Dificilmente desaprovo os títulos da nostálgica
Coleção Saraiva. Mesmo obras hoje ignoradas, como Depois do Verão, Amor de Mãe
e Uma Mulher, proporcionaram-me
experiências bastante positivas. Horas
Roubadas (1937), do norte-americano Lawrence Edward Watkin, acabou sendo
uma exceção.
A premissa do livro prometia uma obra bastante
engenhosa, principalmente por ter sido inspirada num dos Contos da Cantuária, de Chaucer. O romance, porém, é problemático o
suficiente para o classificarmos como dispensável. Embora considerando que se
trate da estreia de Watkin como romancista, alguns senões me pareceram
imperdoáveis. Sucesso imediato quando de seu lançamento, Horas Roubadas ganhou adaptação para o cinema em 1939. Contra meu
costume, posso compreender por que ambos, livro e filme, tenham caído no
esquecimento. Acho justo rs!
O enredo é o seguinte: Após a morte dos pais, João
Gifford Northrup (carinhosamente chamado de Pud) fica sob custódia provisória
dos avós paternos, ambos em idade já avançada. O velho Julian Northrup teme que
a cunhada de seu finado filho, Demétria, possa obter a guarda do menino, por
ser uma mulher hipócrita e ambiciosa que, na verdade, aspira pela fortuna
deixada pelos pais da criança. A “morte”, personificada na figura do Sr. Brink,
aparece para o avô de Pud, mas o velho, temendo que seu garoto ficasse
desprotegido nas mãos de Demétria, decide prender a fatal aparição no alto de
uma macieira. O caso é que, segundo a lenda, a prática de uma boa ação poderia
conceder a realização de um desejo do praticante. Julian, aborrecido com os
moleques que furtavam suas maçãs, havia desejado mantê-los presos na árvore
pelo tempo que julgasse conveniente. Agora pretendia aprisionar a morte por
dezesseis anos, tempo suficiente para que Pud pudesse adquirir autonomia
bastante para cuidar de seus próprios interesses. Com a morte presa, nada mais
morre sobre a Terra, nem mesmo o menor dos insetos, o que acaba resultando num
caos inevitável.
Tivesse o autor se concentrado nesta ideia
principal sintetizada acima, Horas
Roubadas seria um livro melhor. O principal problema do romance é
certamente seu mau desenvolvimento. Os episódios sucedem-se mal conectados,
dispersos mesmo, alguns notadamente desnecessários para a trama. A malograda
inserção de um lance amoroso, através dos personagens Bill e Márcia, pareceu-me
totalmente despropositada. O romance dos dois, pessimamente desenvolvido, em
nada contribuiu para o andamento da narrativa.
Outro problema que muito me incomodou foi a
transparência com que expôs o autor suas ideias ateístas. Mesmo não chegando às
proporções de um Fernão Capelo Gaivota,
os ataques à religião cristã, sobretudo no segmento protestante, aparecem
frequentemente. Julian é assumidamente ateu e Pud, mesmo tendo cinco anos,
parece compartilhar das ideias do avô, mostrando-se incrédulo ante Deus tanto
quanto pelo papai-noel. Demétria, a “vilã” da história, assumidamente cristã,
deseja ardentemente a morte de seu amo, o Sr. Tate, que prometeu-lhe torná-la
sua herdeira universal; a megera ainda, como já dito anteriormente, demonstra
interesse por Pud, visando unicamente a fortuna herdada pelo garoto. Há, enfim,
ao longo do livro, muitas outras referências à ideia de que cristãos são
pessoas antiquadas, ignorantes e renitentes.
É provável que a única qualidade que tenha
vislumbrado no romance de Watkin sejam suas tiradas humorísticas. Quando menos
esperava, ria-me de algum comentário jocoso e bem situado. Ainda que não tenha
lido outras obras do autor de Horas
Roubadas, acredito, a priori, que ele tenha sido mais feliz escrevendo
roteiros para o Walt Disney.
Avaliação: ★★
Daniel Coutinho
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Tive a mesma impressão. Tem tudo para ser bom e não é. Arrastei até o final e descobri que perdi tempo.
ResponderExcluirSim, esse foi um dos poucos casos em que um livro da Coleção Saraiva me decepcionou. O desenvolvimento da trama é muito mal conduzido.
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