Para mim, é sempre uma grata surpresa quando me
deparo com grandes talentos da atualidade. Não escondo minha preferência pelos
autores clássicos, aqueles que já passaram pelo crivo do tempo e da crítica,
mas isso não me impede de reconhecer um talento autêntico quando o tenho à
vista.
É o caso da senhora Delia Owens e seu inegável
talento literário, sendo este já perceptível em seu primeiro romance, Um Lugar Bem Longe Daqui (2018), que é
sucesso de público desde seu lançamento. Trata-se de uma escritora
norte-americana que já havia divulgado alguns frutos de seu trabalho enquanto
cientista, mas que só tornou-se conhecida do grande público a partir de sua incursão
pela Literatura.
Mulher inteligente, Delia Owens aproveitou seus
conhecimentos científicos para emoldurar sua obra com cores vivas e brilhantes.
Às primeiras linhas de seu trabalho, já nos deparamos com uma estilista fina e
observadora, sensível e meticulosa, sem deixar de estar atenta ao ritmo de sua
narrativa, cujo maior desafio é manter o interesse do leitor valendo-se quase
que unicamente de Kya, a protagonista.
O leitor que antipatizar Kya certamente
desgostará deste romance, uma vez que a “Menina do Brejo” é o ponto central
para onde convergem todos os demais aspectos da narrativa. Um Lugar Bem Longe Daqui é uma história sobre solidão. Se estar a
sós com Kya for desagradável para o leitor, provavelmente este aborrecerá o
livro de Delia. Ainda bem que comigo não aconteceu rs.
Kya é abandonada ainda criança por toda sua
família num brejo onde fica o seu barracão. Sozinha, tendo por únicas
companheiras as gaivotas, ela mantém-se esquiva ao contato com outras pessoas,
negando-se a ir à escola e restringindo ao máximo a comunicação com os
moradores da cidade. Amparando-se em tudo que aprendera com a mãe e Jodie, seu
irmão mais próximo, Kya aprende a se virar sozinha, fazendo tudo do seu jeito e
tendo a natureza como principal referência.
A ligação que se estabelece entre a menina e o
brejo permite que ela adquira um conhecimento autodidático, que será
devidamente aperfeiçoado graças aos ensinamentos de Tate, um garoto que fora
amigo de Jodie e que a orienta numa ocasião em que Kya acaba se perdendo enquanto
passeava no barco que herdara do pai.
Os ensinamentos de Tate e as atenções de
Pulinho, com quem Kya mantém transações comerciais, levam a Menina do Brejo a
refletir sobre o quanto é importante entreter relações com outras pessoas.
Estar sozinha já não parece ser a escolha mais acertada, mas as decepções com
que se depara em seguida fazem-na repensar sobre o quão mais seguro pode ser um
lugar bem distante, onde cantam os lagostins.
É admirável a preocupação da autora em tornar
sua história crível. Sempre que Kya, por exemplo, revela um conhecimento
improvável para sua idade, o narrador justifica as habilidades da garota,
principalmente com menções ao passado da personagem. Delia não subestima a
inteligência do leitor; antes a sobeja com seu conhecimento científico.
Mas como em todo brejo sempre há uma lama mais
escorregadia, não devemos admirar que nossa estreante tenha se sujado um pouco
no próprio pântano. Não me pareceu muito lógico que os pais mais os quatro
irmãos de Kya a tenham abandonado à própria sorte. Não digo que seja
impossível, mas é um tanto extraordinário que todos tenham agido da mesma
forma, mesmo considerando as circunstâncias em que vivia a família. O caso é
que, para o bem da proposta do romance, Kya precisava ficar sozinha. Penso que teria
sido mais acertado se a autora tivesse trilhado um caminho “menos fácil”: um
irmão que foi para a guerra, a outra que morreu de tifo, outro que se perdeu no
pântano... Todo mundo precisava só ir embora?
Outro problema que me incomodou foi o possível
assassinato de Chase Andrews, do qual tomamos conhecimento logo no começo do
livro. A investigação deste caso dá-se concomitantemente ao prosseguimento da
história de Kya. Até o desfecho da obra, algumas lacunas são deixadas pela
autora. Talvez Delia propositalmente optasse por manter uma aura de mistério,
deixando à imaginação do leitor uma ou outra explicação; ou talvez ela possa
usar isso como desculpa por não ter uma explicação plausível para uma morte tão
mal explicada rs.
Minha experiência com Um Lugar Bem Longe Daqui foi amplamente satisfatória. Penso que,
para um romance de estreia, o livro está excelente, além de contar com uma
escrita que poderá agradar diferentes públicos. Vamos torcer para que
brevemente Delia nos brinde com outras produções deste nível, e que Reese
Witherspoon não estrague tudo rs.
Avaliação: ★★★★
Daniel Coutinho
***
SKOOB: http://www.skoob.com.br/usuario/1348798
Escreva para o blog: autordanielcoutinho@gmail.com
Este livro foi o quarto livro em popularidade no site francês Babelio em 2020. Eu estava vendo essa lista e, ao ler o resumo, pensei: já li sobre isso em algum lugar. Fiz um esforço de memória e me lembrei do seu blog. E acertei. Em francês o título é: Là où chantent les écrevisses de Delia Owens. Não li ainda.
ResponderExcluirPuxa, que surpresa boa! Esse livro tem sido muito divulgado desde 2019. Legal que você o tenha conhecido por aqui. Vale super a pena a leitura! Abraço!
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