, inclusive, interessado em despertar a atenção do leitor para as pessoas com deficiência. Consciente do incômodo provocado pelas injustiças, faz-nos meditar em como Tiquinho poderia ser falsa, e em como Tackleton poderia ser amado, já que Berta, acreditando nas mentiras do pai, acaba apaixonada por ele, lamentando seu próximo casamento.

A leitura deste livro é revestida por aquela aura mágica que têm os contos de fadas. O Grilo da Lareira é um canto de otimismo e boa vontade, persistente na ideia de que as pessoas são capazes de mudar. Dickens demonstra com ele o quanto acreditava no amor. Vamos acreditar também!

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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