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Nesse
caso, vamos acreditar que Elizabeth Helme publicou Saint-Clair em 1803, conforme consta. Pude ler esse livro graças ao
site “Caminhos do Romance” que, ao que sei, fazia parte de um projeto da Profª
Drª Márcia Abreu da UNICAMP. A edição digitalizada corresponde provavelmente à
mesma lida por Alencar, a julgar pelo ano de publicação: 1827, ou seja, antes
mesmo do autor de Iracema vir ao
mundo. Trata-se de uma edição portuguesa da tipografia Rollandiana, traduzido
do francês de Isabelle de Montolieu por António Vicente de Carvalho e Sousa.
Provavelmente, deve ter havido também alguma outra edição brasileira em livro
ou como folhetim de jornais da época. Essa referida edição portuguesa foi tudo
o que obtive em nosso idioma.
Saint-Clair das Ilhas conta as desventuras do
jovem escocês Saint-Clair Monteith. Sua mãe, Mariana Monteith, o concebeu antes
do casamento. Como era exemplo de virtude e nobreza, teve de encobrir seu
nascimento e fez um trato com sua criada Katy, para que ela assumisse a
maternidade da criança, em troca de benefícios permanentes em dinheiro, mas com
a condição de que nunca fossem revelados os verdadeiros pais do menino que
recebeu o nome de Saint-Clair, em homenagem à santa do dia de seu nascimento,
Santa Clara. Katy entrou em acordo com seu noivo Mac-Crai, e os dois foram para
longe com o recém-nascido.
Mariana
finalmente casa com o conde de Roskelin, a quem conta que seu filho nasceu
morto. Eles têm outro filho, desta vez legítimo e com todos os direitos, e lhe
dão por nome John Roskelin. O destino, porém, conduz o irmão de Mariana, que é
um militar aventureiro, à casa de Mac-Crai. O grande Chefe Monteith logo
simpatiza com o filho daquele casal e convence seus pais de levá-lo numa excursão
que lhe serviria de grande aprendizado. Na casa do Chefe, ocorre o inevitável
encontro entre o garoto e Mariana Roskelin, que escreve à Katy imediatamente,
ordenando que ela mande buscar Saint-Clair, temendo ser descoberta. Katy manda
Mac-Crai buscar o garoto, mas quando chega à casa do Chefe, este oferece-lhe
uma proposta bastante benéfica em troca da permissão de que coordene a formação
de seu pupilo a longo prazo. Mac-Crai, ciente do juramento feito à condessa de
Roskelin, hesita em aceitar, mas cheio de remorsos de consciência, decide
contar toda a verdade ao Chefe, que custa acreditar em tamanhas calúnias
levantadas sobre sua irmã, mas uma carta da condessa (endereçada à Katy) o
convence finalmente.
O
Chefe previne sua irmã de que tomou conhecimento sobre seu segredo, mas ela
persiste em negar, e o conde de Roskelin, de caráter pusilânime, não duvida de
sua palavra. As recriminações do Chefe, indignado pela mãe que abandona e não
reconhece o próprio filho, não causam maior efeito; por isso, ele decide
preservar o segredo, a fim de evitar o escândalo, mas toma para si a guarda do
sobrinho, e decide fazer dele seu herdeiro universal. Quando o Chefe Monteith
morre, Saint-Clair, já adulto e a par de sua situação, assume o castelo de seu
adorado tio. Seu grande desejo agora é desposar Eleonora, uma bela jovem que
salvara de um incêndio e da falência (pagando as dívidas de seu pai), mas a
moça e seu pai ambicionam a fortuna dos condes de Roskelin; e Eleonora, mesmo
comprometida com Saint-Clair, recebe os cortejos de lord John. Furioso, Saint-Clair
decide raptar a moça, para que lhe dê uma explicação, uma vez que teve sua
entrada vetada na casa dela. Eleonora confessa ter descoberto pela família
Roskelin que Saint-Clair não é um legítimo Monteith, mas que seus verdadeiros
pais se aproveitaram da inocência do velho Chefe, fazendo-o acreditar numa
calúnia infundada, para obterem a herança que, por direito, correspondia aos
condes de Roskelin.
Saint-Clair,
desolado com tanta infâmia e ingratidão, devolve Eleonora, mas é intimado
perante o Rei pelo pai da jovem, e pelos condes de Roskelin que agora estão
dispostos a requerer a herança “usurpada” por Saint-Clair. O jovem guerreiro é
julgado e perdoado pelo Rei pelo crime de rapto, mas condenado a pagar determinada
multa; quanto a ter usurpado a herança de Monteith, a conduta “sempre exemplar”
da condessa fazem todos acreditar que o velho Chefe foi de fato iludido. Assim,
Saint-Clair, além de ter os bens confiscados, é desterrado à ilha de Barra, nas
Hébridas. Ele resigna-se, mas quando é solicitado que entregue sua espada, ele
toma a atitude por uma afronta, e rebela-se; seus mais fiéis companheiros,
conhecendo o perigo, ajudam-no. Essa ajuda amiga só serviu para que fossem
desterrados juntos com Saint-Clair. Na ilha, nosso herói cria uma fortaleza e é
logo admitido como Chefe perante os ilhéus. Seu único desejo agora é vingar-se
de seus inimigos e recuperar tudo o que lhe foi tão vilmente roubado.
Que
história e tanto, né? Assim como Oscar e
Amanda, é de tirar o fôlego, mas ainda fico com o romance da Regina Roche.
Concordo, porém, que esse livro é outro que foi esquecido injustamente. Que
história, gente! E tudo que contei aparece apenas em uma das três partes do
livro, que é a 2ª. A 1ª e a 3ª são posteriores, porque o romance se inicia In medias res (quando a narrativa começa
pelo meio). Os defeitos que posso assinalar são os constantes exageros e rasgos
de heroísmo desmedido, mas deve-se levar em conta que esse tipo de livro visava
atender o gosto das grandes massas. Em Oscar
e Amanda, também houve exageros, mas em Saint-Clair das Ilhas, a autora
constrói a imagem de um herói que é um verdadeiro deus: inatingível,
invencível, poderosíssimo. Em compensação, se reclamei dos chororôs de Amanda no
livro da Roche, neste outro, temos uma figura feminina, Ambrozina, que dá um
show à parte, mas que alimenta uma paixão recíproca daquelas “sem você, eu
morro” que é bem difícil de acreditar. No mais, os outros problemas que
encontrei foram da edição e não da obra. Além da digitalização estar em péssima
qualidade (em muitas páginas), a tradução portuguesa é bastante falha e
problemática em algumas passagens. O formato de romance dessa época foi outra
dificuldade que encontrei. As falas dos personagens não são identificadas por
travessão, não há uma separação entre a voz do personagem e a voz do narrador,
além do que os discursos direto e indireto se confundem em vários momentos.
Tudo isso dificultou bastante a leitura, sem contar umas 30 páginas que tive
que ler em espanhol, porque a digitalização da 1ª parte está incompleta. Mas se
me perguntarem se valeu a pena, afirmo que valeu demais.
Assim,
se você é um leitor que curte uma história de época (século XV) com muita
aventura, ação e romantismo entrelaçados, num cenário exótico e um enredo
fabuloso, deve fazer sim um esforço pra ler este livro que é sensacional!
Avaliação:
★★★★★
Daniel Coutinho
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Escreva para o blog: autordanielcoutinho@gmail.com
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Boa tarde, Daniel! Gostaria de saber se você tem essa obra digitalizada e se poderia fazer o grande favor de disponibilizar o PDF no blog, pois há tempos eu procuro e até hoje não consegui ler. Agradeço!
ResponderExcluirOlá, Fernanda! Que bom que quer ler "Saint-Clair das Ilhas". É uma história apaixonante. Agradeceria se você mandasse um e-mail para a editora Pedrazul (contato@pedrazuleditora.com.br), sugerindo uma tradução de Saint-Clair para ser lançada em livro.
ExcluirVocê pode baixar a edição que li, disponibilizada no site Caminhos do Romance:
Vol 1: http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/biblioteca/0291/index.htm
Vol 2: http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/biblioteca/0292/index.htm
Vol. 3: http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/biblioteca/0293/index.htm
Cada volume está dividido em vários PDFs. Baixe todos para ler. O volume 1 está incompleto. Eu fiz a leitura das páginas que faltam pela edição em espanhol do Google Books. Caso tenha interesse, o link é este: https://books.google.com.br/books?id=o3gdUzP7Tr0C&printsec=frontcover&hl=pt-BR#v=onepage&q&f=false
Espero ter ajudado e boa leitura!
Oi, Daniel. Eu tenho este livro, que era do meu avô. Não tenho ele em mãos (a maioria dos meus livros estão no RS e eu em Brasília), mas a edição é um pouco posterior à que você leu, se não me engano é da década de 1840. Infelizmente não cheguei a ler o livro.
ResponderExcluirOi, Marcelo. A edição é em 3 volumes também? Sabe dizer se é completa? Você não vende rs? Adoraria ter o livro numa edição original.
ExcluirGrande abraço!
Faço uma contribuição importante: Riobaldo, personagem jagunço do Grande Sertão Veredas, encontra no romance Senclér das Ilhas "muitas verdades extraordinárias.
ResponderExcluirPuxa! Não sabia que Guimarães Rosa citava Saint-Clair em sua obra mais famosa. Obrigado por compartilhar. Abraço!
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