domingo, 22 de março de 2020

Úrsula, de Maria Firmina dos Reis - RESENHA #125

A maranhense Maria Firmina dos Reis (1822-1917) tem sido alvo da atenção de estudiosos e leitores em geral nos últimos anos, tendo sua obra resgatada do esquecimento graças à importância histórica da mesma, pois é bem verdade que as qualidades literárias da autora de Úrsula (1859) não são das mais apreciáveis.

Alguns a consideram erroneamente como a primeira romancista brasileira, esquecendo-se da potiguar Nísia Floresta, mais conhecida pelo pioneirismo de seus trabalhos feministas. Contudo, Maria Firmina dos Reis foi provavelmente a primeira mulher negra de nossas letras, sendo-lhe também creditado o mérito da composição de uma das primeiras obras ficcionais de temática abolicionista.

Úrsula segue um modelo romântico já ultrapassado para sua época, ainda que cultivado por outros autores, como Teixeira e Sousa. O idealismo exagerado e o maniqueísmo evidente no livro certamente contribuíram para seu esquecimento ao longo dos anos. Vale lembrar que a obra só seria reeditada em 1975, ou seja, mais de cem anos após sua publicação original, graças ao trabalho do pesquisador Horácio de Almeida.

Na trama, temos Tancredo que, após ter sido preterido por Adelaide (que o trocou pelo pai do moço), lamenta sua desilusão amorosa saindo desnorteado pelo mundo em seu cavalo, ao ponto de provocar um acidente. Socorrido por Túlio, um jovem escravo, Tancredo é levado para a casa de Luísa B., a mãe de Úrsula.

Úrsula, como se espera de toda heroína romântica, é a personificação da beleza e candura dos anjos. Enquanto trata da enfermidade de seu hóspede, acaba apaixonada por ele. Tancredo, por sua vez, esquece-se imediatamente de suas desilusões amorosas e cai rendido de amores por sua cuidadora.

Após a manifestação recíproca de seus amores, seguindo a linha romântica já previsível, o mocinho precisa se afastar para cuidar de um assunto ou, antes, para dar oportunidade ao aparecimento do maligno vilão desta história: o comendador Fernando, tio de Úrsula que, tal como Tancredo, apaixona-se perdidamente no primeiro momento em que avista a sobrinha.

Fernando, homem inescrupuloso e desapiedado, além de inexorável carrasco de seus escravos, pretende a mão da sobrinha, fazendo pouco caso do compromisso desta com Tancredo. Sua intenção é casar-se com Úrsula antes do retorno de seu rival, mas quando as circunstâncias não saem conforme suas previsões, ele decide usar de meios mais fatais para alcançar seus objetivos.

Colocando de lado este dramalhão sentimental, encontramos em Úrsula um registro bastante elucidativo da visão do negro sobre sua própria condição. Há, por exemplo, um capítulo de grande interesse onde outra personagem secundária, mãe Susana, faz o relato de sua vida anterior à escravidão, passando por sua captura, transporte para o Brasil e finalmente os flagelos sofridos até a velhice.

Esses aspectos do cativeiro sob o ponto de vista do próprio escravo, ainda que figurados de forma secundária no romance, sustentam o interesse que prevalece sobre a obra até os dias correntes. Não tivesse sua autora empregado desse artifício, certamente Úrsula teria passado despercebido até hoje.

É uma leitura necessária, como já mencionei, por seu valor histórico e representatividade inquestionáveis, mas que dificilmente cairá nas graças de nosso público ledor já tão desacostumado de narrativas deste teor.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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2 comentários:

  1. Tenho curiosidade e ainda quero ler esse livro. Suas resenhas são excelentes, objetivas e bastante sinceras.

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    1. Muito obrigado por este retorno, Ademilson! Seus comentários me incentivam a continuar com este trabalho que já vai pelo quinto ano =)

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