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Já falei por aqui do amor que dedico à obra de Alencar. Talvez até, um dia, faça uma postagem em seu louvor. O que não conhecia ainda era a obra do filho dele, o Mário, que escreveu pouco e não teve grande repercussão. Minha curiosidade era se o filho teria herdado alguma porção do talento de seu magnífico pai, mesmo suspeitando que não, considerando o descaso atual para com sua pequena obra.
O
nome Mário de Alencar hoje não passa de uma vã referência, seja por ter sido
filho do autor de Iracema, ou por ter
pertencido à ABL. De sua obra, nada ouço falar, nem de bem, nem de mal. Não
sou, contudo, desses que acham que um autor, por não ser mais editado, é sempre
ruim. Por isso, finalmente, decidi ler Mário de Alencar, e, é claro, não
poderia deixar de começar pelo romance O
que Tinha de Ser..., único que ele publicou.
O que Tinha de Ser... é um pequeno romance
publicado pela primeira vez em 1912, o ano em que o Titanic afundou... rsrsrs
Por coincidência ou não, o romance de Mário é bastante trágico e chocante. De
antemão, confesso que essa leitura foi uma grande surpresa, embora minhas
expectativas já fossem positivas; mas o interesse despertado pelo enredo
excedeu o que eu supunha, e essa já é, sem sombra de dúvidas, uma das melhores
leituras do ano.
Despretensiosamente,
o autor nos apresenta o protagonista Luiz Nunes que, viúvo há dois anos, vive
na companhia de sua filha Clotilde (de 12 anos) e da velha criada Joana, muito
estimada por ter sido ama de leite da finada esposa. É Joana quem sempre lembra
Luiz de seu costumeiro ritual das quintas-feiras: visitar o túmulo da falecida.
Nessas idas ao cemitério, ele conhece Carlota, uma viúva que tinha dois filhos
pequenos: João (de 11 anos) e Emília (de 8 anos). Luiz tenta evitar
encontrar-se com Carlota, mas sente-se atraído por ela. A união dos dois acaba
sendo inevitável e eles vão morar numa nova casa com as três crianças e a
criada Joana.
Essa
Joana que, a princípio, parece ser uma personagem sem grande importância, é na
verdade a peça principal de condução do enredo. Trata-se de uma velha
octogenária que comanda o resto da criadagem; é bastante estimada por Luiz
Nunes e sua filha; é parte da família mesmo. Essa Joana me lembrou bastante
outra Joana: a do drama Mãe, do
Alencar pai. Não estou afirmando, mas Mário pode ter se inspirado nela.
O
conflito tem início a partir da má vontade de Carlota para com aquela que era
verdadeiro símbolo de sua antecessora. Joana, por sua parte, não encara com
bons olhos o novo matrimônio de seu senhor, mas respeita a nova senhora, movida
pelo grande instinto de dedicação que sempre teve para com aquela família. A
grande proximidade entre a criada e Clotilde é outro fator que irrita Carlota.
Isso faz com que ela despreze a filha de Luiz, sendo que esse sentimento se
consolida após uma briga entre Clotilde e João. Essa simples briga de crianças
acaba gerando um clima que atinge a harmonia daquele lar. Joana então começa a
perceber a diferença que Carlota faz entre seus
filhos e a filha de Luiz Nunes, sobretudo na forma abusiva com que a trata:
pretextando a necessidade de Clotilde ter aulas particulares com ela, apenas
para maltratá-la.
Mesmo
sendo Clotilde um amor de menina, sua tolerância para com a madrasta chega ao
limite, o que provoca uma cena bastante dramática entre as duas. O episódio
resulta no desejo de Carlota em internar Clotilde numa escola para meninas; os
argumentos utilizados convencem o desveloso pai, atitude esta que revolta
profundamente Joana, que teme pela saúde de sua nhanhã estando longe de seus
cuidados. O papel que essa velha criada desempenhará a partir de então é
imprevisível. Portanto, acho melhor parar por aqui para não decepcionar a
leitura de ninguém.
Nem
preciso dizer o quanto gostei desse livro, não é? É mais um daqueles que não
entendo acharem-se esquecidos, tal como Oscar
e Amanda e Saint-Clair das Ilhas (já
resenhados por aqui). Reconheci em Mário o talento de seu pai, não em sua
totalidade, claro!, muito menos de forma idêntica. O que Mário herdou de seu
pai é esse colorido das cenas, a viveza dos personagens, a fineza do estilo,
que é, contudo, diferente por ser mais direto, sem aqueles rodeios e descrições
como as de O Sertanejo. O texto de
Mário proporciona uma leitura bastante fluida, agradável e tão instigante, que
não podia largar o livro enquanto não o terminasse.
O que Tinha de Ser... é um livro simples, com
uns toques de Cinderela e de tragédia shakespeariana. Alguém pode até achar
impossível essa minha analogia, mas a verdade é que essa obra é bem mais sutil
do que se imagina, e seu ponto mais forte está na surpresa que o autor te dá
nos capítulos finais. Vamos torcer pra alguma editora relançá-lo o quanto
antes! E não... Não pretendo ler agora outros títulos do Mário, até porque
quero poupá-lo, uma vez que ele não foi tão prolífero quanto seu pai. Será que
terei ainda boas surpresas dele?
Avaliação: ★★★★★
Daniel Coutinho
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