sábado, 16 de junho de 2018

Horas Roubadas (On Borrowed Time), de Lawrence Edward Watkin - RESENHA #69

Dificilmente desaprovo os títulos da nostálgica Coleção Saraiva. Mesmo obras hoje ignoradas, como Depois do Verão, Amor de Mãe e Uma Mulher, proporcionaram-me experiências bastante positivas. Horas Roubadas (1937), do norte-americano Lawrence Edward Watkin, acabou sendo uma exceção.

A premissa do livro prometia uma obra bastante engenhosa, principalmente por ter sido inspirada num dos Contos da Cantuária, de Chaucer. O romance, porém, é problemático o suficiente para o classificarmos como dispensável. Embora considerando que se trate da estreia de Watkin como romancista, alguns senões me pareceram imperdoáveis. Sucesso imediato quando de seu lançamento, Horas Roubadas ganhou adaptação para o cinema em 1939. Contra meu costume, posso compreender por que ambos, livro e filme, tenham caído no esquecimento. Acho justo rs!

O enredo é o seguinte: Após a morte dos pais, João Gifford Northrup (carinhosamente chamado de Pud) fica sob custódia provisória dos avós paternos, ambos em idade já avançada. O velho Julian Northrup teme que a cunhada de seu finado filho, Demétria, possa obter a guarda do menino, por ser uma mulher hipócrita e ambiciosa que, na verdade, aspira pela fortuna deixada pelos pais da criança. A “morte”, personificada na figura do Sr. Brink, aparece para o avô de Pud, mas o velho, temendo que seu garoto ficasse desprotegido nas mãos de Demétria, decide prender a fatal aparição no alto de uma macieira. O caso é que, segundo a lenda, a prática de uma boa ação poderia conceder a realização de um desejo do praticante. Julian, aborrecido com os moleques que furtavam suas maçãs, havia desejado mantê-los presos na árvore pelo tempo que julgasse conveniente. Agora pretendia aprisionar a morte por dezesseis anos, tempo suficiente para que Pud pudesse adquirir autonomia bastante para cuidar de seus próprios interesses. Com a morte presa, nada mais morre sobre a Terra, nem mesmo o menor dos insetos, o que acaba resultando num caos inevitável.

Tivesse o autor se concentrado nesta ideia principal sintetizada acima, Horas Roubadas seria um livro melhor. O principal problema do romance é certamente seu mau desenvolvimento. Os episódios sucedem-se mal conectados, dispersos mesmo, alguns notadamente desnecessários para a trama. A malograda inserção de um lance amoroso, através dos personagens Bill e Márcia, pareceu-me totalmente despropositada. O romance dos dois, pessimamente desenvolvido, em nada contribuiu para o andamento da narrativa.

Outro problema que muito me incomodou foi a transparência com que expôs o autor suas ideias ateístas. Mesmo não chegando às proporções de um Fernão Capelo Gaivota, os ataques à religião cristã, sobretudo no segmento protestante, aparecem frequentemente. Julian é assumidamente ateu e Pud, mesmo tendo cinco anos, parece compartilhar das ideias do avô, mostrando-se incrédulo ante Deus tanto quanto pelo papai-noel. Demétria, a “vilã” da história, assumidamente cristã, deseja ardentemente a morte de seu amo, o Sr. Tate, que prometeu-lhe torná-la sua herdeira universal; a megera ainda, como já dito anteriormente, demonstra interesse por Pud, visando unicamente a fortuna herdada pelo garoto. Há, enfim, ao longo do livro, muitas outras referências à ideia de que cristãos são pessoas antiquadas, ignorantes e renitentes.

É provável que a única qualidade que tenha vislumbrado no romance de Watkin sejam suas tiradas humorísticas. Quando menos esperava, ria-me de algum comentário jocoso e bem situado. Ainda que não tenha lido outras obras do autor de Horas Roubadas, acredito, a priori, que ele tenha sido mais feliz escrevendo roteiros para o Walt Disney.

Avaliação: ★★

Daniel Coutinho

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2 comentários:

  1. Tive a mesma impressão. Tem tudo para ser bom e não é. Arrastei até o final e descobri que perdi tempo.

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    1. Sim, esse foi um dos poucos casos em que um livro da Coleção Saraiva me decepcionou. O desenvolvimento da trama é muito mal conduzido.

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