O Meu Pé
de Laranja Lima (1968) é uma história de amor. Mas não é o tipo
de história em que a mocinha encontra seu herói, casam-se e vão viver felizes.
Também não se trata de amores impossíveis que acabam terminando em tragédia.
Aliás, não temos aqui a história de um casal. Temos, sim, uma história de amor
e não de amizade – como muitos pensam – entre um menino e um senhor.
Notadamente autobiográfico, o livro apresenta os
nomes reais de todos ou quase todos os tipos retratados por José Mauro de
Vasconcelos. Ele mesmo é protagonista de sua obra, sendo designado nela por
Zezé, carinhoso apelido de infância. Difícil é precisar até que ponto temos a
experiência real do autor em confronto com os elementos ficcionais do romance.
Talvez só José Mauro pudesse nos esclarecer este ponto. Teria adorado conhecê-lo
ou pelo menos ler sua biografia, já que sua vida foi no mínimo interessante.
Mas passando ao livro em questão, temos uma obra
profundamente emotiva que joga com a sensibilidade do leitor. Dificilmente
alguém sairá ileso desta leitura, tantas são as emoções despertadas a cada capítulo.
É como se estivéssemos diante de um belo álbum de família que contempla páginas
tristes e felizes, melancólicas e engraçadas, objetivas e poéticas. Assim,
vamos conhecendo a história do pequeno Zezé, um garoto de cinco anos tão
especial que, mesmo sendo pobre, com inteligência e imaginação, aprende a ler sozinho,
possui um passarinho dentro de si que lhe diz coisas e passeia pela Europa sem
sair de seu quintal.
O único defeito de Zezé é ele ser afilhado do
diabo, como dizem, em razão de seu comportamento arteiro e indomável. Não é que
Zezé seja mal, mas como ele mesmo revela, o diabo lhe dava ideias que deixavam
todo mundo de cabelo em pé. As travessuras do garoto não são bem recebidas pela
família, que enfrenta sérios problemas. Com o pai desempregado, a mãe acaba
sendo obrigada a trabalhar o dia inteiro numa fábrica. A pobreza também obriga
a família a mudar para uma casa mais barata.
Na nova casa, Zezé encontrará um amigo ainda
mais especial que seu morcego Luciano: um pequeno pé de laranja lima que é
capaz de se comunicar com ele. A árvore acaba se tornando o confidente do
garoto, que desabafa a angústia de perceber que todos o rejeitam e de que
ninguém o compreende. Os pais e quase todos os irmãos de Zezé são intolerantes
com suas peraltices, impondo-lhe castigos severos e impiedosos. Contudo, o
afeto e a ternura que lhe são negados em casa serão ofertados por um taxista
português chamado Manuel Valadares.
Este senhor, carinhosamente chamado de Portuga,
é provavelmente viúvo, possuindo apenas uma filha casada que mora num bairro
distante. A situação de Zezé o comove de tal forma, que ele se prontifica a
ajudar o garoto em tudo. Portuga não contava, porém, ser conquistado por aquele
menininho excepcional. À medida em que se conhecem, uma relação de amor vai se
fortalecendo entre os dois, ao ponto de se preocuparem com a vida um do outro. Até
Minguinho, o pé de laranja de lima, fica enciumado.
A propósito de Minguinho, enquanto realizava a
leitura, achava que o autor pecara por ter se descuidado dele. Como o foco
passara a ser Zezé e o Portuga, Minguinho acaba mesmo ficando de lado, sendo
mencionado apenas ocasionalmente. Mas felizmente estava enganado. A ideia
sugerida pelo título da história tinha um alcance maior do que eu poderia
supor; e quando se atinge essa percepção, é simplesmente estupendo!
Não gostaria jamais de interferir na experiência
que qualquer leitor possa ter com este livro. Só advirto que prepare seu
coração antes de acompanhar Zezé em seu mundo fascinante, repleto de sonho e
imaginação. Ao final, todo o percurso terá valido a pena e, com um pouco de
sorte, você poderá sentir que é uma pessoa melhor, e que O Meu Pé de Laranja Lima é uma das mais lindas histórias de amor que
já leu.
Avaliação: ★★★★★
Daniel Coutinho
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