Mais conhecido por suas obras regionalistas,
Bernardo Guimarães legou-nos com Rosaura,
a Enjeitada (1883) seu único romance urbano, e também o último publicado em
vida do autor. Nele, o prosador mineiro mais uma vez toca no tema da
escravidão, assunto de seu retumbante sucesso A Escrava Isaura.
Traçado nos moldes românticos (estética na qual
Bernardo se destacou), Rosaura é
dividida em duas partes: a primeira dedicada à Adelaide (mãe de Rosaura), a
segunda dedicada à própria Rosaura. Se observarmos a obra por cima, temos na
verdade dois romances, sendo o segundo nada mais que um desdobramento do
primeiro.
Na primeira parte, “A mãe”, pressenti que o
romancista não estava plenamente seguro do destino que iria dar à sua
narrativa, uma vez que nos deparamos com uma série de personagens que são, a
certa altura do romance, convenientemente descartados. Trata-se de um grupo de
acadêmicos do curso de Direito de São Paulo, do qual se destacam: Aurélio,
Belmiro, Azevedo, dentre outros.
Esses estudantes, que no começo do livro cismam
sobre o que fazer num dia de feriado, acabam aceitando o convite de visitar a chácara
do major Damásio. Este, apesar de ser descendente de ciganos e viúvo de uma
mulher liberta, assume uma monomania aristocrática que o leva a sustentar com
segurança a “pureza” de seu sangue nobre. Adelaide, de sua parte, conquanto
tenha herdado a tez amorenada de sua mãe, quer a todo custo passar-se por uma
mulher branca.
O grande desejo do major Damásio é obter um
marido excelente para Adelaide, mas a jovem acaba enamorada de seu companheiro
de infância, Conrado, o capataz da chácara, que não passa de um pobre caboclo.
Dotado porém de coragem e inteligência, Conrado faz fortuna e pede sua amada em
casamento. Tal gesto é encarado como audaciosa afronta pelo major, que logo
expulsa o moço de seus domínios. Os amores dos dois jovens, contudo, já estavam
mais adiantados do que se supunha, mas Adelaide esconde cautelosamente de seu
pai a sua gravidez.
Ajudada nos trabalhos de parto por Lucinda, sua
escrava de confiança, Adelaide vê-se obrigada a enjeitar sua filha, em razão da
integridade de sua reputação. A criança é deixada na casa de Nhá Tuca, uma
velha comerciante que, na verdade, era dada a negócios indecorosos. Chateada
com a morte da filha de uma de suas escravas, a qual deveria ser vantajosamente
vendida mais tarde, Nhá Tuca decide pôr a enjeitada em seu lugar, condenando-a
desta forma ao cativeiro. A filha de Adelaide é pois dada como morta.
Na segunda parte, “Rosaura”, tomamos
conhecimento do destino da filha de Adelaide, agora uma linda jovenzinha de
quatorze anos. Por ironia do destino, Rosaura acaba sendo vendida para Morais,
o então marido de Adelaide, que pretendia uma mucama para sua filha mais velha.
Dessa forma, mãe e filha passam a viver sob o mesmo teto, sem desconfiar porém
do verdadeiro laço que as une.
Essa curiosa história, com ares de novela da
tarde, é assim contada sob as fórmulas mais simples do romance romântico. O
autor brilhantemente faz uso da oralidade, de maneira que vamos nos inteirando
das situações como se alguém nos estivesse confidenciando. Percebia mesmo certa
distância até dos personagens centrais, pois o envolvimento com a trama dá-se
mais pela já referida confidência que pela ação dramática propriamente dita do
romance.
Rosaura,
a Enjeitada funcionou para mim como um excelente
entretenimento, mas a simplicidade excessiva de suas técnicas tornava o enredo
bastante previsível, embora tenha aplaudido com entusiasmo uma ou outra
surpresa da trama. Talvez o final, que me pareceu forçadamente arrastado a um
destino feliz, tenha sido o ponto mais questionável do livro, mas nada
felizmente que pudesse comprometer o delicioso sabor desta experiência.
Avaliação: ★★★
Daniel Coutinho
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