As boas experiências que tive com Sidney Sheldon
nos últimos anos levaram-me a crer que deveria continuar lendo novas obras do
autor. Agora que li A Ira dos Anjos (1980),
receio que talvez não tenha tomado a melhor decisão. Esta última leitura me fez
compreender melhor o posicionamento da crítica em relação à produção ficcional
de Sheldon.
Mesmo encarando o livro o tempo todo como um
passatempo, cheguei à conclusão de que isso não o torna menos ruim. Na
literatura de entretenimento, como em tudo o mais, haverá sempre o positivo e o
negativo. Um mesmo autor pode assinar livros excelentes e péssimos. É natural,
pois, que tenha me divertido com O
Reverso da Medalha e sofrido para terminar A Ira dos Anjos.
Para começo de conversa, admito que fui enganado
pela sinopse, que vendia a história de uma mãe desesperada pelo sequestro de
seu filho. Achava que esse seria o ponto central da trama, mas ele só aparece
depois da metade do livro e é logo encerrado, dando lugar a outras subtramas.
Aliás, este é um livro de mil subtramas. Ao final da leitura, é praticamente
impossível lembrar todas as situações narradas, muito menos os diversos
cenários e, sobretudo, os incontáveis personagens corriqueiros. Fiquei com a
impressão de estar assistindo a uma dessas novelas dramáticas que trazem, dia a
dia, diferentes situações para entreter o público.
A protagonista, Jennifer Parker, é uma advogada
recém-formada que vai tentar a vida em Manhattan. Após cometer uma imprudência,
é acusada de receber suborno, o que acaba com sua carreira antes mesmo de tê-la
começado. O leitor logo se compadece dessa mocinha, vítima involuntária da
grande máfia, e acompanha as dificuldades de sua vida desde então. Desprezada
pelas pessoas e sem oportunidades de exercer a advocacia, Jennifer se submete à
realização de trabalhos menores para se manter, até que, por intermédio do
Padre Ryan, um amigo seu, toma conhecimento do caso de Abraham Wilson.
Abraham é um homem negro, condenado à prisão
perpétua por ter assassinado um comerciante durante um assalto. Na prisão,
acaba assassinando outro detento, à vista de mais de cem testemunhas, o que
poderá levá-lo à cadeira elétrica. A missão de Jennifer é salvar a vida deste moço
com um currículo capaz de fazer inveja a qualquer criminoso. Como se não
bastasse ter que lidar com uma defesa dificílima, Jennifer precisa enfrentar
neste caso o promotor Robert Di Silva, o mesmo que a acusou anteriormente e que
inclusive tentou cassar sua licença profissional. Para surpresa do leitor, ou
não rs, Jennifer sai vitoriosa neste caso, numa das passagens mais épicas do
livro.
A partir daí, a desprezada Jennifer
transforma-se numa celebridade, recebendo as mais atraentes propostas dos maiores
escritórios de Nova York. Essas reviravoltas são bem ao estilo do autor.
Parecia estar vendo Jamie McGregor após roubar aquele sem-número de diamantes.
Mas o problema maior está na romantização exagerada da personagem, que torna-se
uma heroína dos tribunais, capaz de vencer todo e qualquer caso que lhe caia
nas mãos. É justamente isso o que acontece, dando margem a uma sequência
fastidiosa de casos e mais casos, que serão todos resolvidos com sucesso pela
nossa heroína. Essas querelas judiciais compreendem boa parte da obra e
apresentam vários personagens descartáveis, como os chamo, que são aqueles
criados para determinado fim e descartados logo em seguida.
Aqui não poderiam faltar também os lances
amorosos e amores impossíveis com aquele toque de sensualidade tão
característico do autor. Jennifer acaba se apaixonando por Adam Warner, o
advogado que impede a cassação de sua licença. Para deixar tudo mais
interessante, Adam, claro, é casado, mas não ama sua esposa, Mary Beth, com quem
se casou basicamente por pena. Mesmo tendo escrúpulos reforçados pela lembrança
da mãe que enganou o pai, Jennifer cede ao sentimento que ela e Adam
compartilham. Mary Beth finge resignar-se e mostra-se disposta a dar o divórcio
ao marido, mas pede-lhe uma última noite de amor, com a qual espera ficar
grávida para prender Adam. É o que acontece. Que sorte, não rs? Como se não
bastasse essa gravidez tão automática, Jennifer fica grávida ao mesmo tempo,
mas desiste do amor de Adam, pois não quer prejudicar o amado em sua campanha
eleitoral para o Senado dos Estados Unidos.
Para a consolação da bela Jennifer, Sheldon
providencia um homem tão atraente quanto perigoso. Trata-se de Michael Moretti,
um grande líder de uma das maiores famílias da máfia internacional. Jennifer
procura evitá-lo, mesmo admitindo os dotes sedutores do mafioso, mas vê-se
obrigada a recorrer a ele quando finalmente acontece o sequestro de seu filho
Joshua, levado por um psicopata que pretendia crucificar e queimar vivo o
menino. Jennifer dá ordens de que matem o sequestrador. Após o pronto
salvamento de Joshua, Michael exige de Jennifer o pagamento que vocês já devem
imaginar, que ela também realiza prontamente e de muita boa vontade. Os dois
mantêm um relacionamento puramente sexual, mas Michael exige fidelidade, ainda
que também seja casado. Jennifer, de sua parte, enaltece Michael enquanto
parceiro sexual, por experimentar com ele sensações novas, mas não deixa de
amar o pai de seu filho.
Tenho observado essa mania de grandeza que tinha
Sidney Sheldon. Ele costuma elevar as situações de suas histórias a uma
grandiosidade excepcional. Adam, por exemplo, pleiteia a presidência dos
Estados Unidos, além de ser a elevação da nobreza em pessoa. Jennifer é a maior
advogada que se possa conceber. Joshua é uma criança inacreditável e
encantadora. Michael é um forte candidato a comandar as organizações criminosas
em todo o mundo, além de ser uma espécie de deus do sexo. Só um pouquinho
exagerado, não acham?
Algumas escolhas do autor também me pareceram contraditórias
ou equivocadas. Após sobreviver a uma macabra experiência na passagem do
sequestro, Joshua acaba morrendo de um problema decorrente de uma pancada na
cabeça. O autor sugere que Michael sente-se atraído por Jennifer de uma maneira
especial, mas esse suposto amor não reflete positivamente em nada no seu
comportamento, como também não impede que Michael tente matar sua amada nos
capítulos finais. Ainda nos movimentados momentos finais, Adam, numa situação
extrema, mostra-se arrependido por não ter escolhido Jennifer, mas quando tudo
podia-se claramente solucionar entre os dois, ele ainda prefere continuar com
Mary Beth.
A impressão que tive ao final do romance foi de
que tudo terminou em nada. Foi uma trajetória com algumas emoções, admito, mas
que não trouxe nenhuma consequência realmente interessante. Essas mais de
quatrocentas e cinquentas páginas fizeram-me lembrar de uma comédia de
Shakespeare (que ainda não li), cujo título poderia ter muito melhor servido ao
seu autor: Muito Barulho por Nada.
Avaliação: ★★
Daniel Coutinho
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Não é bem muito barulho por nada, lembre-se que Jennifer foi baleada por Moretti, ela poderia ter morrido, o autor salvou ela pra viver uma vida parecida com a do pai. O pai dela viveu uma carreira linear, a de Jennifer foi de altos e baixos pra terminar linear como o pai.
ResponderExcluirAté gosto da trajetória da personagem. O problema maior, a meu ver, é quando olhamos o livro como um todo. O conjunto me pareceu mal acabado. Tive uma impressão semelhante com outro livro do autor: "Um Estranho no Espelho".
ExcluirEntendi, Sidney Sheldon fez o filme desse livro, o final é diferente: https://youtu.be/hwFCH-bQTr8
ExcluirObrigado, não sabia que existia um filme baseado nesse livro.
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