Não
sou um assíduo leitor da literatura de horror; sou até um tanto arredio à
literatura fantástica, às obras que contemplam o irreal e histórias de enredo
obscuro. Criaturas veio parar às
minhas mãos graças ao encontro de autores cearenses, onde ganhei o exemplar do
próprio Rochett Tavares, tal como foi com História
entre Mundos, que já tem resenha no blog.
A
primeira impressão causada pelo livro é bastante positiva; isto porque o
projeto gráfico está impecável e carregado da atmosfera tenebrosa que rodeia a
obra, que é uma coletânea de contos de horror. O autor abusa de detalhes
interessantes desde a capa até o código de barras da edição. As primeiras
páginas são pretas; cada conto abre com uma ilustração que compreende uma
página inteira; a diagramação está maravilhosa; o papel e o tamanho da letra
fazem gosto; enfim, o livro enquanto objeto está à altura dessas edições
americanas e sua compleição torna a leitura bastante fluida.
Agora,
passando à apreciação literária, confesso que a obra de Rochett não me agradou
o suficiente para classificá-la como boa; mas deixo bem claro que esta opinião
corresponde ao meu gosto pessoal enquanto leitor. Não estou dizendo, contudo,
que o livro não me agradou por ser “de horror”, mas por motivos que
esclarecerei ao longo desta resenha.
Em
primeiro lugar, a obra, tal como o projeto gráfico, é bem americanizada, como
se tivesse sido escrita por algum norte-americano. Além de todos os contos
situarem-se em espaços internacionais, a própria linguagem utilizada pelo autor
remete à cultura “gringa”. Não sei se o autor já morou no exterior ou se,
simplesmente, é um grande apreciador dessa cultura estrangeira, mas o teor
americanizado foi o primeiro fator a me incomodar neste livro.
A
linguagem quase que constantemente rebuscada também sugeria certa vaidade da
parte do autor, como se ele quisesse impressionar o leitor com seu privilegiado
vocabulário. O problema, a meu ver, não está no uso de uma ou outra palavra
menos conhecida, mas no ponto onde o autor a situa no texto; e é esta
má-colocação que dá uma ideia de esbanjamento. A repetição de determinadas
expressões com bastante frequência também me incomodou muito, tais como:
falange, a priori, o prefixo “pseudo”, dentre outras. Por último, a obscuridade
nos enredos e a tenuidade narrativa em contos como “Aquele que viveria”, “A
criatura” e “O Pai das lendas” sugere a descrição de um pesadelo, dada a
confusão das situações obscuramente narradas. Quanto ao bordão que perpassa o
livro: “Para a desgraça da espécie humana, mais uma página se cumpriu!”, com
seu tom meio profético, colaborou para dar aquele clima misterioso e
assustador, além de suscitar uma unidade ao conjunto da obra.
“Retrato
de família”, que abre a coletânea, traz como pano de fundo o trágico cenário da
segunda guerra mundial. Mark é um norte-americano que abandona sua pacata vida de
fazenda para servir sua pátria. Os horrores em combate são descritos com todo
pus e vísceras a que têm direito. O sobrenatural, como nos demais contos, é
personificado na figura de uma criatura horrorosa; neste conto, trata-se de
zumbis de soldados falecidos em guerras passadas. Um deles em particular dá uma
surpresa arrepiante ao leitor no final do conto. Gostei dele, tendo apenas certa
dificuldade com os termos militares empregados com mestria pelo autor.
“Visita
ao necrotério” é uma espécie de conto policial, mas narrado de forma tão
maçante que suas trinta páginas poderiam ter sido melhor enxugadas. Não é uma
história ruim, mas a maneira como é conduzida e seu desfecho um tanto
inconcluso tiram-lhe em grande parte seu mérito. Quanto aos contos “Aquele que
viveria” e “A criatura”, como já disse, sugerem verdadeiros pesadelos, dada a
inconsistência narrativa e a obscuridade de seus enredos. Não curti esses
contos e percebi que do 1º ao 4º, eles vão caindo em qualidade.
“O
vendedor de tapetes” dá uma melhorada à coletânea. Achmed Abdul é um vendedor
de tapetes que um dia é surpreendido por um estrangeiro que derruba sua
mercadoria, deixando cair nela um volume de capa preta, que é recolhido por
Abdul. Mal sabia ele que a posse daquele livro mudaria por completo a sua
sorte. “O mendigo de Vincennes” é outro conto bom, que sugere uma queima de
arquivo, como se alguém do governo quisesse encobrir a existência de um velho
mendigo que antes de se tornar um miserável, servira sua pátria, além de ser
testemunha perigosa de um assassinato. Estes dois últimos contos, a meu ver,
deveriam ter sido melhor explorados, ao invés de contos imerecidamente longos
como “Visita ao necrotério” e “Aquele que viveria”.
“Bom
Garoto” é um caso à parte. O maior conto da coletânea é, sem dúvidas também, o
melhor. Esse conto destoa inclusive de todo o resto do livro. Só não desconheci
totalmente seu autor nele, pela forma e usos da linguagem. A grande diferença
está no curso da narrativa que se desenrola com primor. A leitura desse conto
compensou todos os problemas que encontrei nos outros. Seu modelo é que deveria
ter servido de referência para a escrita dos demais. Conta a história de um pai
que é um verdadeiro déspota, além de ser constantemente agressivo com a mulher
e os filhos, salvando-se de sua violência unicamente a filha do meio, que é sua
preferida. A intervenção de um pequeno e aparentemente inofensivo cachorrinho
poderá mudar para sempre o destino daquela família. Adorei o conto, mas o final
(que, é claro, não vou contar!) é um tanto incoerente ou, pelo menos, não é
muito convincente; o que não tira o mérito do conto, que é, de fato, muito bom.
A
coletânea se encerra com o meditativo “O pai das lendas”, que é um enfadonho
desabafo de um vampiro, contando sobre sua existência e a de sua espécie. Com
mais baixos que altos, este livro não é o que posso chamar de “bom livro”; mas
também não digo que seja “ruim”. Como disse, sua constituição geral não foi de
encontro ao meu gosto literário, mas não posso negar as qualidades de seu autor
que não deixam de ser visíveis.
Avaliação:
★★
Daniel Coutinho
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