Decidi empreender a nobre tarefa de ler a obra
completa de Juvenal Galeno em ordem cronológica. Há pouco tempo, li Prelúdios Poéticos (1856), marco
inaugural do Romantismo no Ceará. A obra seguinte foi também de grande
importância para nossas letras, em razão de ter sido a primeira produção
teatral escrita em solo cearense. Trata-se de Quem com Ferro Fere, com Ferro Será Ferido, provérbio em um ato,
escrito em 1859, encenado pela primeira vez em 1861, mas publicado em livro
somente em 2010.
Única realização de Galeno enquanto dramaturgo, Quem com Ferro Fere... teve relativo
sucesso nos palcos, dada a quantidade de representações executadas. Mesmo
possuindo um enredo muito simples e personagens estereotipados, a obra é carregada
de denúncia social, além de retratar com bastante fidelidade os tipos e
costumes da Terra da Luz no período monárquico.
No pequeno drama, Luís é um humilde agricultor
que padece, além da doença da esposa, o despotismo do tenente Amorim, que
deseja ultrajar a honra de sua filha Maria. Esta, noiva de Francisco, precisará
ter suas núpcias adiantadas, para que se ponha termo à maledicência popular. O
tenente Amorim, no entanto, planeja criar uma situação que resulte na prisão de
Luís e no recrutamento de Francisco, para que Maria fique inteiramente sob seu
domínio.
É com muita graça e uma surpreendente perícia
que o autor desenvolve a peça com sequências rápidas e movimentadas. Os
personagens estão sempre entrando e saindo de cena, cumprindo cada um deles com
seu papel, segundo as intenções do autor. Há uma preocupação de Galeno em
tornar os tipos realistas, seja por aquilo que fazem em cena (Maria cosendo,
Luís debulhando milho, Amâncio fazendo fogueira) ou pelas situações referidas
(Maria na missa, Luís no roçado).
A crítica central concentra-se na situação do
pobre perante o despotismo das autoridades locais que, segundo seus interesses
particulares, prendiam e recrutavam pessoas deliberadamente, além de não
atenderem às próprias leis regidas pela Constituição do Império. Se por um
lado, a peça mostra a resistência de uma família que zela pelos seus valores,
por outro, temos personagens desiludidos e desesperançados como o bêbado Tomaz,
que busca esquecer as misérias da pobreza no álcool, acompanhado de sua viola
alegre e brejeira.
Ainda que o desfecho seja excessivamente
artificial e improvável, não perde aquele tom teatral que entretém o público,
além de manter-se fiel à proposta sugerida no provérbio-título. Com ser a
primeira mostra de dramaturgia escrita no Ceará, temos um texto e uma história
excelentes e dignos do autor das Lendas e
Canções Populares (que será lido ano que vem rs!).
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
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