Não
entendo muito de Matemática e, pra falar a verdade, nunca fui grande
simpatizante dela. Contudo, há bastante tempo, vêm me recomendando este livro
de Malba Tahan: O Homem que Calculava
(1938). Já ouvi maravilhas dele, especialmente dos colegas matemáticos. Como já
o tinha na minha Coleção Saraiva (que
merece um post especial, como o que
fiz à minha coleção Os Clássicos da ABC Editora), não me custou muito realizar a leitura que finalmente fiz. E sim!
Tenho que concordar com meus colegas. Esse livro é mesmo genial!
Antes
de mais nada, é necessário esclarecer, para quem não o saiba, que Malba Tahan é
um heterônimo do carioca Júlio César de Melo e Sousa (1895-1974). Júlio chegou
a escrever uma biografia de seu heterônimo e, por muito tempo, as pessoas
acreditaram que Malba Tahan realmente fosse um velho árabe contador de lendas
orientais. Interessante que após ter-se revelado, Júlio ganhou do presidente
Vargas a inserção do nome Malba Tahan em seu registro de identificação. Embora
tenha assinado várias obras como Malba Tahan, O Homem que Calculava foi a única que ficou “a salvo das
vassouradas do Tempo”, conforme previra Monteiro Lobato.
O Homem que Calculava traz à tona a eterna
discussão dos gêneros. Será romance, novela ou uma simples reunião de estórias?
Se optarmos pela linha de pesquisa de Massaud Moisés, entenderemos O Homem que Calculava como novela, por
apresentar uma sequência de narrativas interligadas por um grupo de
personagens. Mas a verdade é que o conceito mais difundido e que, portanto,
acaba sendo o mais aceito, é o de que “novela” constitui um intermédio entre o
“conto” e o “romance”. Baseando-me então pela maioria, vou chamar O Homem que Calculava de romance, ok?
Por
sua vez, o romance tem lá suas classificações. O Homem que Calculava certamente é um romance didático,
principalmente por ser uma obra que objetiva mais instruir que provocar
sensações puramente artísticas. Essa instrução, nem preciso dizer, é referente
à Matemática. Malba Tahan explora a história, as ramificações, os grandes
matemáticos da história e até a filosofia dessa ciência. Claro, ele não poderia
ficar apenas na teoria; por isso, realiza a prática através de vários problemas
numéricos, muitos deles de puro raciocínio lógico. O livro é repleto de
curiosidades sobre números e lendas que envolvem a Matemática, como a origem do
jogo de xadrez. Mesmo sendo um livro de pouco mais de 200 páginas, contempla
grande porção de ensinamentos, explorando o conhecimento de uma forma bastante
dinâmica e divertida.
Você
deve estar se perguntando se esse negócio tem enredo ou se é só um livro de
Matemática. Sim, tem; mas posso asseverar que o enredo aqui está em segundo
plano, até porque, como já disse, o objetivo maior é transmitir noções
matemáticas. Desafio qualquer leitor a descascar O Homem que Calculava de todas as suas lendas e problemas
numéricos, para identificar o que sobra. Certamente, sobra um enredo
fraquíssimo. Sem tirar o mérito do livro, penso que se Malba Tahan tivesse
equiparado o plano literário ao didático, sua obra seria muito melhor. Em
outras palavras, julgaria mais acertado que a Didática fosse o artifício, e não
a Literatura.
O
romance é narrado por Hank-Tade-Maiá,
que seguindo tranquilamente em seu camelo no caminho de Bagdá, encontra um
homem estranho sentado numa pedra, como que em meditação, pronunciando números
gigantescos. Esse estranho é Beremís Samir, o homem que calculava. Hank (vou
chamá-lo assim) fica impressionado com a incrível capacidade de Beremís em
contar desde folhas de árvores à quantidade exata de letras pronunciadas num
discurso. Por isso, Hank convence Beremís a acompanhá-lo a Bagdá, onde o
engenho do calculista, além de ser justamente aproveitado, poderá render-lhe
muitos benefícios profissionais.
Beremís,
de fato, com sua capacidade inacreditável de calcular, pouco a pouco, vai
realizando grandes conquistas ao longo de todo o livro. Sua agradável maneira
de contar estórias e lendas relacionadas à história da Matemática conquista
muitos amigos e inimigos também. Não vou contar aqui as estórias, que são
muitas, mas posso assegurar que são deliciosamente narradas. A força do livro
está justamente nessa aura lendária que, mesmo não passando de artifício para a
instrução, não deixa de ser encantadora. Outro ponto forte está na instrução
moral que também é apregoada ao longo do livro, visivelmente influenciada pela
doutrina cristã, ainda que com essa enganosa capa islâmica. Assim, confesso que
me diverti pra caramba com O Homem que
Calculava, que me foi sobretudo útil no conhecimento da Matemática.
Consegui até resolver alguns problemas antes de ler a resolução do Beremís,
como aquele que envolve um hospedeiro e um joalheiro. Sei que pra quem entende
de cálculo é uma bobagem, mas para mim, foi a glória! rsrsrsrs.
O
curioso é que cotejei minha edição (Saraiva, 1949) com uma daquelas mais
atuais, da editora Record, e percebi que há muitas diferenças. O pior é que não
encontrei nenhuma explicação quanto aos acréscimos e omissões das novas
edições. Fiquei na dúvida se as alterações foram feitas pelo próprio autor,
porque a edição não traz nenhuma nota explicativa a esse respeito. Quem souber
de alguma coisa, por favor, me ajude a resolver esse mistério rsrsrsrs. O pior
é que as diferenças, embora não alterem basicamente o conteúdo principal, são
muitas e perceptíveis ao longo de todo o livro. O que mais me impressionou é
que foi excluído o capítulo em que Beremís explica a relação entre o número 40
e a lenda de Ali Babá e os Quarenta
Ladrões, de maneira que a edição da Record tem 34 capítulos, ao invés de 35
(conforme a que li). Os títulos dos capítulos, em muitos casos, também aparecem
com algumas diferenças. Enfim, não cotejei todas as divergências, até porque
precisaria ler o texto integral dessa outra edição e, sinceramente, não estou
interessado. Também não vou afirmar que a edição da Record é infiel ou adulterada, mas ainda prefiro a minha, uma
vez que foi publicada em vida do autor.
Fica
a dica de um livro fantástico, obrigatório para quem gosta de Matemática,
divertido ainda para quem não gosta, e que, mesmo sendo mais didático que
literário, vale sim muito a pena ler!
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
***
Instagram: @autordanielcoutinho
SKOOB: http://www.skoob.com.br/usuario/1348798 Escreva para o blog: autordanielcoutinho@gmail.com
Bem bacana, vou ler ele em breve, vlw pela indicação.
ResponderExcluir