quinta-feira, 21 de maio de 2020

O Simas, de Pápi Júnior - RESENHA #130

Por diversas vezes, quando lia ensaios literários sobre o Naturalismo no Ceará, deparava-me com uma referência da qual pouco se tem notícia no cenário atual. De fato, O Simas (1898), do cearense de adoção Pápi Júnior, tornou-se raridade bibliográfica, tendo sido reeditado uma única vez (1975).

Vendido por preços exorbitantes nos sebos brasileiros, fui encontrar por casualidade um exemplar da 2ª edição em preço mais acessível num sebo dos Estados Unidos. Qual não foi a minha alegria quando o livro então chegou! Tratei de finalizar algumas leituras já começadas para me dedicar finalmente ao famigerado, porém esquecido, romance máximo do senhor Pápi Júnior.

Agora que concluí O Simas, estou com aquela sensação (já tão conhecida pelos meus leitores) de incompreensão do pouco caso que se faz de obras tão relevantes como esta. Trata-se de um romance que, não obstante certos defeitos, configura uma excepcionalidade nas letras cearenses. É trabalho seguramente digno das atenções do leitor contemporâneo e que, portanto, carece ser urgentemente reeditado.

 O Simas que dá título ao volume é mais um daqueles canalhas pintados aos moldes do Basílio queirosiano, como Amâncio (Casa de Pensão), Zuza (A Normalista) e Alípio (Aves de Arribação). No entanto, a figura central do romance em questão é a cearense Luísa.

Vítima da seca, Luísa vê-se obrigada a receber favores de estranhos, ignorando que em algum momento teria de pagar pelos benefícios recebidos com o próprio corpo. Inconformada com os abusos de Antero, a pobre moça decide fugir. Achando-se grávida e sozinha, Luísa aceita o auxílio de Américo Bernardes, um paraense abastado com quem acaba se casando, mas a fatalidade reserva para este uma morte precoce.

A recém-viúva torna-se livre e rica, podendo dar vazão aos seus sentimentos espontâneos que recairão sobre o Simas, jovem sedutor que é apresentado à família por intermédio de Peixoto, o antigo sócio do Bernardes. Dona Felisbina, ao perceber as inclinações da nora, enche-se de escrúpulos pela memória de seu finado filho e proíbe as visitas do Simas. Mas os dois amantes combinam encontros clandestinos às escondidas de todos.

A cena em que dona Felisbina descobre as maquinações do ardente casal é uma das mais antológicas do livro, tendo sido já reproduzida em diversas coletâneas do século passado. A solução encontrada pela sogra de Luísa para combater a maledicência popular é mudarem-se para o Ceará, mas a boa senhora, subestimando as artimanhas de um finório como o Simas, não contava com a aparição deste pela Terra da Luz.

O naturalismo d’O Simas revela-se mais claramente no exame comportamental de sua protagonista. Luísa é dissecada psicologicamente em diversas passagens e todas as suas emoções são franqueadas por um narrador onisciente que esquadrinha os recantos abissais de sua alma feminina.

Além desse estudo analítico minucioso, a prolixidade do narrador entrega longos parágrafos de pura descrição dos diversos cenários por onde passa o núcleo central da trama. É digna de nota a linguagem de Pápi Júnior, que pode causar estranheza por empregar métodos particulares na formação de palavras, além de neologismos e arcaísmos colhidos em autores como Camilo Castelo Branco, afamado por seu preciosismo linguístico.

Os problemas que vi n’O Simas resumem-se basicamente nessas extravagâncias linguísticas já mencionadas, mas principalmente no excesso de tipos que nem sei se possa chamar de secundários, uma vez que são enxertados na segunda metade do volume, salvo o padre Luisinho que reaparece ligeiramente no último capítulo. Penso que muitos personagens recorrentes na primeira metade (Cazuza, Gonçalves, Francisquinha, Tibúrcio, Paulina, Clarinha, dentre outros) poderiam ter sido melhor aproveitados, quem sabe mesmo na composição de tramas paralelas, das quais senti falta num romance de fôlego como O Simas.

Por vezes interessante, por vezes maçante, o romance de estreia de Pápi Júnior entrega sem dúvida uma obra de vulto digna de apreciação. Fechamos as páginas d’O Simas com a sensação animadora de que realizamos uma leitura suficientemente proveitosa.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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