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O Monge
(1796), do inglês Matthew Gregory Lewis, é um dos romances mais bizarros que
tenho lido nos últimos tempos. Publicado nos fins do século XVIII, causou
grande alvoroço no público, não exatamente pelo estilo gótico já difundido na
época, mas pela ousadia do autor na forma como critica a igreja católica e
apresenta cenas que compreendem desde estupro a rituais demoníacos.
A princípio, supunha que teria alguma
dificuldade com o texto, tal como tive com Os
Mistérios de Udolpho, mas, felizmente, O
Monge é desprovido de todo aquele paisagismo obsessivo da Ann Radcliffe. O
livro não é isento de defeitos. O autor atém-se a inúmeros pormenores, sendo
muito minucioso e detalhista no ato de narrar, mas sua linguagem é fluida e
corrente, sem apresentar grandes obstáculos de compreensão. A escrita de Lewis
é quase sempre objetiva e direta, sem apresentar grandes preocupações com a
forma, de maneira que O Monge carece
de um texto mais bem trabalhado ou uma linguagem melhor lapidada.
Não me senti cativado pela escrita ou forma
textual dessa obra, mas pelos temas inusitados e artifícios folhetinescos,
porque, sim, O Monge tem todos os
ingredientes de um bom folhetim: paixões proibidas, mocinhas indefesas, vilões
desalmados, prisões, incêndios, raptos, fugas, envenenamentos e, é claro,
reviravoltas surpreendentes. Foi um prato cheio para mim, um amante do
folhetim, mas como nem tudo são rosas, O
Monge é um folhetim atípico, uma vez que não se destaca pela leveza, mas
sim pelo peso das cenas, pelo grotesco das situações, pelo horror dos crimes,
pela vilania e vícios de seus personagens.
O livro é mesmo uma crítica mordaz à igreja
católica. Que fique claro que o objetivo do autor não é criticar a religião,
mas aqueles que a compõem: desde as autoridades religiosas até os mais pequenos
devotos. Aliás, o começo do livro já traz uma crítica bem-humorada a estes
últimos, quando o narrador aponta os reais motivos dos fieis de lotarem a
igreja: “As mulheres vinham para se exibir, e os homens para vê-las; alguns
haviam sido atraídos pela curiosidade de ouvir um orador tão célebre; outros,
porque não tinham nada melhor para ocupar seu tempo [...]” (pág. 5).
Se por um lado, os devotos têm sua fé movida por
motivos fúteis, as autoridades religiosas são seres desprovidos de piedade,
implacáveis para com as falhas humanas, sedentos por ocasiões que lhe permitam
demonstrar todo o rigor de sua austeridade. Além do mais, são mentirosos,
hipócritas, enganadores, cruéis e falsos moralistas. Diante deste exame, é bem
compreensível o fato de que O Monge
foi bastante atacado pela censura, tendo sofrido várias modificações até
alcançar a forma que hoje conhecemos.
O romance se concentra em dois planos
narrativos: a história de Ambrósio e a história de Dom Ramón. A primeira acaba
sendo a principal, mas é bem verdade que o autor se ocupa de ambas quase por
igual. Eis outro detalhe que me incomodou: essa importância dada à história de
Ramón. Não que a mesma seja ruim, mas, por diversas vezes, o leitor se
impacienta para voltar ao plano principal, que é o de Ambrósio. É como se
fossem dois romances num só rsrsrs E, de fato, é isso mesmo. Vale lembrar que,
quando adaptado para o teatro, apenas a história de Ramón foi levada à cena. É
escusado dizer que, mesmo compreendendo planos narrativos diferentes, as duas
histórias têm pontos comuns personificados principalmente na figura de Lorenzo.
É tarefa difícil resumir tudo o que se passa n’O Monge; por isso, vou me limitar a
contar apenas o mote das duas histórias, uma vez que ainda tenho algumas
considerações a fazer.
Ambrósio é o monge superior do mosteiro dos
capuchinhos. É modelo de virtude e santidade para toda a Madri, sendo venerado
e festejado pelo público espanhol. Suas origens são um tanto obscuras, tendo
sido abandonado às portas do mosteiro quando era ainda um bebê. Tendo atingido
a idade exigida pela ordem, professou seus votos e tornou-se o monge mais
exemplar, privando-se inclusive de cruzar os limites da igreja, não saindo
jamais das dependências sagradas.
De antemão, o autor nos dá pistas do verdadeiro
caráter de Ambrósio. Percebemos que, mesmo cultuado por todos, ele já carrega
em si dois vícios: a vaidade e o orgulho. A postura austera tomada por Ambrósio
desde sempre não era movida por sentimentos desinteressados. O monge orgulhava-se
demasiadamente ao se sentir superior às outras pessoas: vãos pecadores
condenados a expiar seus erros. Os louvores consagrados aos seus sermões,
assistidos por multidões cada vez maiores, excitavam sua vaidade
descontroladamente. Ambrósio acreditava-se isento de vícios, mas era consciente
de que, para ele, era mais cômodo fugir ao pecado que enfrentá-lo e resistir à
tentação. Quem acenderá esses pensamentos nele é Agnes, personagem do outro
plano narrativo (já que chego lá!).
Agnes é freira do convento de Santa Clara. Após
confessar-se com Ambrósio, acaba deixando cair uma carta de Dom Ramón, seu
amante, que é logo entregue à abadessa. Ainda que Agnes tenha suplicado pela
compaixão do monge, o mesmo é implacável, não se compadecendo dela e da criança
que esperava. Esse momento é fulminante na obra. É quando Agnes amaldiçoa o
monge, asseverando-lhe de que ele também um dia suplicaria pelo perdão, e este
lhe seria negado. Ambrósio, de fato, fica profundamente abalado com tais
palavras, principalmente quando Rosário, seu noviço de confiança, revela-se uma
mulher tentadora: Matilda, identidade que é ocultada de todos os outros monges;
e quando vê-se tentado a possuir a bela Antonia, moça ingênua que aproximou-se
do monge para que ele pudesse interceder por sua mãe enferma. Ambrósio,
finalmente, passará por algo inédito em sua trajetória monástica: terá de
enfrentar/resistir o pecado. Conseguirá sair ileso?
Na narrativa paralela, temos Dom Ramón, um jovem
rico que, após concluir seus estudos, decide fazer viagens pelo mundo,
ocultando seus títulos de nobreza, a fim de obter experiência de forma
imparcial. Nesse itinerário, ela passará por maus bocados, dando ao livro um
caráter plenamente folhetinesco. As aventuras de Dom Ramón formam um episódio à
parte, com todos os seus bandidos, lutas sangrentas e almas do outro mundo.
Lewis aproveita dois mitos populares de seu tempo: o judeu errante e a freira
sangrenta, para tornar sua história ainda mais inusitada. Nesse cenário de
aventuras, Dom Ramón acaba salvando a baronesa de Lindenberg e travando, por
conseguinte, relações com sua família. É quando finalmente ele conhece a bela
Agnes, que estava sob a tutela dos tios, pois seus pais pretendiam torná-la
freira, para cumprirem uma promessa. Ramón decide fugir com Agnes, mas
encontrará muitos obstáculos, sendo o mais forte deles a resistência da
baronesa que desejava abandonar o marido para ficar com Ramón. Bem
rocambolesco, não? O caso é que, como já ficou evidente pelo que contei na
história de Ambrósio, Agnes torna-se freira do convento de Santa Clara, mas
Ramón não desistirá de resgatá-la da terrível abadessa que está preparando o
mais terrível dos castigos para punir a falta de Agnes descoberta por Ambrósio.
O Monge é um livro incrível, especialmente pela
quantidade estupenda de ingredientes concentrados. É uma obra completa que traz
um pouco de tudo. É como se o autor apostasse em vários artifícios para seduzir
o máximo de leitores. Contudo, isso mesmo foi o que deixou o livro um tanto
saturado de matéria. Quando você pensa já ter visto de tudo, o autor ainda
surpreende com as pavorosas cenas finais. Não lia cenas tão assustadoras desde O Exorcista, sendo que n’O Monge, o tratamento dado ao diabo é
ainda mais medonho, principalmente quando você percebe que ele também sempre
foi (não só no final, como parece) um personagem ativo na trama.
É preciso ter nervos para acompanhar as cenas de
terror, estômago para as cenas de horror, paciência para suportar as minúcias
da trama paralela, coração saudável para resistir a tanto sofrimento e um
autocontrole bastante eficiente para não desistir da leitura rsrsrs. Mas
acreditem: vale muito a pena! É uma experiência que vai te fazer pensar em mil
coisas, não exclusivamente humanas, mas sobrenaturais também. Assim, se você tiver
uma espiritualidade um tanto aflorada como eu, também não sairá ileso ao
terminar esse livro.
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
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muito bom teu texto, Daniel, tu possui esta obra em pdf?
ResponderExcluirObrigado :)
ExcluirInfelizmente não tenho em PDF.