terça-feira, 16 de novembro de 2021

A Família Medeiros, de Júlia Lopes de Almeida - RESENHA #169

D. Júlia segue me surpreendendo e me tornando cativo de sua literatura tão humana e vivaz. Cada livro seu tem uma coloração diferente que revela a versatilidade da autora de A Falência, tamanha é a destreza com que a autora passeia pelos estilos e modelos literários. Ao que parece, a escritora encarava cada uma de suas obras como um projeto único, livre de tendências previsíveis e esquemas reaproveitados.

A Família Medeiros (1891), conquanto não seja sua primeira publicação, foi o primeiro romance que ela escreveu, antes mesmo do já resenhado Memórias de Marta, o que explica o refinamento e a segurança artística que a prosadora já demonstrava nesta obra. Quanto à primeira composição romanesca, objeto desta resenha, embora fulgure ao lado de outros sucessos de D. Júlia, é perceptivelmente mais simplório em relação ao acabamento do texto. Ali nascia a romancista que, embora ainda não andasse firmemente como nas Memórias de Marta, afoitava-se em saltos e arrancos surpreendentes.

Escrito no limite entre o Romantismo e o Realismo, A Família Medeiros pode ser considerado um romance de transição. De fato, as duas escolas aparecem no livro como que irmanadas, sem que isto prejudique o resultado final. Estruturada em capítulos breves, a narrativa segue seu curso num ritmo poucas vezes modificado.

Como romance abolicionista, o efeito acabou sendo comprometido pela demora na publicação, que ocorreria anos depois da libertação dos escravos, prejuízo que se torna irrelevante em nossos dias. A par deste, muitos outros temas são tratados, confirmando a preocupação da autora para com os menos favorecidos, já constatada em leituras anteriores. Na mistura, claro, não poderia faltar uma história de amor para conferir leveza ao conjunto da obra.

A trama é basicamente sobre uma intriga familiar. O comendador Medeiros, após a morte de seu irmão Gabriel (com quem tinha desentendimentos), vê-se obrigado a aceitar em sua casa a sobrinha Eva. Diferente de suas primas, Eva é uma garota instruída e de ideias avançadas. Defensora da causa abolicionista, a sobrinha do comendador alimenta reservas no tio, que antipatiza sua postura crítica perante a administração em Santa Genoveva.

A chegada de Otávio, filho do comendador, que se formara engenheiro na Alemanha, torna tudo mais interessante. Não escapara ao moço as qualidades superiores da prima, como também a ojeriza do pai em relação a ela. Há contudo uma razão poderosa para que Medeiros seja tolerante com a sobrinha, já que Eva guarda consigo papéis que o comprometem seriamente. Caberá a Otávio elucidar o segredo daquele interessante conflito.

Aqui, mais uma vez, como nos demais romances já lidos, a matéria é vastíssima. D. Júlia lança sua ótica sobre os mais diversos temas; além da questão abolicionista, temos: a condição da mulher no final do século XIX, o casamento como transação mercantil, a má administração nas propriedades rurais, o trabalho assalariado (principalmente por imigrantes), a reclusão dos morféticos, dentre outros.

Encerro compartilhando a alegria que sinto por ver a obra de Júlia Lopes de Almeida finalmente recebendo a atenção que lhe é devida. O resgate de sua ficção tem sido notório nos últimos anos e muitos de seus livros finalmente retornaram às livrarias. A Família Medeiros acaba de ganhar uma edição de luxo no mercado e, pouco a pouco, o leitor contemporâneo vai se apropriando desse vasto tesouro que por tanto tempo esteve negligenciado.

Avaliação: ★★★★

Daniel Coutinho

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