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Não é segredo pra ninguém que sou um apreciador
de histórias românticas; preferencialmente se forem das boas. Por isso, gosto
de ocasionalmente pegar um desses romances róseos, que eram uma febre entre o
público feminino em meados do século passado. Como sabem, gosto de coisas
antigas, e isto vale até para passatempos rs.
Peguei Elisabete
dos Cabelos de Ouro (1866) achando que seria um seguro passatempo, mas não
foi bem assim rs. Trata-se de um romance alemão de Eugênia Marlitt (pseudônimo
de Friederieke Henriette Christiane Eugenie John), que foi uma precursora do
romance sentimental na Alemanha. Longe de ser um livro ruim, o que ocorre é que
não esperava uma leitura deste nível para meu fim de ano. Digamos que queria
algo bem século XIX e, embora Elisabete
tenha sido publicado nesse século, seu ritmo, como seu enredo, está mais para
século XVIII. Não tinha como não lembrar Os
Mistérios de Udolpho, da Ann Radcliffe: o ritmo da narrativa, as descrições
minuciosas, o maniqueísmo, dentre outros detalhes.
Em outro momento, tenho certeza que teria
prestado mais atenção à obra e, por conseguinte, gostado mais. Mas embora não
fosse exatamente o que eu esperava para a ocasião, penso que aproveitei
bastante da experiência e, sim, gostei do livro. Preferia ter lido a tradução
de Dyonélio Machado, de 1930, mas o preço desta minha edição (Saraiva, 1952, em
2 vols.) estava mais acessível. Mas vamos saber logo o que conta Elisabete dos Cabelos de Ouro.
A história começa na cidade de “B...”, na
Alemanha. Era típico da época não revelar os nomes de certos lugares. Esse
costume também veio para o Brasil. Lembremos do Macedinho e sua moreninha que
residia na “ilha de ...” rs. Elisabete Ferber é uma moça pobre, mas de um
talento musical inquestionável, que mora com os pais (Adolfo e Ana Maria) e um
irmão menor (Ernesto). Para ajudar o pai desempregado, ela consegue algum
dinheiro com suas aulas de piano, mas as condições de sua família parecem não
melhorar.
Um dia, a família Ferber recebe uma carta de
Carlos, o irmão mais velho de Adolfo, que é guarda florestal na Turíngia,
contando que conseguira para o irmão um emprego de escriturário do príncipe. A
ideia de Carlos é que o irmão se mude com a família imediatamente para a
Turíngia. Sabina, criada de Carlos, sugere que os Ferber assentem residência no
castelo de Gnadeck, abandonado há muitos anos desde que morrera o último membro
da ilustre família dos Gnadewitz. Esse castelo foi dado como herança à mãe de
Elisabete, que possuía um parentesco distante com os Gnadewitz. As notícias de
que a propriedade estava completamente em ruínas sempre desanimaram os Ferber,
mas, segundo Carlos, uma parte do castelo poderia ser aproveitada. Nada que um
reformazinha não melhore, certo?
Nessas circunstâncias, a família Ferber
despede-se das agitações da cidade de “B...” e segue para as montanhas
tranquilas e inspiradoras da Turíngia. Carlos, o tio de Elisabete, é uma
simpatia. Viúvo e sem filhos, ele vive na companhia de Sabina, sua criada, e
Berta, uma parenta distante de sua falecida esposa, que ficara sozinha no mundo
após a morte dos pais. Berta é a única que parece não estar feliz com a chegada
da família Ferber; ela demonstra uma grande aversão sobretudo para com
Elisabete, que não compreende a atitude de Berta. Além de um comportamento arredio,
Berta preserva o mais absoluto mutismo, desde que travara relações com os
moradores de Lindhof.
Lindhof é uma rica propriedade de Rodolfo de
Walde, um típico moço velho que é apaixonado por antiguidades e que, por isso,
vive viajando por todo o mundo. Por conta de suas constantes viagens, Rodolfo
concede a sua prima Amélia, baronesa de Lessen, o controle de Lindhof, como
também a missão de cuidar de Helena, sua irmã coxa (Helena é a única irmã de
Rodolfo e é mais jovem que ele). A baronesa de Lessen (como é constantemente
chamada no livro) aproveita sua condição de senhora da casa para mandar e
desmandar. Ela possui dois filhos: Hollfeld, fruto do seu primeiro casamento,
rapaz rico e ambicioso, dono da propriedade de Odenberg; e a pequena Bela, menina
malcriada e impertinente.
A baronesa de Lessen, adepta do pietismo, impõe
a todos o seguimento de sua fé. Carlos Ferber acredita que tenha sido o
fanatismo da baronesa que tenha desorientado Berta, e que o mutismo da moça
seja uma espécie de penitência. Devo confessar que essa Berta foi uma das
personagens que mais me intrigou enquanto lia o livro; ficava muito curioso
para entender seu estranho comportamento. Impedida por Carlos de voltar a
Lindhof, Berta passa a ir lá às escondidas, além de fazer uns passeios noturnos
pela floresta, depois que todos adormecem.
O talento musical de Elisabete torna-se
conhecido em Lindhof e a baronesa de Lessen convida a jovem musicista para dar
aulas a Helena, a fim de distraí-la um pouco das privações impostas por sua doença.
Elisabete aceita com prazer, mas é logo advertida pelo tio para que tenha
cuidado e não se deixe influenciar tal como Berta. Elisabete logo percebe o
perfil de mulher que tem a baronesa de Lessen: uma pessoa que faz distinção de
classes sociais, egoísta ao extremo e despótica ao mesmo tempo.
Eugênia Marlitt mostra claramente nesse livro o
confronto de duas classes: os aristocratas e os burgueses. A baronesa de
Lessen, por exemplo, fina aristocrata, não poderia tratar Elisabete (filha de
um burguês) com o decoro destinado às pessoas de sua classe. Helena, mesmo
possuindo nobres sentimentos, acaba deixando se influenciar pela prima, pois
ama silenciosamente Hollfeld, o primogênito da baronesa. Este último é um ser
desprezível que em tudo se parece com a mãe; demonstra corresponder aos
sentimentos de Helena, desejoso de ser herdeiro da jovem coxa (que não poderia
viver muito). Quando Elisabete o vê, pela primeira vez, imediatamente pressente
suas más intenções. Enamorado da musicista, Hollfeld discretamente começa a
cortejá-la, ainda que Elisabete persista em afastar-se dele. Esse conquistador
barato decide acompanhar o desempenho de sua querida Helena em suas aulas de
piano; e embora esta pense que seja para vê-la, nem preciso dizer de quem o
senhor Hollfeld realmente deseja se aproximar, né?
Nessas circunstâncias, Rodolfo de Walde chega
inesperadamente de suas viagens pelo mundo. Soubera por fontes seguras do
comportamento de sua prima com relação aos empregados de Lindhof e sobre seu
fanatismo religioso. A intenção de Rodolfo não era assumir definitivamente o
controle de Lindhof, mas colocar tudo em ordem, para voltar às suas viagens
pelo globo. Elisabete fica encantada com a austeridade de caráter daquele homem
nobre e justo, mas seu tratamento em relação a ela é de uma severidade
injustificável. A musicista atribui a aspereza de Rodolfo à sua condição
social. Mas a verdade é que ele tem outro motivo, que eu não vou contar, claro
rs!
E aqui devo destacar que os sentimentos (tanto
de Rodolfo, como de Elisabete) são tratados com muita discrição pela autora. Em
determinado momento do romance, me ficou bastante claro que toda essa história
tinha mais o interesse de moralizar que de entreter. Devemos lembrar que Elisabete dos Cabelos de Ouro foi
escrito especialmente para moças do século XIX, que sendo um público muito
especial, só podiam ler livros de instrução moral, que as conscientizassem de
seus inevitáveis papéis de boas mães e esposas. Contudo, percebi que a autora
deixa muita coisa nas entrelinhas. Quando se descobre, por exemplo, a razão do
mutismo de Berta, uma mente menos ingênua poderá levantar possibilidades
bastante indecorosas, que jamais uma moça de família poderia supor rsrsrs.
Sempre que retomava a leitura, percebia com
encanto que a autora usou de vários artifícios para seduzir o leitor, de forma
que sempre gostava do que lia (salvo algumas passagens com descrições muito
minuciosas, mas que atendiam ao gosto do público da época). No entanto, o meu
gostar pelo texto de Eugênia Marlitt não conseguia ultrapassar certo limite.
Por mais que o livro fosse bom, ele não ia além disso. No meu estrelômetro
rsrsrs, a trama persistia em alcançar as 4 estrelas e, muitas vezes, achava que
ia conseguir, mas não foi assim rs.
No mais, a leitura deste livro foi totalmente
válida, seja pelos valores morais apregoados por ele; seja por sua aversão aos
preconceitos da época; e, não menos importante, seja pelo fino humor da autora,
que é de uma elegância primorosa, que não arranca gargalhadas, certo, mas que nos
dá um ar de riso que delicia e anima o espírito de quem o lê.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
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Li dessa autora "O segredo da solteirona". O título tem até sua razão de ser, mas não capta o núcleo da história, que mais parece ter saído da pena de M.Delly. Um conto de fadas.
ResponderExcluirQue bacana! Tenho um livro de M. Delly por aqui também: "Entre Duas Almas". Espero gostar :)
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