sexta-feira, 1 de abril de 2016

O que Tinha de Ser..., de Mário de Alencar - RESENHA #8


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Já falei por aqui do amor que dedico à obra de Alencar. Talvez até, um dia, faça uma postagem em seu louvor. O que não conhecia ainda era a obra do filho dele, o Mário, que escreveu pouco e não teve grande repercussão. Minha curiosidade era se o filho teria herdado alguma porção do talento de seu magnífico pai, mesmo suspeitando que não, considerando o descaso atual para com sua pequena obra.

O nome Mário de Alencar hoje não passa de uma vã referência, seja por ter sido filho do autor de Iracema, ou por ter pertencido à ABL. De sua obra, nada ouço falar, nem de bem, nem de mal. Não sou, contudo, desses que acham que um autor, por não ser mais editado, é sempre ruim. Por isso, finalmente, decidi ler Mário de Alencar, e, é claro, não poderia deixar de começar pelo romance O que Tinha de Ser..., único que ele publicou.

O que Tinha de Ser... é um pequeno romance publicado pela primeira vez em 1912, o ano em que o Titanic afundou... rsrsrs Por coincidência ou não, o romance de Mário é bastante trágico e chocante. De antemão, confesso que essa leitura foi uma grande surpresa, embora minhas expectativas já fossem positivas; mas o interesse despertado pelo enredo excedeu o que eu supunha, e essa já é, sem sombra de dúvidas, uma das melhores leituras do ano.

Despretensiosamente, o autor nos apresenta o protagonista Luiz Nunes que, viúvo há dois anos, vive na companhia de sua filha Clotilde (de 12 anos) e da velha criada Joana, muito estimada por ter sido ama de leite da finada esposa. É Joana quem sempre lembra Luiz de seu costumeiro ritual das quintas-feiras: visitar o túmulo da falecida. Nessas idas ao cemitério, ele conhece Carlota, uma viúva que tinha dois filhos pequenos: João (de 11 anos) e Emília (de 8 anos). Luiz tenta evitar encontrar-se com Carlota, mas sente-se atraído por ela. A união dos dois acaba sendo inevitável e eles vão morar numa nova casa com as três crianças e a criada Joana.

Essa Joana que, a princípio, parece ser uma personagem sem grande importância, é na verdade a peça principal de condução do enredo. Trata-se de uma velha octogenária que comanda o resto da criadagem; é bastante estimada por Luiz Nunes e sua filha; é parte da família mesmo. Essa Joana me lembrou bastante outra Joana: a do drama Mãe, do Alencar pai. Não estou afirmando, mas Mário pode ter se inspirado nela.

O conflito tem início a partir da má vontade de Carlota para com aquela que era verdadeiro símbolo de sua antecessora. Joana, por sua parte, não encara com bons olhos o novo matrimônio de seu senhor, mas respeita a nova senhora, movida pelo grande instinto de dedicação que sempre teve para com aquela família. A grande proximidade entre a criada e Clotilde é outro fator que irrita Carlota. Isso faz com que ela despreze a filha de Luiz, sendo que esse sentimento se consolida após uma briga entre Clotilde e João. Essa simples briga de crianças acaba gerando um clima que atinge a harmonia daquele lar. Joana então começa a perceber a diferença que Carlota faz entre seus filhos e a filha de Luiz Nunes, sobretudo na forma abusiva com que a trata: pretextando a necessidade de Clotilde ter aulas particulares com ela, apenas para maltratá-la.

Mesmo sendo Clotilde um amor de menina, sua tolerância para com a madrasta chega ao limite, o que provoca uma cena bastante dramática entre as duas. O episódio resulta no desejo de Carlota em internar Clotilde numa escola para meninas; os argumentos utilizados convencem o desveloso pai, atitude esta que revolta profundamente Joana, que teme pela saúde de sua nhanhã estando longe de seus cuidados. O papel que essa velha criada desempenhará a partir de então é imprevisível. Portanto, acho melhor parar por aqui para não decepcionar a leitura de ninguém.

Nem preciso dizer o quanto gostei desse livro, não é? É mais um daqueles que não entendo acharem-se esquecidos, tal como Oscar e Amanda e Saint-Clair das Ilhas (já resenhados por aqui). Reconheci em Mário o talento de seu pai, não em sua totalidade, claro!, muito menos de forma idêntica. O que Mário herdou de seu pai é esse colorido das cenas, a viveza dos personagens, a fineza do estilo, que é, contudo, diferente por ser mais direto, sem aqueles rodeios e descrições como as de O Sertanejo. O texto de Mário proporciona uma leitura bastante fluida, agradável e tão instigante, que não podia largar o livro enquanto não o terminasse.

O que Tinha de Ser... é um livro simples, com uns toques de Cinderela e de tragédia shakespeariana. Alguém pode até achar impossível essa minha analogia, mas a verdade é que essa obra é bem mais sutil do que se imagina, e seu ponto mais forte está na surpresa que o autor te dá nos capítulos finais. Vamos torcer pra alguma editora relançá-lo o quanto antes! E não... Não pretendo ler agora outros títulos do Mário, até porque quero poupá-lo, uma vez que ele não foi tão prolífero quanto seu pai. Será que terei ainda boas surpresas dele?

Avaliação: ★★★★★

Daniel Coutinho

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