sábado, 9 de abril de 2022

O Moinho Silencioso (Die Geschichte der Stillen Mühle), de Hermann Sudermann - RESENHA #179

A Coleção Saraiva já me apresentou um bom número de escritores, brasileiros e estrangeiros, que eu desconhecia e que são simplesmente fabulosos. O alemão Hermann Sudermann (1857-1928) acaba de entrar para o rol desses grandes prosadores, verdadeiros achados que precisam ser mais conhecidos pelos leitores de hoje.

O Moinho Silencioso é uma belíssima novela, publicada com outra, intitulada O Desejo, num único volume em 1888. Não entendo por que os editores da Saraiva descartaram a segunda novela do livro. É possível que tenha sido por redução de gastos. O caso é que fiquei bastante curioso para ler outras obras de Hermann Sudermann, mas infelizmente não pude encontrar mais nada dele em português.

O autor de O Moinho Silencioso, embora com seu toque realista, é notadamente mais influenciado pela escola romântica. Embora sua escrita em nada se assemelhe, o teor de sua narrativa lembrou-me as novelas passionais de Camilo Castelo Branco. Há um sentimentalismo impetuoso nas páginas d’O Moinho, que exalam paixões arrebatadas e irreprimíveis.

Tal abordagem pode até desinteressar leitores menos afeitos aos novelões sentimentais, mas eu já os previno de que Hermann Sudermann possui um diferencial. A princípio, gostaria de destacar a tradução da talentosíssima Nair Lacerda, que conseguiu exprimir em português o magnetismo hipnotizante do original. E não pensem que exagero ao me expressar assim.

A novela de Sudermann é de uma plasticidade encantadora de que poucos escritores são dotados. O texto é um adorno vivo, que vai se moldando e se embelezando diante dos olhos do leitor, de modo que O Moinho Silencioso vale muito mais pela escrita que pelo enredo. O narrador de Sudermann é como uma voz suave e incansável de ouvir, obrigando-nos a uma leitura pausada e oral. Sem exageros, o livro consegue ser belo da primeira à última linha.

O enredo é basicamente sobre dois irmãos, herdeiros de um moinho. Martin, o mais velho, após provocar involuntariamente a morte de outro irmão, Fritz, dedica-se calorosamente a João, o caçula da família. Após a morte dos pais, os dois passam a viver mais unidos do que nunca, estabelecendo a promessa de que não permitiriam que uma terceira pessoa os separasse.

Ao atingir a maioridade, porém, João é convocado para o serviço militar. A solidão torna-se insuportável para Martin, que acaba se casando com Gertrudes que, por sua vez, encontra no casamento a possibilidade de auxiliar seu pai e seus irmãos menores.

Gertrudes é uma mulher ainda muito jovem e que não pôde libertar-se inteiramente das fantasias da infância. De temperamento alegre e romântico, ela em nada se parece com o sério e grave Martin, que a trata mais como irmã que como esposa. No entanto, o retorno de João, já livre das milícias, vem suprir a carência de Gertrudes por compartilhar seus jogos com um companheiro de diversões.

Martin não vê mais que inocência na amizade entre os dois jovens, que o tratam sempre com muito respeito, atendendo ainda à exigência de não penetrarem no quarto secreto que Martin conserva vedado a todos os olhares. Mas Gertrudes e João, pouco a pouco, vão ficando mais íntimos, estreitando os laços afetivos que os unem, descobrindo sentimentos que ambos desconheciam e que os assustam em virtude das circunstâncias.

A delicadeza desse enredo, repleto de sentimentalismo, aliada a uma escrita cuidadosa, artística e poética, torna a experiência de leitura no mínimo impressionante. A parte final da novela é que peca por suas tintas mais fortes; é quando nos deparamos com o exagero típico dos românticos e com cenas evidentemente teatrais e menos convincentes.

Não entendo como o público brasileiro tenha ignorado um prosador do quilate de Hermann Sudermann. Concluí a leitura d’O Moinho Silencioso ainda sedento de sua escrita sedutora e reconfortante. Chegando à última página, à última frase, a sensação final é de contentamento por poder apreciar uma autêntica obra de arte.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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