quarta-feira, 6 de maio de 2020

Ovelha, de Gustavo Magnani - RESENHA #128

A estreia de um autor é quase sempre problemática, principalmente quando se dá muito cedo. Movido pelo desejo de publicar, o jovem escritor entrega, cheio de entusiasmo, as primeiras páginas de sua lavra aos leitores, ansioso pela recepção de seu trabalho. É bem verdade que a grande maioria acaba lamentando no futuro tais afoitezas da juventude, renegando um passado de exagero e inverossimilhança, seja rotulando seus primeiros escritos de “obra imatura”, ou simplesmente deixando que o implacável tempo se encarregue de condená-los ao esquecimento.

Gustavo Magnani tinha apenas vinte anos quando publicou Ovelha (2015), seu romance de estreia. Naturalmente inclinado à ideia de chamar atenção para sua obra, escolheu o caminho da polêmica declarando guerra aos evangélicos e seus respectivos líderes. Bela escolha, eu diria! E para tornar tudo mais interessante, nada como escolher um tema que é verdadeiro calcanhar de Aquiles para muitos cristãos: a homossexualidade.

Feitas estas escolhas, parece-nos muito lógico que um pastor gay figure como protagonista da obra. A premissa é definitivamente boa e sugestiva. Os problemas de Ovelha, contudo, vão muito além das polêmicas para as quais o livro foi pensado.

Não bastasse a dificuldade de relacionar religião e homossexualidade (trabalho melindroso!), nosso afoito estreante desafiou-se a seguir por um caminho deveras escabroso: e lá se foi ele pelas trilhas do romance fragmentado, rezando para Machado de Assis aqui e ali. O resultado de tanta temeridade é este Ovelha, tão imaturo quanto seu autor quando o publicou.

A escrita do romance é instável: às vezes prosaica, outras vezes melhor elaborada, fazendo-nos pressentir um prosador disposto a investir em variadas tentativas: a linguagem escrachada, o concretismo, a paráfrase bíblica, o diálogo trivial, pensamentos reflexivos, etc. Toda essa instabilidade, aliada a descuidos de linguagem e incoerências narrativas, tornam o processo de leitura no mínimo cansativo.

Os personagens são antipáticos e desinteressantes. Talvez Bianca seja a única exceção. O capítulo narrado por ela é um dos melhores do livro e a construção da personagem como um todo é tolerável. Os demais, dispostos aleatoriamente ao longo do livro, representam seus papéis sem maiores novidades. Mesmo a mãe do protagonista e o pastor colombiano, que poderiam ter rendido muito mais na história, passam pelo leitor sem grande impacto.

Avaliar o enredo torna-se desnecessário. O autor meio que abdicou da construção de um ao optar por, de forma fragmentada, compilar as memórias do pastor gay. Em Ovelha não há “uma” história. O que temos é um apanhado de cenas que não obedecem a uma ordem cronológica, mas que revelam os traumas de um homem que, influenciado por uma mãe fanática, torna-se pastor e, por isso, obriga-se a esconder sua homossexualidade por toda a vida. Tempos depois, aidético e debilitado, procura uma remissão no ato de transcrever seu passado oculto.

Os problemas de Ovelha resumem-se no seu exagero: a maneira desrespeitosa como são tratados certos símbolos religiosos é possivelmente o maior deles. No entanto, o autor consegue ainda assim dar mostras de seu talento literário, principalmente na habilidade de criar métodos: ao longo do livro, por exemplo, deparamo-nos com algumas sequências padronizadas que obedecem a um modelo firmado anteriormente.

Longe de representar uma leitura agradável para mim, Ovelha não é contudo obra descartável e sem valor. É a estreia de um romancista que seguramente terá novas oportunidades para expressar seu talento com madureza e bom senso.

Avaliação: ★★

Daniel Coutinho

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