quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

O Rio do Quarto, de Joaquim Manuel de Macedo - RESENHA #92

Da pena de Macedo saíram muitas pérolas, algumas indiscutivelmente mais cintilantes. É o caso deste O Rio do Quarto (1869), romance histórico baseado numa tradição popular pela qual se explica a denominação de um dos rios da antiga freguesia de São João de Itaborahy (hoje Itaboraí, município do Rio de Janeiro).

A graciosidade deste pequeno romance lembrou-me a singela atmosfera dos Alfarrábios de Alencar. Há um colorido especial desde o desenho dos personagens até a execução das cenas distribuídas em capítulos curtos e sintéticos. É um livro de leitura rápida, seja pela simplicidade do estilo, seja pela fluidez do texto, que corre livremente pelos olhos do leitor.

Macedo introduz a obra com “Para se ler ou não se ler”, onde explica a origem do argumento de sua narrativa, aproveitando o ensejo para manifestar seu extremado afeto por Itaboraí, sua terra natal. No primeiro capítulo, “Capítulo sem título”, ele traça um panorama descritivo do que era aquela freguesia em meados do século XVIII, rematando com o elemento gerador do enredo: a origem da denominação “rio do quarto”, conforme detalhada explicação que lhe foi referida por um velho.

Na trama, temos a figura central do padre Martim, que era mal visto pelos moradores do lugar por dois motivos: o primeiro e mais importante era a avareza do sacerdote, que negava-se em absoluto a prestar obras de caridade; o segundo era ter o padre em sua companhia uma “afilhada”, Luisinha, que todos sabiam ser na verdade filha do religioso.

Dividido entre o amor do ouro e o amor de Luisinha, padre Martim segue uma vida tranquila e sossegada até o dia em que a menina adoece de moléstia grave. Após ter a filha desenganada, o aflito pai apela para os saberes de Marta, velha curandeira a quem, por muitas vezes, padre Martim negara esmola. Sob os cuidados de Marta e a companhia de Milo, neto desta, Luisinha recupera-se rapidamente, mas exige que os novos amigos, especialmente Milo, não se apartem do sítio.

Mesmo lamentando as despesas que teria com os novos hóspedes, padre Martim cede à vontade da filha, receando uma recaída no caso de contrariá-la. Mas a fim de evitar um desfalque em sua fortuna, o sacerdote decide praticar a usura, tornando-se sócio de João Maneta, velho finório que vivia na companhia de sua sobrinha Fabrícia, uma moça de meia idade.

Conforme Luisinha e Milo vão crescendo, as pessoas vão observando maliciosamente o afeto entre os dois. Padre Martim, cismado com os falatórios, não podendo consentir numa união tão desigual, decide mandar chamar um sobrinho distante da ilha do Faial. Este, chamado Manuel Pereira, atende prontamente ao chamado do tio, esperançoso de tornar-se seu legítimo herdeiro.

A Manuel não passam despercebidos a avareza do tio, o poder exercido por Luisinha sobre o “padrinho” e a inclinação amorosa de Milo pela irmã de criação. Para lograr seu interesse maior, o sobrinho do padre Martim procura João Maneta que, por sua vez, consente em ajudar o moço na condição de que ele despose Fabrícia. A partir daí, um jogo de interesses é disputado ferozmente, ainda que em surdina, por padre Martim, Manuel Pereira e João Maneta. Enquanto isso, Luisinha e Milo seguem inocentemente animados pelas ternuras de um amor crescente.

O livro de Macedo está deliciosamente realizado na medida certa. Talvez por se tratar de uma obra curta, não temos aqui espaço para digressões prolongadas como n’Os Dois Amores ou episódios desnecessários como em Rosa. Ainda assim, o autor aproveita suas linhas para discutir questões como o celibato clerical, além de nos entregar cenas idílicas e cândidas como só os melhores românticos sabiam fazer.

Dentro do que se propõe, O Rio do Quarto é uma pequena obra-prima, digna de ser lida por todo mundo, uma vez que seja. Poucas horas bastarão para o contato prazeroso com uma das pérolas mais cintilantes da obra macediana.

Avaliação: ★★★★★

Daniel Coutinho

P.S.: Já havia concluído a resenha quando percebi – felizmente a tempo – a imperdoável injustiça que ia cometendo para com Relâmpago. Trata-se de um adorável cachorrinho (e vejam que aborreço os cachorros rs!) que é salvo da morte por Luisinha e que, no decorrer da obra, pagará com juros por este delicado favor.

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