sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Quem com Ferro Fere, com Ferro Será Ferido, de Juvenal Galeno - RESENHA #85

Decidi empreender a nobre tarefa de ler a obra completa de Juvenal Galeno em ordem cronológica. Há pouco tempo, li Prelúdios Poéticos (1856), marco inaugural do Romantismo no Ceará. A obra seguinte foi também de grande importância para nossas letras, em razão de ter sido a primeira produção teatral escrita em solo cearense. Trata-se de Quem com Ferro Fere, com Ferro Será Ferido, provérbio em um ato, escrito em 1859, encenado pela primeira vez em 1861, mas publicado em livro somente em 2010.

Única realização de Galeno enquanto dramaturgo, Quem com Ferro Fere... teve relativo sucesso nos palcos, dada a quantidade de representações executadas. Mesmo possuindo um enredo muito simples e personagens estereotipados, a obra é carregada de denúncia social, além de retratar com bastante fidelidade os tipos e costumes da Terra da Luz no período monárquico.

No pequeno drama, Luís é um humilde agricultor que padece, além da doença da esposa, o despotismo do tenente Amorim, que deseja ultrajar a honra de sua filha Maria. Esta, noiva de Francisco, precisará ter suas núpcias adiantadas, para que se ponha termo à maledicência popular. O tenente Amorim, no entanto, planeja criar uma situação que resulte na prisão de Luís e no recrutamento de Francisco, para que Maria fique inteiramente sob seu domínio.

É com muita graça e uma surpreendente perícia que o autor desenvolve a peça com sequências rápidas e movimentadas. Os personagens estão sempre entrando e saindo de cena, cumprindo cada um deles com seu papel, segundo as intenções do autor. Há uma preocupação de Galeno em tornar os tipos realistas, seja por aquilo que fazem em cena (Maria cosendo, Luís debulhando milho, Amâncio fazendo fogueira) ou pelas situações referidas (Maria na missa, Luís no roçado).

A crítica central concentra-se na situação do pobre perante o despotismo das autoridades locais que, segundo seus interesses particulares, prendiam e recrutavam pessoas deliberadamente, além de não atenderem às próprias leis regidas pela Constituição do Império. Se por um lado, a peça mostra a resistência de uma família que zela pelos seus valores, por outro, temos personagens desiludidos e desesperançados como o bêbado Tomaz, que busca esquecer as misérias da pobreza no álcool, acompanhado de sua viola alegre e brejeira.

Ainda que o desfecho seja excessivamente artificial e improvável, não perde aquele tom teatral que entretém o público, além de manter-se fiel à proposta sugerida no provérbio-título. Com ser a primeira mostra de dramaturgia escrita no Ceará, temos um texto e uma história excelentes e dignos do autor das Lendas e Canções Populares (que será lido ano que vem rs!).

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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