A maranhense Maria Firmina dos Reis (1822-1917) tem
sido alvo da atenção de estudiosos e leitores em geral nos últimos anos, tendo
sua obra resgatada do esquecimento graças à importância histórica da mesma,
pois é bem verdade que as qualidades literárias da autora de Úrsula (1859) não são das mais
apreciáveis.
Alguns a consideram erroneamente como a primeira
romancista brasileira, esquecendo-se da potiguar Nísia Floresta, mais conhecida
pelo pioneirismo de seus trabalhos feministas. Contudo, Maria Firmina dos Reis
foi provavelmente a primeira mulher negra de nossas letras, sendo-lhe também
creditado o mérito da composição de uma das primeiras obras ficcionais de
temática abolicionista.
Úrsula segue
um modelo romântico já ultrapassado para sua época, ainda que cultivado por
outros autores, como Teixeira e Sousa. O idealismo exagerado e o maniqueísmo
evidente no livro certamente contribuíram para seu esquecimento ao longo dos
anos. Vale lembrar que a obra só seria reeditada em 1975, ou seja, mais de cem
anos após sua publicação original, graças ao trabalho do pesquisador Horácio de
Almeida.
Na trama, temos Tancredo que, após ter sido
preterido por Adelaide (que o trocou pelo pai do moço), lamenta sua desilusão
amorosa saindo desnorteado pelo mundo em seu cavalo, ao ponto de provocar um
acidente. Socorrido por Túlio, um jovem escravo, Tancredo é levado para a casa
de Luísa B., a mãe de Úrsula.
Úrsula, como se espera de toda heroína
romântica, é a personificação da beleza e candura dos anjos. Enquanto trata da
enfermidade de seu hóspede, acaba apaixonada por ele. Tancredo, por sua vez,
esquece-se imediatamente de suas desilusões amorosas e cai rendido de amores
por sua cuidadora.
Após a manifestação recíproca de seus amores,
seguindo a linha romântica já previsível, o mocinho precisa se afastar para
cuidar de um assunto ou, antes, para dar oportunidade ao aparecimento do
maligno vilão desta história: o comendador Fernando, tio de Úrsula que, tal
como Tancredo, apaixona-se perdidamente no primeiro momento em que avista a
sobrinha.
Fernando, homem inescrupuloso e desapiedado,
além de inexorável carrasco de seus escravos, pretende a mão da sobrinha,
fazendo pouco caso do compromisso desta com Tancredo. Sua intenção é casar-se
com Úrsula antes do retorno de seu rival, mas quando as circunstâncias não saem
conforme suas previsões, ele decide usar de meios mais fatais para alcançar
seus objetivos.
Colocando de lado este dramalhão sentimental,
encontramos em Úrsula um registro
bastante elucidativo da visão do negro sobre sua própria condição. Há, por
exemplo, um capítulo de grande interesse onde outra personagem secundária, mãe
Susana, faz o relato de sua vida anterior à escravidão, passando por sua
captura, transporte para o Brasil e finalmente os flagelos sofridos até a
velhice.
Esses aspectos do cativeiro sob o ponto de vista
do próprio escravo, ainda que figurados de forma secundária no romance,
sustentam o interesse que prevalece sobre a obra até os dias correntes. Não
tivesse sua autora empregado desse artifício, certamente Úrsula teria passado despercebido até hoje.
É uma leitura necessária, como já mencionei, por
seu valor histórico e representatividade inquestionáveis, mas que dificilmente
cairá nas graças de nosso público ledor já tão desacostumado de narrativas
deste teor.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
***
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Tenho curiosidade e ainda quero ler esse livro. Suas resenhas são excelentes, objetivas e bastante sinceras.
ResponderExcluirMuito obrigado por este retorno, Ademilson! Seus comentários me incentivam a continuar com este trabalho que já vai pelo quinto ano =)
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