quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Saint-Clair das Ilhas (St. Clair of the Isles), de Elizabeth Helme - RESENHA #3




*

Saint-Clair das Ilhas foi mais um dos romances lidos por Alencar em sua primeira fase leitora. Machado de Assis é outro que cita essa obra em livros como Quincas Borba e Casa Velha. De sua autora, a inglesa Elizabeth Helme, quase não se tem registro, até com relação ao ano de seu nascimento e morte. Terá ela existido de fato; ou será que se trata de uma escritora fantasma? Mas, enfim, quem pode provar que não foi Homero quem criou Odisseia; ou que não é Shakespeare o autor de Otelo? A literatura está cheia de fatos obscuros.

Nesse caso, vamos acreditar que Elizabeth Helme publicou Saint-Clair em 1803, conforme consta. Pude ler esse livro graças ao site “Caminhos do Romance” que, ao que sei, fazia parte de um projeto da Profª Drª Márcia Abreu da UNICAMP. A edição digitalizada corresponde provavelmente à mesma lida por Alencar, a julgar pelo ano de publicação: 1827, ou seja, antes mesmo do autor de Iracema vir ao mundo. Trata-se de uma edição portuguesa da tipografia Rollandiana, traduzido do francês de Isabelle de Montolieu por António Vicente de Carvalho e Sousa. Provavelmente, deve ter havido também alguma outra edição brasileira em livro ou como folhetim de jornais da época. Essa referida edição portuguesa foi tudo o que obtive em nosso idioma.

Saint-Clair das Ilhas conta as desventuras do jovem escocês Saint-Clair Monteith. Sua mãe, Mariana Monteith, o concebeu antes do casamento. Como era exemplo de virtude e nobreza, teve de encobrir seu nascimento e fez um trato com sua criada Katy, para que ela assumisse a maternidade da criança, em troca de benefícios permanentes em dinheiro, mas com a condição de que nunca fossem revelados os verdadeiros pais do menino que recebeu o nome de Saint-Clair, em homenagem à santa do dia de seu nascimento, Santa Clara. Katy entrou em acordo com seu noivo Mac-Crai, e os dois foram para longe com o recém-nascido.

Mariana finalmente casa com o conde de Roskelin, a quem conta que seu filho nasceu morto. Eles têm outro filho, desta vez legítimo e com todos os direitos, e lhe dão por nome John Roskelin. O destino, porém, conduz o irmão de Mariana, que é um militar aventureiro, à casa de Mac-Crai. O grande Chefe Monteith logo simpatiza com o filho daquele casal e convence seus pais de levá-lo numa excursão que lhe serviria de grande aprendizado. Na casa do Chefe, ocorre o inevitável encontro entre o garoto e Mariana Roskelin, que escreve à Katy imediatamente, ordenando que ela mande buscar Saint-Clair, temendo ser descoberta. Katy manda Mac-Crai buscar o garoto, mas quando chega à casa do Chefe, este oferece-lhe uma proposta bastante benéfica em troca da permissão de que coordene a formação de seu pupilo a longo prazo. Mac-Crai, ciente do juramento feito à condessa de Roskelin, hesita em aceitar, mas cheio de remorsos de consciência, decide contar toda a verdade ao Chefe, que custa acreditar em tamanhas calúnias levantadas sobre sua irmã, mas uma carta da condessa (endereçada à Katy) o convence finalmente.

O Chefe previne sua irmã de que tomou conhecimento sobre seu segredo, mas ela persiste em negar, e o conde de Roskelin, de caráter pusilânime, não duvida de sua palavra. As recriminações do Chefe, indignado pela mãe que abandona e não reconhece o próprio filho, não causam maior efeito; por isso, ele decide preservar o segredo, a fim de evitar o escândalo, mas toma para si a guarda do sobrinho, e decide fazer dele seu herdeiro universal. Quando o Chefe Monteith morre, Saint-Clair, já adulto e a par de sua situação, assume o castelo de seu adorado tio. Seu grande desejo agora é desposar Eleonora, uma bela jovem que salvara de um incêndio e da falência (pagando as dívidas de seu pai), mas a moça e seu pai ambicionam a fortuna dos condes de Roskelin; e Eleonora, mesmo comprometida com Saint-Clair, recebe os cortejos de lord John. Furioso, Saint-Clair decide raptar a moça, para que lhe dê uma explicação, uma vez que teve sua entrada vetada na casa dela. Eleonora confessa ter descoberto pela família Roskelin que Saint-Clair não é um legítimo Monteith, mas que seus verdadeiros pais se aproveitaram da inocência do velho Chefe, fazendo-o acreditar numa calúnia infundada, para obterem a herança que, por direito, correspondia aos condes de Roskelin.

Saint-Clair, desolado com tanta infâmia e ingratidão, devolve Eleonora, mas é intimado perante o Rei pelo pai da jovem, e pelos condes de Roskelin que agora estão dispostos a requerer a herança “usurpada” por Saint-Clair. O jovem guerreiro é julgado e perdoado pelo Rei pelo crime de rapto, mas condenado a pagar determinada multa; quanto a ter usurpado a herança de Monteith, a conduta “sempre exemplar” da condessa fazem todos acreditar que o velho Chefe foi de fato iludido. Assim, Saint-Clair, além de ter os bens confiscados, é desterrado à ilha de Barra, nas Hébridas. Ele resigna-se, mas quando é solicitado que entregue sua espada, ele toma a atitude por uma afronta, e rebela-se; seus mais fiéis companheiros, conhecendo o perigo, ajudam-no. Essa ajuda amiga só serviu para que fossem desterrados juntos com Saint-Clair. Na ilha, nosso herói cria uma fortaleza e é logo admitido como Chefe perante os ilhéus. Seu único desejo agora é vingar-se de seus inimigos e recuperar tudo o que lhe foi tão vilmente roubado.

Que história e tanto, né? Assim como Oscar e Amanda, é de tirar o fôlego, mas ainda fico com o romance da Regina Roche. Concordo, porém, que esse livro é outro que foi esquecido injustamente. Que história, gente! E tudo que contei aparece apenas em uma das três partes do livro, que é a 2ª. A 1ª e a 3ª são posteriores, porque o romance se inicia In medias res (quando a narrativa começa pelo meio). Os defeitos que posso assinalar são os constantes exageros e rasgos de heroísmo desmedido, mas deve-se levar em conta que esse tipo de livro visava atender o gosto das grandes massas. Em Oscar e Amanda, também houve exageros, mas em Saint-Clair das Ilhas, a autora constrói a imagem de um herói que é um verdadeiro deus: inatingível, invencível, poderosíssimo. Em compensação, se reclamei dos chororôs de Amanda no livro da Roche, neste outro, temos uma figura feminina, Ambrozina, que dá um show à parte, mas que alimenta uma paixão recíproca daquelas “sem você, eu morro” que é bem difícil de acreditar. No mais, os outros problemas que encontrei foram da edição e não da obra. Além da digitalização estar em péssima qualidade (em muitas páginas), a tradução portuguesa é bastante falha e problemática em algumas passagens. O formato de romance dessa época foi outra dificuldade que encontrei. As falas dos personagens não são identificadas por travessão, não há uma separação entre a voz do personagem e a voz do narrador, além do que os discursos direto e indireto se confundem em vários momentos. Tudo isso dificultou bastante a leitura, sem contar umas 30 páginas que tive que ler em espanhol, porque a digitalização da 1ª parte está incompleta. Mas se me perguntarem se valeu a pena, afirmo que valeu demais.

Assim, se você é um leitor que curte uma história de época (século XV) com muita aventura, ação e romantismo entrelaçados, num cenário exótico e um enredo fabuloso, deve fazer sim um esforço pra ler este livro que é sensacional!

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho
*** 

Instagram: @autordanielcoutinho
SKOOB: http://www.skoob.com.br/usuario/1348798
Escreva para o blog: autordanielcoutinho@gmail.com

6 comentários:

  1. Boa tarde, Daniel! Gostaria de saber se você tem essa obra digitalizada e se poderia fazer o grande favor de disponibilizar o PDF no blog, pois há tempos eu procuro e até hoje não consegui ler. Agradeço!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá, Fernanda! Que bom que quer ler "Saint-Clair das Ilhas". É uma história apaixonante. Agradeceria se você mandasse um e-mail para a editora Pedrazul (contato@pedrazuleditora.com.br), sugerindo uma tradução de Saint-Clair para ser lançada em livro.
      Você pode baixar a edição que li, disponibilizada no site Caminhos do Romance:
      Vol 1: http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/biblioteca/0291/index.htm
      Vol 2: http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/biblioteca/0292/index.htm
      Vol. 3: http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/biblioteca/0293/index.htm

      Cada volume está dividido em vários PDFs. Baixe todos para ler. O volume 1 está incompleto. Eu fiz a leitura das páginas que faltam pela edição em espanhol do Google Books. Caso tenha interesse, o link é este: https://books.google.com.br/books?id=o3gdUzP7Tr0C&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false

      Espero ter ajudado e boa leitura!

      Excluir
  2. Oi, Daniel. Eu tenho este livro, que era do meu avô. Não tenho ele em mãos (a maioria dos meus livros estão no RS e eu em Brasília), mas a edição é um pouco posterior à que você leu, se não me engano é da década de 1840. Infelizmente não cheguei a ler o livro.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Marcelo. A edição é em 3 volumes também? Sabe dizer se é completa? Você não vende rs? Adoraria ter o livro numa edição original.
      Grande abraço!

      Excluir
  3. Faço uma contribuição importante: Riobaldo, personagem jagunço do Grande Sertão Veredas, encontra no romance Senclér das Ilhas "muitas verdades extraordinárias.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Puxa! Não sabia que Guimarães Rosa citava Saint-Clair em sua obra mais famosa. Obrigado por compartilhar. Abraço!

      Excluir