segunda-feira, 24 de setembro de 2018

O Meu Pé de Laranja Lima, de José Mauro de Vasconcelos - RESENHA #78

O Meu Pé de Laranja Lima (1968) é uma história de amor. Mas não é o tipo de história em que a mocinha encontra seu herói, casam-se e vão viver felizes. Também não se trata de amores impossíveis que acabam terminando em tragédia. Aliás, não temos aqui a história de um casal. Temos, sim, uma história de amor e não de amizade – como muitos pensam – entre um menino e um senhor.

Notadamente autobiográfico, o livro apresenta os nomes reais de todos ou quase todos os tipos retratados por José Mauro de Vasconcelos. Ele mesmo é protagonista de sua obra, sendo designado nela por Zezé, carinhoso apelido de infância. Difícil é precisar até que ponto temos a experiência real do autor em confronto com os elementos ficcionais do romance. Talvez só José Mauro pudesse nos esclarecer este ponto. Teria adorado conhecê-lo ou pelo menos ler sua biografia, já que sua vida foi no mínimo interessante.

Mas passando ao livro em questão, temos uma obra profundamente emotiva que joga com a sensibilidade do leitor. Dificilmente alguém sairá ileso desta leitura, tantas são as emoções despertadas a cada capítulo. É como se estivéssemos diante de um belo álbum de família que contempla páginas tristes e felizes, melancólicas e engraçadas, objetivas e poéticas. Assim, vamos conhecendo a história do pequeno Zezé, um garoto de cinco anos tão especial que, mesmo sendo pobre, com inteligência e imaginação, aprende a ler sozinho, possui um passarinho dentro de si que lhe diz coisas e passeia pela Europa sem sair de seu quintal.

O único defeito de Zezé é ele ser afilhado do diabo, como dizem, em razão de seu comportamento arteiro e indomável. Não é que Zezé seja mal, mas como ele mesmo revela, o diabo lhe dava ideias que deixavam todo mundo de cabelo em pé. As travessuras do garoto não são bem recebidas pela família, que enfrenta sérios problemas. Com o pai desempregado, a mãe acaba sendo obrigada a trabalhar o dia inteiro numa fábrica. A pobreza também obriga a família a mudar para uma casa mais barata.

Na nova casa, Zezé encontrará um amigo ainda mais especial que seu morcego Luciano: um pequeno pé de laranja lima que é capaz de se comunicar com ele. A árvore acaba se tornando o confidente do garoto, que desabafa a angústia de perceber que todos o rejeitam e de que ninguém o compreende. Os pais e quase todos os irmãos de Zezé são intolerantes com suas peraltices, impondo-lhe castigos severos e impiedosos. Contudo, o afeto e a ternura que lhe são negados em casa serão ofertados por um taxista português chamado Manuel Valadares.

Este senhor, carinhosamente chamado de Portuga, é provavelmente viúvo, possuindo apenas uma filha casada que mora num bairro distante. A situação de Zezé o comove de tal forma, que ele se prontifica a ajudar o garoto em tudo. Portuga não contava, porém, ser conquistado por aquele menininho excepcional. À medida em que se conhecem, uma relação de amor vai se fortalecendo entre os dois, ao ponto de se preocuparem com a vida um do outro. Até Minguinho, o pé de laranja de lima, fica enciumado.

A propósito de Minguinho, enquanto realizava a leitura, achava que o autor pecara por ter se descuidado dele. Como o foco passara a ser Zezé e o Portuga, Minguinho acaba mesmo ficando de lado, sendo mencionado apenas ocasionalmente. Mas felizmente estava enganado. A ideia sugerida pelo título da história tinha um alcance maior do que eu poderia supor; e quando se atinge essa percepção, é simplesmente estupendo!

Não gostaria jamais de interferir na experiência que qualquer leitor possa ter com este livro. Só advirto que prepare seu coração antes de acompanhar Zezé em seu mundo fascinante, repleto de sonho e imaginação. Ao final, todo o percurso terá valido a pena e, com um pouco de sorte, você poderá sentir que é uma pessoa melhor, e que O Meu Pé de Laranja Lima é uma das mais lindas histórias de amor que já leu.

Avaliação: ★★★★★

Daniel Coutinho

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