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Joaquim
Manuel de Macedo foi uma das minhas primeiras paixões literárias. Considerado
por muitos críticos como precursor do romance no Brasil, sua obra é, no
entanto, subestimada. A Moreninha e A Luneta Mágica são livros que evocam
tempos muito bons. Mesmo que ainda fosse um inexperiente leitor quando os li,
tenho recordações muito agradáveis dos dois, sobretudo do primeiro, que é, sem
dúvida, um dos meus livros favoritos da vida. Lembro que nessa mesma época, já
ouvia falar d’O Moço Loiro, e morria
de vontade de ler. Era, contudo, muito difícil de achá-lo disponível na
biblioteca da escola, onde havia um único exemplar, da antiga Coleção Jabuti da editora Saraiva. O
certo é que por mil motivos nunca me foi possível ler O Moço Loiro, até agora.
Terceiro
romance mais famoso de Macedo, e segundo que ele publicou (1845), O Moço Loiro é daquelas obras
impregnadas de Romantismo, mas que, infelizmente, em quase nada acrescenta aos
outros dois que já tinha lido. E é com certo pesar que o digo. Isto porque sou
fã de Macedo desde que li o romance da travessa D. Carolina, aquela diabinha em
pele de anjo, que nunca esquecerei. Passei quase dez anos sem ler um novo livro
do doutor Macedinho, tempo em que, contudo, reuni toda a sua ficção de que
tenho notícia, até mesmo as obras mais raras, que há algum tempo foram
digitalizadas pelo portal Brasiliana da USP. Sabia que retomaria Macedo com O Moço Loiro e já criava uma expectativa
enorme, há tempos, em torno dessa leitura. Creio que foi isso o que mais
prejudicou minha experiência com a obra.
O Moço Loiro não é um livro ruim;
longe disso, ele só não é tão bom quanto eu imaginava que fosse. A “finalmente”
leitura dele foi-me até bastante prazerosa: a leveza de seu estilo, os personagens-tipo,
as cenas cômicas, o sentimentalismo açucarado... Tive uma péssima sensação de
que estava lendo O Moço Loiro tarde
demais, e esse foi o grande problema. Senti falta de novidade nesse livro, de
uma narrativa menos previsível, de uma obra mais original. Depois de esgotar os
romances alencarinos e machadianos, fiquei mais exigente com livros românticos.
Mas quando penso que antes d’O Guarani
e antes de Ressurreição, O Moço Loiro já existia há mais de uma
década, consigo ser mais complacente com Macedo. Era novidade naquele momento,
e também seria para mim se o tivesse lido “antes”. A maturidade, contudo, vem
compensar minha intempestiva leitura, fazendo-me reconhecer em Macedo um dos
primeiros gênios do romance brasileiro.
Mas
vamos logo à história, através da qual revelarei as impressões positivas e
negativas suscitadas pela leitura.
O
livro já começa mal. O primeiro capítulo (Teatro italiano), embora já perpasse
alguns personagens secundários, é uma espécie de prólogo totalmente
desnecessário à trama. Não digo que seja ruim. A meu ver, daria um excelente
conto, e até acaba sendo, quando você percebe que ele em nada influi na
narrativa. Trata da rivalidade veemente entre os admiradores das cantoras da
época; o fanatismo exagerado dos diletantes assemelha-se a uma disputa
política. E o que isso tem a ver com a história do moço loiro? Nada mesmo. Este
primeiro capítulo servirá apenas para pôr em cena o personagem Otávio, que será
um dos muitos admiradores da protagonista do livro; e a família de dona
Tomásia, que constitui o núcleo responsável pelas cenas engraçadas, daquelas
que fazem você rir mesmo rsrsrsrs. Tomásia é uma senhora cinquentona
autoritária que veste as calças da
sua família, dado o caráter pusilânime de Venâncio, seu marido. Eles são pais
de Rosa, uma moça namoradeira e vaidosa; e Manduca, um rapaz tão estúpido
quanto comilão. Eles costumam ter em sua companhia o primo Félix, que é
apaixonado por Rosa; e Brás-mimoso, um moço velho metido a conquistador, que é
uma graça!
Dos
personagens que citei, apenas Otávio e Félix terão participação importante à
trama principal. Os demais servirão apenas para fazer rir ao leitor, além de
provocar certa reflexão sobre as futilidades e tipos medíocres da corte
fluminense. Passemos pois ao que interessa.
Lauro
é expulso de casa após ser acusado de roubar uma valiosa joia de família, que
deveria por direito passar às mãos de sua priminha Honorina. Todos os indícios
apontam para ele, embora persista em alegar inocência. Os anos passam e
Honorina completa dezesseis anos, sendo bela e instruída. Possui uma única
amiga: Raquel, moça bonita, da mesma idade que ela. Raquel e Honorina são,
contudo, muito diferentes. A primeira desde cedo foi advertida pelo pai a não
acreditar nos homens, nas falsas juras de amor, o que a tornou incrédula desse
sentimento; enquanto que Honorina, criada no campo, longe dos saraus, cresceu
pura e inocente, cheia de esperanças felizes quanto ao casamento. (Estive pensando:
este nome “Honorina” será feminino de “honor”? Temos aqui uma intenção ou uma
coincidência com o caráter de nossa protagonista?).
Honorina
então acaba despertando o amor de um misterioso homem denominado unicamente de
“moço loiro”, que manda-lhe bilhetes, utilizando sempre as mesmas palavras,
ditas pela própria Honorina em conversa com Raquel. Esse misterioso homem
parece seguir os passos de sua amada sem que ela perceba, e inventa mil
maneiras de aproximar-se dela, especialmente através de disfarces. As várias
identidades e perucas utilizadas por Macedo chegam a ser detestáveis. Os
exageros desse misterioso personagem me incomodaram bastante, uma vez que não
me pareciam naturais ou espontâneos, até porque esse personagem... É preciso
que eu diga quem é? Eis outro fator bastante incômodo: insistência num mistério
que, desde o princípio, o leitor mais ingênuo saberá resolver. Isto também vale
para a identidade do verdadeiro ladrão da joia da família. Ainda bem que Macedo
não seguiu o gênero policial rsrsrs.
Uma
situação melindrosa nos negócios de Hugo, pai de Honorina, incita a que a bela
jovem dê atenção aos amores protestados por Otávio, que é credor de Hugo, mas
ela já está apaixonada pelo “moço loiro” que ninguém sabe quem é. Raquel
é outra que involuntariamente se apaixona pelo misterioso moço loiro, sofre por
ser consciente de que o amor dele já tem dona, e prefere calar seus
sentimentos. Os amores de Otávio por Honorina despertam os ciúmes de Lucrécia,
uma jovem viúva que pretende casar-se com o rico moço. Mesmo sabendo que
Honorina não corresponde a Otávio, Lucrécia pretende vingar seu orgulho
ofendido. E agora, quem poderá salvar a inocente Honorina? Preciso mesmo dizer?
Toda essa situação demonstra que a temática principal da obra é o “casamento
por interesse”. Macedo, inclusive, no capítulo “Honorina meditando” (que é um
dos pontos altos do romance), discute a situação da mulher no século XIX,
enfatizando sua inferioridade social em relação ao homem. Esse Macedo feminista
deixa o romance bem mais interessante. (Há um detalhe importante sobre essa
dívida de Hugo para com Otávio que omiti propositalmente para não dar spoiler).
Eis
um livro que poderia muito bem ter sido melhor enxugado nas suas 400 páginas,
uma vez que não é de fato ruim. Temos nele um narrador picaresco que, embora
não seja muito verossímil, não deixa de ser divertido e inteligente no plano do
entretenimento. Há uma passagem que alude ao personagem Augusto d’A Moreninha, só para dar uma pequena
amostra dos recursos deliciosos empregados por Macedo, que nem quando ele conta
a história da joia da família pela voz da avó de Honorina. Tudo isso mostra que
O Moço Loiro é um livro para se
entreter, um passatempo para divertir a mente, e não para ser levado a sério.
Sua leitura me deixou ainda mais curioso para ler os outros romances de Macedo,
títulos sobre os quais não criei grandes expectativas; de repente, posso ter
uma surpresa com Rosa, Vicentina, O Rio do Quarto, O Forasteiro,
A Baronesa de Amor, Um Noivo a Duas Noivas... São tantos!
Qual será o próximo? Só espero não seja daqui a dez anos de novo!
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
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quem na verdade roubou a joia valiosa, que deveria ser passada a honorina
ResponderExcluirNão citei na resenha para não dar spoiler.
ResponderExcluirQuem roubou foi o "primo Félix".
Como é o nome da joia valiosa que foi roubada da família?
ResponderExcluirNo livro é constantemente chamada simplesmente de "cruz da família".
Excluir"Cruz de ouro "
ExcluirEste comentário foi removido por um administrador do blog.
ResponderExcluirQuem são os protagonistas?
ResponderExcluirExiste uma romance de Macedo chamado A carteira do meu tio, na qual ele mistura sátira, alegoria política e narrativa de viagens. foi publicado em 1855 e apresenta um Macedo mais critico e irônico. Tem inclusive uma sequencia intitulada memórias do sobrinho do meu tio, que em certos momentos me lembra o personagem Brás Cubas do grande Machados. Ambos valem muito a pena ler para provar que Macedo não é só folhetim romântico.
ResponderExcluirPretendo ler ambos em 2020. Macedo é sempre maravilhoso!
ExcluirÉ lindo como podemos ter leituras diferentes! Amei o romance, ele me tocou e emocionou, isso foi inédito. Macedo usa esses personagens, de que você disse que são para fazer rir, para fazer uma forte critica a sociedade da época. Pra mim ele é um escritor genial. A luneta mágica é sem duvida o minha obra favorita dele. Parabéns pelo blog e pela analise.
ResponderExcluirSim, Débora! Macedo é mesmo genial. Este ano li "O Rio do Quarto" e duas de suas peças teatrais. Também pretendo ler "Nina" antes do fim do ano. Espero que dê tempo. Abraço!
Excluirquais são os principais personagens?
ResponderExcluirUma das últimas frases do livro, dita pela personagem Raquel: "Pelo menos serei mãe de seus filhos." Isso me intrigou! Mãe dos filhos do Lauro? Ou mãe de leite dos filhos do casal? Quem entendeu a frase?
ResponderExcluirOi, Alexandre! Raquel, buscando resignação, desejava dedicar-se aos filhos da amiga Honorina, sendo como uma mãe para eles. Espero ter esclarecido. Abraço!
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