Todo
leitor tem a sua história. Queria que a minha fosse daquelas em que a pessoa
nasce em um ambiente propício à apreciação da Arte, em que todos os membros
estão sempre lendo coisas novas e discutindo sobre elas. Infelizmente, comigo
não foi assim. Venho de uma família quase que totalmente alheia à Literatura.
Digo “quase” porque meu pai costumava recitar os cordéis de seu tempo, que eu
adorava: Rosinha, Sebastião e Heleno;
O Pavão Misterioso; A Negra Feiticeira, entre outros. Nunca
recebi incentivo para ler, conhecer os clássicos, etc. Às vezes, penso e não
compreendo como me tornei leitor. Daí, vejo-me na obrigação de explicitar o que
quero dizer com o termo “leitor”.
Se
você lê o jornal, acompanha o horóscopo, assina revistas, lê contos de fadas para
as crianças e ainda de vez em quando medita num salmo bíblico... não, você não
é um leitor. Leitor é aquele que tem uma relação amigável com os livros, e não
quem lê apenas por obrigação. Leitor é quem consegue descobrir na leitura um
prazer necessário à vida. Leitor está sempre lendo alguma obra, deixando-se
levar pela curiosidade de ir além, conhecendo novos autores e estilos. Não é
aquele que lê os livros ditados pela moda, mas o que seleciona, conforme sua
própria identidade leitora, as obras que são do seu interesse. A leitura é como
um esporte: qualquer pessoa pode praticar, mas só quem tiver paixão por ele,
poderá encará-lo como uma atividade que está muito longe de ser um mero
passatempo.
Foi
somente aos doze anos, quando tive que ler A
Hora da Verdade, do Pedro Bandeira, que me entusiasmei com um livro.
Costumo dizer que este livro abriu caminho para que eu fosse um leitor. Era a
primeira coisa que eu lia com prazer, e foi este livro que despertou em mim a
curiosidade de ler outros livros. Desde então, tenho um carinho muito especial
pelas obras do Pedro Bandeira. Lembro que li todos os títulos dele que eu
encontrava, e cada leitura trazia uma nova aventura. Quando não achava mais
nada dele, lia outros autores e tive belas surpresas. Li, inclusive, alguns
títulos da famosa Série Vaga-Lume,
que eu amava. Foi uma fase tão maravilhosa de leituras, que escrevendo este post, bateu agora uma saudade daqueles
livros, quase todos emprestados e que não tenho em meu poder. Estou pensando
seriamente em adquiri-los, de preferência nas mesmas edições que eu os li. Os
mais marcantes desse período foram: A
Magia da Árvore Luminosa (Rosana Bond), A
Marca de uma Lágrima (Pedro Bandeira), Sozinha
no Mundo (Marcos Rey), Spharion
(Lúcia Machado de Almeida), A Cor da
Ternura (Geni Guimarães), Um Girassol
na Janela (Ganymédes José) e A Força
da Vida (Giselda Laporta Nicolelis).
Por
esse tempo, só lia esses livrinhos infantojuvenis; li muitos, e os adorava.
Foi então que, na época em que minha irmã preparava-se para prestar vestibular,
apareceram aqui em casa uns livros mais volumosos, de capa branca com um
desenho colorido e com títulos bem diferentes daqueles que eu estava acostumado.
Muito curioso, peguei O Ateneu (Raul
Pompeia), achando que leria mais um daqueles meus livrinhos fáceis. Que
decepção! Deparei-me com um vocabulário dificílimo e uma narrativa da qual não
compreendia nada. Abandonei O Ateneu
e experimentei Luzia-Homem (Domingos
Olímpio). Este não me pareceu tão difícil, fui lendo pouco a pouco, criei gosto
pela leitura, e quando menos esperava, terminava o livro aos prantos. Se Pedro
Bandeira abriu caminho para me tornar um leitor, Domingos Olímpio abriu caminho
para me tornar um leitor de clássicos brasileiros. E aconteceu o mesmo que com
os livros juvenis: saí lendo tudo que encontrava e, posso dizer, foi o tempo em
que li os melhores livros da minha vida. A cada novo clássico que lia,
compreendia melhor os estilos de época, que me fascinavam e me fascinam até
hoje. Foi nesse tempo que descobri José de Alencar, por quem tenho um respeito
e admiração enormes. Alencar foi meu primeiro grande mestre; aprendi tanto com
ele, que sempre vou lamentar não tê-lo conhecido pessoalmente; foi com ele que
alcancei minha maturidade leitora, minha criticidade, meu próprio gosto
literário. Sua obra causou em mim uma impressão tão profunda que poucos
escritores conseguiram repetir. Dessa segunda fase literária, os mais marcantes
foram: O Guarani (José de Alencar), A Moreninha (Joaquim Manuel de Macedo), O Seminarista (Bernardo Guimarães), Memórias de um Sargento de Milícias
(Manuel Antônio de Almeida), O Cortiço
(Aluísio Azevedo) e Quincas Borba
(Machado de Assis). Considero todos esses seis livros verdadeiras obras-primas,
e seus autores, verdadeiros gênios da literatura brasileira.
Foi
assim que alguém que tinha tudo para ignorar os livros tornou-se um grande
amante e apreciador deles. Agora, para encerrar, deixem-me falar um pouco do
leitor que sou hoje. Não me considero um leitor completo. Não obstante ter
adquirido uma maturidade razoável para ler vários tipos de livros, sou
consciente de que ainda tenho muito que aprender com a Literatura,
principalmente com os grandes gênios universais. Esse é o meu novo grande
desafio: desvendar a literatura universal, especialmente as obras que
influenciaram meus autores favoritos. Minha maior conquista enquanto leitor foi
ultrapassar a minha zona de conforto. Isso não quer dizer que não vá ler mais
obras dos meus autores preferidos, mas que estou disposto a descobrir outros
estilos e gêneros de diferentes épocas, inclusive a atual.
Um
bom leitor nunca está satisfeito com o que já leu; antes, vislumbra novas
possibilidades de um crescimento intelectual que nunca será o bastante.
Daniel Coutinho
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Escreva para o blog: autordanielcoutinho@gmail.com
Que texto gostoso, Daniel. Ah, eu ainda não li Luzia-Homem. Eu suspeitava que minha mãe teria esse livro, mas nunca o encontrei, então devo ter me enganado.
ResponderExcluirClaire.
Não acredito que ainda não leu Luzia-Homem!!! É um dos nossos orgulhos cearenses rs Eu que sou apaixonado por romance regionalista, sou fascinado por esse livro. Leia, leia, leia! ;-)
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