Por diversas
vezes, quando lia ensaios literários sobre o Naturalismo no Ceará, deparava-me
com uma referência da qual pouco se tem notícia no cenário atual. De fato, O Simas (1898), do cearense de adoção
Pápi Júnior, tornou-se raridade bibliográfica, tendo sido reeditado uma única
vez (1975).
Vendido por
preços exorbitantes nos sebos brasileiros, fui encontrar por casualidade um
exemplar da 2ª edição em preço mais acessível num sebo dos Estados Unidos. Qual
não foi a minha alegria quando o livro então chegou! Tratei de finalizar
algumas leituras já começadas para me dedicar finalmente ao famigerado, porém
esquecido, romance máximo do senhor Pápi Júnior.
Agora que
concluí O Simas, estou com aquela
sensação (já tão conhecida pelos meus leitores) de incompreensão do pouco caso
que se faz de obras tão relevantes como esta. Trata-se de um romance que, não obstante
certos defeitos, configura uma excepcionalidade nas letras cearenses. É
trabalho seguramente digno das atenções do leitor contemporâneo e que,
portanto, carece ser urgentemente reeditado.
O Simas que dá título ao volume é mais um
daqueles canalhas pintados aos moldes do Basílio queirosiano, como Amâncio
(Casa de Pensão), Zuza (A Normalista) e Alípio (Aves de Arribação). No entanto,
a figura central do romance em questão é a cearense Luísa.
Vítima da
seca, Luísa vê-se obrigada a receber favores de estranhos, ignorando que em
algum momento teria de pagar pelos benefícios recebidos com o próprio corpo.
Inconformada com os abusos de Antero, a pobre moça decide fugir. Achando-se
grávida e sozinha, Luísa aceita o auxílio de Américo Bernardes, um paraense
abastado com quem acaba se casando, mas a fatalidade reserva para este uma
morte precoce.
A recém-viúva
torna-se livre e rica, podendo dar vazão aos seus sentimentos espontâneos que
recairão sobre o Simas, jovem sedutor que é apresentado à família por intermédio
de Peixoto, o antigo sócio do Bernardes. Dona Felisbina, ao perceber as
inclinações da nora, enche-se de escrúpulos pela memória de seu finado filho e
proíbe as visitas do Simas. Mas os dois amantes combinam encontros clandestinos
às escondidas de todos.
A cena em
que dona Felisbina descobre as maquinações do ardente casal é uma das mais
antológicas do livro, tendo sido já reproduzida em diversas coletâneas do
século passado. A solução encontrada pela sogra de Luísa para combater a
maledicência popular é mudarem-se para o Ceará, mas a boa senhora, subestimando
as artimanhas de um finório como o Simas, não contava com a aparição deste pela
Terra da Luz.
O
naturalismo d’O Simas revela-se mais
claramente no exame comportamental de sua protagonista. Luísa é dissecada
psicologicamente em diversas passagens e todas as suas emoções são franqueadas
por um narrador onisciente que esquadrinha os recantos abissais de sua alma
feminina.
Além desse
estudo analítico minucioso, a prolixidade do narrador entrega longos parágrafos
de pura descrição dos diversos cenários por onde passa o núcleo central da
trama. É digna de nota a linguagem de Pápi Júnior, que pode causar estranheza
por empregar métodos particulares na formação de palavras, além de neologismos
e arcaísmos colhidos em autores como Camilo Castelo Branco, afamado por seu
preciosismo linguístico.
Os problemas
que vi n’O Simas resumem-se basicamente
nessas extravagâncias linguísticas já mencionadas, mas principalmente no
excesso de tipos que nem sei se possa chamar de secundários, uma vez que são
enxertados na segunda metade do volume, salvo o padre Luisinho que reaparece
ligeiramente no último capítulo. Penso que muitos personagens recorrentes na
primeira metade (Cazuza, Gonçalves, Francisquinha, Tibúrcio, Paulina, Clarinha,
dentre outros) poderiam ter sido melhor aproveitados, quem sabe mesmo na
composição de tramas paralelas, das quais senti falta num romance de fôlego
como O Simas.
Por vezes
interessante, por vezes maçante, o romance de estreia de Pápi Júnior entrega
sem dúvida uma obra de vulto digna de apreciação. Fechamos as páginas d’O Simas com a sensação animadora de que
realizamos uma leitura suficientemente proveitosa.
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
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