Victor
Hénaux é uma verdadeira incógnita e o seria ainda mais se Machado de Assis não
tivesse traduzido seu polêmico ensaio satírico De l'amour des femmes pour les sots, tradução esta publicada pela
primeira vez no periódico A Marmota,
em 1861, sob o título Queda que as
mulheres têm para os tolos, sem nenhuma indicação de autor. No mesmo ano,
Paula Brito, o responsável pela folha já citada, faz imprimir em opúsculo o tal
ensaio, indicando Machado de Assis como tradutor.
Imaginou-se
a partir daí que o livrinho era original do jovem Machado que estreava na
Literatura com aquele texto. O certo é que ele passou por autor desse livreto
por muito tempo, o que nos leva a crer que preferiu não revelar o nome do
verdadeiro autor, o belga Victor Hénaux. A obra chegou a ser considerada a
estreia de Machado como dramaturgo; eis o que não entendi, porque Queda... não traz a forma característica
de um texto teatral. A verdade é que seu conteúdo “apenas inspirou” a peça Desencantos, e há quem diga que Ressurreição e até mesmo Dom Casmurro receberam também alguma
influência da obra de Hénaux. Apenas em 1969, o crítico Jean-Michel Massa, em
sua tese de doutorado, confirmaria o fato do texto de Machado em Queda... não ser original e sim
tradução. Todas essas informações estão minuciosamente esclarecidas na edição
bilíngue da obra, lançada em 2008 pela UNICAMP, tendo como organizadoras Ana
Cláudia Suriani e Eliana Fernanda Cunha Ferreira.
A
referida edição traz introdução crítico-filológica das organizadoras que se
propõem a “provar” a autoria do ensaio. Para tanto, elas cotejaram duas edições
do original de Victor Hénaux e pelo menos três edições da tradução de Machado.
É apresentada uma comparação entre as edições consultadas e muitas variantes
são percebidas; daí, as organizadoras especificam os cuidados tomados para o
estabelecimento do texto, como a decisão de incluir as variantes nas notas de
rodapé. O texto delas é bastante técnico, o que desagrada um pouco a leitura,
mas deve-se levar em conta que o mesmo constitui um trabalho acadêmico. Isso
nos leva a perceber/lembrar que há uma diferença entre o escritor e o redator;
o primeiro escreve com seu próprio estilo, despreocupado com exigências
acadêmicas; o outro carece do estilo do primeiro, o que não influi em nada, uma
vez que seu propósito é meramente científico. Preferia uma introdução de um
escritor e não de um acadêmico, pois me interessaria mais pela análise ou ponto
de vista sobre a obra em questão, que pela informação irrelevante de que o exemplar-base
foi encadernado em capa dura vermelha com outras duas obras de diferentes
autores.
Mas
passemos logo à obra de Hénaux que, como disse, é breve. Dividido em 13
capítulos, o ensaio em questão foi e não deixa de ser polêmico, uma vez que não
deixa de ser atual. O autor nos apresenta duas classes de homens: os tolos e os
de espírito, para fazer uso dos seus próprios termos. Quanto às mulheres, sejam
tolas ou sábias, afirma serem inclinadas por um instinto natural aos homens
tolos. É importante, contudo, advertir que o propósito do ensaio é mais
investigar o gênio das duas classes de homens identificadas, que desmerecer a
desculpável condição feminina.
No
entanto, é meio difícil saber quando o autor está ou não sendo irônico, ou se
ele de fato defende os tolos ou os homens de espírito, quando alega escrever
com imparcialidade. Logo na Advertência do opúsculo, ele nos diz: “Quanto à
imparcialidade que presidiu a redação deste trabalho, creio que ninguém a porá
em dúvida./Exalto os tolos sem rancor, e se critico os homens de espírito, é
com um desinteresse, cuja extensão facilmente se compreenderá.” (Queda..., pág. 43).
Portanto,
vou partir de hipóteses particulares, provenientes do que pude absorver da
leitura, que mesmo sendo simples, é capaz de provocar múltiplos
questionamentos. Parto da ideia de que Hénaux é dos homens de espírito que,
desiludido com a vulgaridade feminina, defende a preferência das mulheres pelo
homem tolo ou vulgar, dada a parecença do mesmo com o gênio feminino.
Segundo
o autor, os homens de espírito encaram o amor como um sentimento verdadeiro que
deve ser zelado e respeitado, por isso veem as mulheres como seres altivos
(ainda que não o sejam), que devem ser atendidos e agradados com frequência;
tudo isso com um sentimento superior, poético e capaz de identificar os mínimos
detalhes das coisas.
Por
outro lado, os tolos são seres felizes, pois acreditam cegamente nas suas
qualidades (ainda que não as tenham). Eles já nascem tolos, mas a toleima
natural é capaz de fortificar-se conforme vai sendo utilizada. O amor do tolo é
um sentimento vulgar e inconstante, que vai sendo alimentado a partir de
técnicas prontas, como modelos de cartas para todos os graus de paixão,
provocações propositais, indiferenças e até mesmo alguma dose de desprezo, além
do diálogo tagarela que agrada e contenta as damas.
Nestas
condições, os homens de espírito são repudiados, enquanto os tolos, desejados
pelas mulheres que não lhes resistem. O autor ainda defende-se de antemão para
o caso de alguém acusá-lo de ofender o sexo feminino. Ele alega que as mulheres
não são senhoras de sua natureza e que agem impulsionadas por instintos
incontroláveis, sendo desculpadas por serem belas, apetitosas e cegas. Alega
ainda que as senhoras são atraídas por homens elogiados, bem vestidos e
homenageados.
Não
digo que não ri lendo esse livro. A perspicácia do autor, contudo, chega a ser
irritante. Isso porque ele generaliza o sexo feminino mediante suas teorias, o
que é bastante injusto, ainda para o século XIX. (Que desilusão terá sofrido
esse Hénaux, hem?) O pensamento de Hénaux se encaixa perfeitamente em mulheres
até dos dias atuais (e que quantidade de mulheres!), mas sou daqueles que ainda
acredita na existência de mulheres desprovidas de vulgaridade, mulheres de espírito,
mulheres que não têm queda pelos
tolos.
Avaliação: ★★
Daniel Coutinho
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Tenho que apresentar um trabalho sobre o livro, tem algum vide-o ou algum do tipo pra mim ajudar?
ResponderExcluirOlá, Alexandre
ExcluirQue bom que gostou! Na internet não há muito conteúdo a respeito dessa obra. Mas se precisa mesmo fazer um trabalho, o ideal é que leia o livro, que é bem curtinho por sinal. Essa edição que li, da UNICAMP, é uma das melhores, não só por ser bilíngue, mas por conter bons textos de apoio das pesquisadoras que organizaram a edição. Boa sorte no trabalho!