sexta-feira, 21 de junho de 2019

Rosaura, a Enjeitada, de Bernardo Guimarães - RESENHA #100

Mais conhecido por suas obras regionalistas, Bernardo Guimarães legou-nos com Rosaura, a Enjeitada (1883) seu único romance urbano, e também o último publicado em vida do autor. Nele, o prosador mineiro mais uma vez toca no tema da escravidão, assunto de seu retumbante sucesso A Escrava Isaura.

Traçado nos moldes românticos (estética na qual Bernardo se destacou), Rosaura é dividida em duas partes: a primeira dedicada à Adelaide (mãe de Rosaura), a segunda dedicada à própria Rosaura. Se observarmos a obra por cima, temos na verdade dois romances, sendo o segundo nada mais que um desdobramento do primeiro.

Na primeira parte, “A mãe”, pressenti que o romancista não estava plenamente seguro do destino que iria dar à sua narrativa, uma vez que nos deparamos com uma série de personagens que são, a certa altura do romance, convenientemente descartados. Trata-se de um grupo de acadêmicos do curso de Direito de São Paulo, do qual se destacam: Aurélio, Belmiro, Azevedo, dentre outros.

Esses estudantes, que no começo do livro cismam sobre o que fazer num dia de feriado, acabam aceitando o convite de visitar a chácara do major Damásio. Este, apesar de ser descendente de ciganos e viúvo de uma mulher liberta, assume uma monomania aristocrática que o leva a sustentar com segurança a “pureza” de seu sangue nobre. Adelaide, de sua parte, conquanto tenha herdado a tez amorenada de sua mãe, quer a todo custo passar-se por uma mulher branca.

O grande desejo do major Damásio é obter um marido excelente para Adelaide, mas a jovem acaba enamorada de seu companheiro de infância, Conrado, o capataz da chácara, que não passa de um pobre caboclo. Dotado porém de coragem e inteligência, Conrado faz fortuna e pede sua amada em casamento. Tal gesto é encarado como audaciosa afronta pelo major, que logo expulsa o moço de seus domínios. Os amores dos dois jovens, contudo, já estavam mais adiantados do que se supunha, mas Adelaide esconde cautelosamente de seu pai a sua gravidez.

Ajudada nos trabalhos de parto por Lucinda, sua escrava de confiança, Adelaide vê-se obrigada a enjeitar sua filha, em razão da integridade de sua reputação. A criança é deixada na casa de Nhá Tuca, uma velha comerciante que, na verdade, era dada a negócios indecorosos. Chateada com a morte da filha de uma de suas escravas, a qual deveria ser vantajosamente vendida mais tarde, Nhá Tuca decide pôr a enjeitada em seu lugar, condenando-a desta forma ao cativeiro. A filha de Adelaide é pois dada como morta.

Na segunda parte, “Rosaura”, tomamos conhecimento do destino da filha de Adelaide, agora uma linda jovenzinha de quatorze anos. Por ironia do destino, Rosaura acaba sendo vendida para Morais, o então marido de Adelaide, que pretendia uma mucama para sua filha mais velha. Dessa forma, mãe e filha passam a viver sob o mesmo teto, sem desconfiar porém do verdadeiro laço que as une.

Essa curiosa história, com ares de novela da tarde, é assim contada sob as fórmulas mais simples do romance romântico. O autor brilhantemente faz uso da oralidade, de maneira que vamos nos inteirando das situações como se alguém nos estivesse confidenciando. Percebia mesmo certa distância até dos personagens centrais, pois o envolvimento com a trama dá-se mais pela já referida confidência que pela ação dramática propriamente dita do romance.

Rosaura, a Enjeitada funcionou para mim como um excelente entretenimento, mas a simplicidade excessiva de suas técnicas tornava o enredo bastante previsível, embora tenha aplaudido com entusiasmo uma ou outra surpresa da trama. Talvez o final, que me pareceu forçadamente arrastado a um destino feliz, tenha sido o ponto mais questionável do livro, mas nada felizmente que pudesse comprometer o delicioso sabor desta experiência.

Avaliação: ★★★

Daniel Coutinho

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