sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Como me tornei um leitor



Todo leitor tem a sua história. Queria que a minha fosse daquelas em que a pessoa nasce em um ambiente propício à apreciação da Arte, em que todos os membros estão sempre lendo coisas novas e discutindo sobre elas. Infelizmente, comigo não foi assim. Venho de uma família quase que totalmente alheia à Literatura. Digo “quase” porque meu pai costumava recitar os cordéis de seu tempo, que eu adorava: Rosinha, Sebastião e Heleno; O Pavão Misterioso; A Negra Feiticeira, entre outros. Nunca recebi incentivo para ler, conhecer os clássicos, etc. Às vezes, penso e não compreendo como me tornei leitor. Daí, vejo-me na obrigação de explicitar o que quero dizer com o termo “leitor”.

Se você lê o jornal, acompanha o horóscopo, assina revistas, lê contos de fadas para as crianças e ainda de vez em quando medita num salmo bíblico... não, você não é um leitor. Leitor é aquele que tem uma relação amigável com os livros, e não quem lê apenas por obrigação. Leitor é quem consegue descobrir na leitura um prazer necessário à vida. Leitor está sempre lendo alguma obra, deixando-se levar pela curiosidade de ir além, conhecendo novos autores e estilos. Não é aquele que lê os livros ditados pela moda, mas o que seleciona, conforme sua própria identidade leitora, as obras que são do seu interesse. A leitura é como um esporte: qualquer pessoa pode praticar, mas só quem tiver paixão por ele, poderá encará-lo como uma atividade que está muito longe de ser um mero passatempo.

Mesmo as famílias mais aversas à leitura têm algum livro em casa. Na minha, veio parar não sei como uma versão da Chapeuzinho Vermelho, chamada Chapeuzinho Vermelho e o Lobo-Guará, de Ângelo Machado. Esse livrinho foi minha primeira experiência com a leitura propriamente dita, porque antes, já tinha o hábito de ler as histórias que vinham no início das unidades dos livros didáticos. O livrinho de que falei foi lido por mim diversas vezes, mas nada que me suscitasse o interesse por outros livros. Na verdade, tinha pavor a livros e não entendia como era possível ler um volume de 150 páginas! Até que um dia, na escola, pediram que a gente lesse O Filho das Estrelas, de Wilson Rocha. Era um livrinho de 50 páginas. Lembro que a professora todos os dias combinava um determinado capítulo como atividade de casa. Esse foi então o primeiro livro que encarei de fato! E não foi nada agradável. Talvez por ter lido obrigado ou porque a história não me despertasse interesse, ignorei este livrinho que conservo até hoje.

Foi somente aos doze anos, quando tive que ler A Hora da Verdade, do Pedro Bandeira, que me entusiasmei com um livro. Costumo dizer que este livro abriu caminho para que eu fosse um leitor. Era a primeira coisa que eu lia com prazer, e foi este livro que despertou em mim a curiosidade de ler outros livros. Desde então, tenho um carinho muito especial pelas obras do Pedro Bandeira. Lembro que li todos os títulos dele que eu encontrava, e cada leitura trazia uma nova aventura. Quando não achava mais nada dele, lia outros autores e tive belas surpresas. Li, inclusive, alguns títulos da famosa Série Vaga-Lume, que eu amava. Foi uma fase tão maravilhosa de leituras, que escrevendo este post, bateu agora uma saudade daqueles livros, quase todos emprestados e que não tenho em meu poder. Estou pensando seriamente em adquiri-los, de preferência nas mesmas edições que eu os li. Os mais marcantes desse período foram: A Magia da Árvore Luminosa (Rosana Bond), A Marca de uma Lágrima (Pedro Bandeira), Sozinha no Mundo (Marcos Rey), Spharion (Lúcia Machado de Almeida), A Cor da Ternura (Geni Guimarães), Um Girassol na Janela (Ganymédes José) e A Força da Vida (Giselda Laporta Nicolelis).

Por esse tempo, só lia esses livrinhos infantojuvenis; li muitos, e os adorava. Foi então que, na época em que minha irmã preparava-se para prestar vestibular, apareceram aqui em casa uns livros mais volumosos, de capa branca com um desenho colorido e com títulos bem diferentes daqueles que eu estava acostumado. Muito curioso, peguei O Ateneu (Raul Pompeia), achando que leria mais um daqueles meus livrinhos fáceis. Que decepção! Deparei-me com um vocabulário dificílimo e uma narrativa da qual não compreendia nada. Abandonei O Ateneu e experimentei Luzia-Homem (Domingos Olímpio). Este não me pareceu tão difícil, fui lendo pouco a pouco, criei gosto pela leitura, e quando menos esperava, terminava o livro aos prantos. Se Pedro Bandeira abriu caminho para me tornar um leitor, Domingos Olímpio abriu caminho para me tornar um leitor de clássicos brasileiros. E aconteceu o mesmo que com os livros juvenis: saí lendo tudo que encontrava e, posso dizer, foi o tempo em que li os melhores livros da minha vida. A cada novo clássico que lia, compreendia melhor os estilos de época, que me fascinavam e me fascinam até hoje. Foi nesse tempo que descobri José de Alencar, por quem tenho um respeito e admiração enormes. Alencar foi meu primeiro grande mestre; aprendi tanto com ele, que sempre vou lamentar não tê-lo conhecido pessoalmente; foi com ele que alcancei minha maturidade leitora, minha criticidade, meu próprio gosto literário. Sua obra causou em mim uma impressão tão profunda que poucos escritores conseguiram repetir. Dessa segunda fase literária, os mais marcantes foram: O Guarani (José de Alencar), A Moreninha (Joaquim Manuel de Macedo), O Seminarista (Bernardo Guimarães), Memórias de um Sargento de Milícias (Manuel Antônio de Almeida), O Cortiço (Aluísio Azevedo) e Quincas Borba (Machado de Assis). Considero todos esses seis livros verdadeiras obras-primas, e seus autores, verdadeiros gênios da literatura brasileira.

Foi assim que alguém que tinha tudo para ignorar os livros tornou-se um grande amante e apreciador deles. Agora, para encerrar, deixem-me falar um pouco do leitor que sou hoje. Não me considero um leitor completo. Não obstante ter adquirido uma maturidade razoável para ler vários tipos de livros, sou consciente de que ainda tenho muito que aprender com a Literatura, principalmente com os grandes gênios universais. Esse é o meu novo grande desafio: desvendar a literatura universal, especialmente as obras que influenciaram meus autores favoritos. Minha maior conquista enquanto leitor foi ultrapassar a minha zona de conforto. Isso não quer dizer que não vá ler mais obras dos meus autores preferidos, mas que estou disposto a descobrir outros estilos e gêneros de diferentes épocas, inclusive a atual.

Um bom leitor nunca está satisfeito com o que já leu; antes, vislumbra novas possibilidades de um crescimento intelectual que nunca será o bastante.

Daniel Coutinho

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2 comentários:

  1. Que texto gostoso, Daniel. Ah, eu ainda não li Luzia-Homem. Eu suspeitava que minha mãe teria esse livro, mas nunca o encontrei, então devo ter me enganado.
    Claire.

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    1. Não acredito que ainda não leu Luzia-Homem!!! É um dos nossos orgulhos cearenses rs Eu que sou apaixonado por romance regionalista, sou fascinado por esse livro. Leia, leia, leia! ;-)

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