sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

O Homem, de Aluísio Azevedo - RESENHA #89

Encerro as leituras do ano com aquele domínio que Aluísio sempre exerceu sobre mim. É incrível como sou sensível à sua escrita que, sob meu olhar, sugere um encanto todo especial e particular. É bem verdade que nossa relação sofreu considerável abalo depois que li Livro de uma Sogra, mas O Homem (1887) veio dobrar-me novamente à sua irresistível influência.

Aluísio sabe perturbar como ninguém. Poucos escritores sabem, como ele, construir personagens detestáveis que não ganham a total antipatia do leitor. Lembremos de Ana Rosa, Amâncio, Rita Baiana e (por que não?) da própria dona Olímpia. Desta vez ele nos brinda com a histérica Magdá, que ganha tanto nosso desprezo como nossa comiseração. Trata-se de uma personagem formidavelmente irritante.

Magdá era uma garota normal, mas que acaba acometida de uma histeria incurável após um trauma de sua primeira juventude: descobre que Fernando, seu companheiro de infância e primeiro amor, é na verdade seu irmão bastardo. A revelação faz-se necessária quando o Conselheiro Pinto Marques, pai da moça, percebe o interesse amoroso entre os dois jovens. Fernando, que pretendia a mão de Magdá, acaba partindo para a Europa depois de sua formatura. A filha do Conselheiro, resignada, pretende casar-se com outro, mas nenhum de seus pretendentes sequer se aproxima das qualidades de Fernando.

Desiludida com o amor, Magdá começa a definhar pouco a pouco. A pena naturalista de Aluísio faz um minucioso acompanhamento da evolução de sua patologia, inutilmente combatida pelo experiente Dr. Lobão, que atribui a moléstia à interrupção das funções naturais de Magdá enquanto mulher, recomendando o pronto casamento da moça.

Desprezando todas as propostas de matrimônio, Magdá entrega-se à vida religiosa, tornando-se reclusa e arredia. Geniosa e caprichosa, ela encerra-se no quarto o dia inteiro com seu crucifixo, cumprindo uma rotina repetitiva e tediosa, até o momento em que avista, da janela do seu quarto, um trabalhador de uma pedreira que muito lhe chama atenção. Com a ideia fixa de aproximar-se dele, convida o pai a um passeio pela escabrosa pedreira, mas passa mal durante o percurso, sendo logo acudida por Luiz, o objeto de seu interesse.

Após recuperar a consciência e perceber a situação à qual se submetera, Magdá enche-se de pudores diante daquele homem seminu que a tivera entre os braços. Se por um lado, porém, ela o repele conscientemente, por outro, não pode evitar sonhar com ele todas as noites. A partir daí, a narrativa se bifurca: de um lado, o enredo convencional; do outro, uma história fantástica, protagonizada por uma Magdá bem diferente da que conhecíamos e por Luiz, igualmente diverso do moço da pedreira.

As muitas passagens da fantasia de Magdá, devo confessar, impacientaram-me um pouco. Aluísio pesou a mão nesse tempero fantástico, salgando o caldo que já estava bom. No entanto, o que mais me incomodava era o método com que se dava essa trama paralela. Era inconcebível para mim que uma doença pudesse elaborar todo o contexto da “Ilha do Segredo”, com todas as marcas de linearidade e sequência lógica apresentadas. Há um momento em que o mundo real e o sobrenatural parecem confundidos aos olhos da protagonista, que já não pode distingui-los com precisão. É o último estágio da doença que avança e certamente o ponto mais chocante do livro.

A leitura d’O Homem chega a ser embriagante, daquelas que deixam qualquer um de ressaca. Vou tirar umas férias da literatura por um tempo, para ver se me recupero das fortes impressões ainda tão recentes. Isto não representa exatamente uma queixa. Afinal, Aluísio “sabe” perturbar.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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