“Impotência” marca a estreia de João do Rio como
ficcionista. O conto apareceu pela primeira vez no periódico Cidade do Rio em 1899, mas o autor
preferiu descartá-lo quando da publicação de suas narrativas em livro.
Aderindo à estética naturalista, o conto
apresenta um narrador impessoal, responsável por mostrar ao leitor os dilemas
de Gustavo Nogueira, um homem rico que permanece virgem aos setenta anos. No
tempo presente do conto, nada efetivamente acontece. A narrativa, pois, dá-se a
partir das lembranças do protagonista que, sentado no divã de sua biblioteca
cor-de-rosa, rememora os episódios de sua existência vazia.
Gustavo é um ser apático e inativo. Há como que
uma debilidade constante em todos os seus gestos, o que o torna impotente moral e
fisicamente. Essa maneira de ser está diretamente ligada à incompreensão
de sua sexualidade. Gustavo não consegue se integrar às convenções da sociedade
à qual pertence. Ele sente-se inevitavelmente atraído por homens, mas, em se
tratando de mulheres, precisa provocar situações que proporcionem um contato
íntimo, situações estas que terminam – todas elas – em frustração, porque lhe
faltava “jeito para a cousa”.
Ao longo do conto, o narrador vai dando pistas
referentes à homossexualidade de Gustavo, mas insiste em tratar o assunto com
reserva. É como se fôssemos visualizando o caráter do personagem através de um
vidro fosco, o que nos impede de precisar diversos detalhes. Resta ao leitor
lançar hipóteses, por exemplo, sobre a relação entre Gustavo e Euzébio, poeta e
amigo de academia. Este convence o outro a viver numa casa nova, elegante e toda
cor-de-rosa, mas ao final apenas a biblioteca teria aquela cor. A constante
presença de Euzébio, a partir daí, sugere que os dois dividiam a nova casa,
ainda que não fique absolutamente claro se era isto ou se o companheiro de
Gustavo era apenas um grande frequentador da idealizada biblioteca rosa.
O que se compreende indiscutivelmente é que
Gustavo é um homem virgem, enquanto Euzébio denomina-se um “devasso” que
acredita – ou prefere acreditar – que o amigo pertence à mesma categoria. Aos
trinta anos, Gustavo atribui sua inatividade ao fato de manter-se virgem, por
isso decide preparar uma ceia licenciosa com algumas mulheres, no propósito de
consumar o ato sexual. O plano não vinga e Gustavo acaba desculpando-se,
alegando estar doente. Também merece atenção sua surpresa ante o entusiasmo de
Euzébio com a orgia.
O que, por outro lado, não é mencionado é se
Gustavo teria feito as mesmas tentativas com alguém do mesmo sexo. As
circunstâncias e a repressão social de seu tempo poderiam certamente tê-lo
dissuadido de tal ideia. Já na adolescência, quando apaixonado pelo jardineiro “forte
e musculoso”, ao ponto de pensar em chamá-lo para junto de si, era impedido
pelo medo de manifestar suas emoções. É essa homossexualidade reprimida e mal
compreendida que tanto atormenta o protagonista, inutilizando-o para tudo e
enchendo-o de ideias suicidas.
O conto de João do Rio provavelmente revela
muito de seu próprio sofrimento diante da não aceitação das pessoas em relação
à sua orientação sexual. O autor parece querer compensar suas ideias veladas
com a linguagem pretensiosa de um estreante, utilizando termos bastante
incomuns e chamativos. A meu ver, o argumento poderia ter sido melhor
desenvolvido num romance, onde seria possível esclarecer tantas lacunas acumuladas,
como o relacionamento conflituoso do protagonista com os pais e a relação
ambígua entre Gustavo e Euzébio. Fiquei com esta impressão final de que “Impotência”
era na verdade um intricado rascunho que seu próprio autor temia revisitar.
Avaliação: ★★
OBSERVAÇÃO: Impotência ganhou sua 1ª edição em livro este ano pela editora “O Sexo da
Palavra”. Pode ser adquirido pelo site (https://www.osexodapalavra.com/) ou
na página do Facebook da editora (https://www.facebook.com/osxdapalavra/).
Daniel Coutinho
***
Instagram: @autordanielcoutinho
SKOOB: http://www.skoob.com.br/usuario/1348798 Escreva para o blog: autordanielcoutinho@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário