sexta-feira, 10 de julho de 2020

Os Índios do Jaguaribe, de Franklin Távora - RESENHA #137

Embora Franklin Távora não seja o romântico com que mais simpatize, preciso é que reconheçamos seu importante papel na literatura cearense, sendo ele o precursor do romance por aqui. Os Índios do Jaguaribe (1862), embora indiscutivelmente menor, saiu mesmo antes da imponente e vetusta Iracema, de nosso patriarca Alencar.

Projetado para ser um romance épico em quatro volumes, Os Índios do Jaguaribe, infelizmente, não passou do primeiro. O insucesso da obra desanimou seu autor de seguir adiante com tal empresa, uma vez que o próprio Alencar, referindo-se ao livro, afirmara que os índios de Távora “precisavam ser descascados”. O comentário afrontoso do criador de Peri não ficaria sem réplica, provocando as famosas Cartas a Cincinato, nas quais um tal Semprônio atacaria a virgem dos lábios de mel.

Se o autor d’O Cabeleira não atingiu a poesia de Iracema ou mesmo o poder de fabulação do Ubirajara, também não se pode dizer que não prestou nenhuma contribuição com seu primeiro romance que, conquanto inacabado, vale por seu caráter precursor. Além disso, apesar de seus defeitos, o livro entrega no mínimo um episódio curioso tendo como pano de fundo a colonização do Ceará, e também provoca curiosidade sobre o destino de seus personagens, matéria que seria desenvolvida em El Dorado, o segundo volume jamais concluído.

O jovem Franklin Távora, interessado pela corrente indianista e desejando explorar um assunto histórico de sua terra natal, traça seu romance basicamente a partir de dois núcleos: o dos silvícolas e o dos colonizadores. À parte da ficção histórica, temos uma espécie de panfletista disposto a criticar o Império e enaltecer a República, principiando por tecer considerações ásperas sobre o descaso do imperador para com a região setentrional.

No plano dos silvícolas, temos a grandiosa figura de Jurupari, guerreiro tabajara que se sobressai entre os demais, não só por sua força e bravura, mas pela qualidade sobrenatural de encantar animais, fato este que suscita diversas cogitações e explicações míticas, além da inveja do próprio Jaguari, o chefe ou cacique.

Jurupari é apaixonado por Igaraí, mas esta o despreza em razão de seu amor por Japi, cuja sorte se desconhece desde que fora capturado pelos emboabas. Decidido a convencer sua amada sobre seus sentimentos, Jurupari declara que, pelo amor de Igaraí, seria capaz de extinguir toda a sua tribo e beber o sangue do chefe.

Jaguari, acompanhado de Inharé, pajé dos tabajaras, acaba testemunhando o discurso afrontoso do destemido guerreiro, e aproveita-se dessa circunstância para conseguir a condenação de Jurupari durante um conselho entre os grandes. No entanto, muitos guerreiros inconformados tramam uma conspiração para derrubar Jaguari e elevar o condenado à posição de novo chefe.

Quanto aos colonizadores, inicialmente o autor nos leva a Sevilha para conhecê-los. O Dr. del Sarto e o explorador Pero Coelho de Souza contratam Vraimont, navegador francês, a fim de fazerem uma expedição para o Brasil. Del Sarto tem interesses puramente científicos, enquanto seu amigo português aspira por descobrir o lendário El Dorado.

Raul, jovem pintor, decide acompanhar o médico espanhol em sua expedição, uma vez que del Sarto levaria sua filha Matilde, por quem o moço é apaixonado. No Brasil, enquanto fazia um de seus esboços, Raul presencia uma cena que acaba denunciando uma possível traição por parte de Vraimont, que na verdade seria aliado de Adolfo Montbille, explorador francês e inimigo dos portugueses.

A interrupção do romance acaba deixando algumas lacunas na história, mas há passagens dignas de nota n’Os Índios do Jaguaribe, sobretudo nos capítulos finais. O preciosismo da linguagem de nosso jovem e presunçoso autor é que pode causar alguma estranheza, principalmente ao leitor contemporâneo. As notas de Otacílio Colares à terceira edição podem esclarecer alguns pontos, mas, por outro lado, os erros tipográficos da mesma provocam incômodo ainda maior.

Sobre as palavras de Alencar em relação à estreia de seu conterrâneo, eu diria ser mais acertado afirmar que o livro todo carecia ser “descascado”, principalmente no tocante à linguagem pretensiosa e repleta de arcaísmos, mas não posso concordar com o posicionamento radical de Lúcia Miguel-Pereira quando disse: “Não existe o romancista Franklin Távora”.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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